domingo, 31 de outubro de 2010

Banco de Textos - Cristina Fagundes





Cristina Fagundes
TEXTOS




TUDO POR UM RAY BAN, de Cristina Fagundes

Casal entra em loja de óculos

Vendedor: Boa tarde, em que posso ajudar?

MARIDO: (à mulher): Você vai fazer isso mesmo?

MULHER – (botando um óculos dentro do porta óculos, em cima do balcão) Então, é que o

meu marido comprou esse Ray Ban para me dar de presente, mas eu queria trocar.

VENDEDOR: Vocês trouxeram a nota?

MARIDO: Eu joguei fora.

VENDEDOR: Jogou fora?

MARIDO: Foi.

VENDEDOR: Mas você comprou aqui?

Tempo.

MULHER – Ele não lembra.

VENDEDOR: Ué.

MULHER – Ele disse que tava bêbado quando comprou.

MARIDO – Foi. (tempinho) Eu comprei depois de tomar uns chopps.

 (tempo)

MULHER – Mas você não lembra pelo menos em que bairro você comprou?

MARIDO – Copacabana?

MULHER – Quem sabe não foi aqui nessa loja? Tenta se lembrar, amor. Puxa na memória.

VENDEDOR – Olha,se for ajudar em alguma coisa, pelo menos comigo eu posso garantir que

ele não comprou. Só se tiver sido com a Rose.

MULHER – Rose? Quem é Rose?

VENDEDOR – É a minha mulher, ela também trabalha aqui. Agora ela tá na hora do almoço.

Mas daqui a pouco ela tá de volta. Eu posso perguntar para ela.

MARIDO – Olha só, por que você não fica logo com esse óculos Malú?

MULHER – Mas desde quando eu uso óculos espelhado Alfredo?

MARIDO – Achei que você ia gostar.

MULHER – Você sabe que o meu marido bebeu tanto que esqueceu de me dar o meu

presente?

VENDEDOR: é mesmo?

MULHER – Não é incrível? Eu só descobri porque fui buscar a lanterna no porta-luvas do

carro. Tava lá dentro. O Ray Ban.

MARIDO – Era pra ser uma surpresa.

MULHER – E eu fiquei surpresa mesmo. Quando é que ia imaginar que esse homem que que

me faz comprar no Mundial em dia de promoção de Chã e patinho, ia me dar um Ray ban de

presente? Mas nem em sonho, né?

MARIDO – Não fica falando assim de mim em público.

MULHER - Isso aí tem um escorpião no bolso. Não mete a mão no bolso por nada.

VENDEDOR – Eu posso dar uma olhada no modelo?

MULHER – Claro.

VENDEDOR ABRE – Ué. Mas como é que pode?

MULHER – Que foi?

VENDEDOR – Esse é um Ray Ban Exclusive.

MARIDO - Que que tem?

VENDEDOR – é uma tiragem exclusiva. Só é produzida um único exemplar de cada modelo.

MULHER – E daí?

VENDEDOR – E daí que só uma pessoa tem esse Ray Ban no mundo. E esse é o Ray Ban da

Rose.

MULHER – A sua mulher?

Tempo.

ROSE – (entrando na loja) Nossa o verão chegou mesmo, lá fora tá fazendo um sol de ma/

(pára quando vê o casal) tar.

Tempo.

VENDEDOR – Então por que que você não levou seu óculos escuro Rose?

ROSE – Por que? Porque... porque eu esqueci.

VENDEDOR – Esqueceu aonde?

ROSE – Esqueci de levar.

VENDEDOR (a Rose) - Você já conhece?

ROSE – Quem?

VENDEDOR – Esses clientes? São um casal sabia?

ROSE – Não.

MULHER – ah, não sabia?

ROSE – Não.

MULHER – E o meu marido, você conhece?

ROSE – Não.

MULHER – Então como é que o seu Ray Ban foi parar no carro dele?

ROSE – No carro do Alfredo?

MULHER – Você falou Alfredo?

ROSE – Eu? Eu falei Alfredo?

MARIDO – Ela falou Alfredo?

VENDEDOR – Cadê o seu Ray Ban Rose?

ROSE - Então, agora eu to me lembrando. Eu fui assaltada.

VENDEDOR – Assaltada?

ROSE – Foi. Na linha vermelha. Quarta passada, foi horrível. Vários pivetes. Não te contei

para você não ficar impressionado.

Tempo.

MULHER – Seria horrível mesmo, se não fosse pior. Você esqueceu o seu Ray Ban no carro do

meu marido. E eu achei.

MARIDO – Mas como é que ela ia ter esquec/

MULHER – Cala a boca que eu ainda não cheguei aí. Na quarta passada, às 12h, o meu marido

inventou que ia no dentista em Vila Isabel, mas na verdade ele foi a botafogo, ao motel Panda,

suíte 6 (pra ele) tá metendo a mão no bolso hein meu bem? E depois ele veio te deixar aqui,

nessa loja. Vocês ficaram de amasso por 15 minutos no carro e você entrou. Às 14h15 ele

voltou pro trabalho e às 18h foi beber com os amigos no Otto, na tijuca, até as 19h20, quando

teve uma indisposição gástrica e veio correndo pra casa fazer cocô. Não foi assim Alfredo?

MARIDO – Malu, não sei da onde você tirou isso. Eu fui no dentista fazer um can.. (leva

choque) ai! Fazer um can/ (outro) ai! Que isso?

MULHER – Se você continuar a mentir, você vai continuar a levar choque.

MARIDO: Mas eu nã tô mentin/ ai (novo choque).

MULHER: Você achou que eu te dei essa pulseira porque era seu aniversário? Achou que era

pra monitorar seu gasto calórico? Bobinho. Essa pulseira faz muito mais que isso. Há dias eu

venho monitorando seus passos, Alfredo, onde você vai, com quem você vai. O que você faz.

Sim, porque a sua pulseira também tira fotos e envia em tempo real para a minha. Eu imprimo

e vejo tudo. (pra Rose) Aliás você devia cuidar melhor dessas celulites meu bem. E olha só

que divertido, ela ainda dá nota pras suas atividades. O sexo que vocês fizeram no Panda por

exemplo, olha aqui: 6. nota 06. Hahahaha. Olha o que diz: pouco criativo e limitado ao papai

mamãe. Ahahahhaha. Mas a melhor parte mesmo é esse detector de mentiras que dá choque

quando você mente.

VENDEDOR – Isso deve vender bem, hein?

MULHER – Você ainda não viu nada. Bate na cara dela Alfredo.

ROSE – Na minha cara?

MARIDO - Eu não vou bater na cara dela.

MULHER – Vai sim, quer ver? (aciona botão na pulseira e ele bate na cara da rose).

ROSE – Ai, você me bateu.

MARIDO – Não fui eu, foi a pulseira. Ela me obrigou.

VENDEDOR – Eu quero uma dessas.

MULHER – Agora puxa o cabelo dela. (clica a pulseira dela que é a pulseira líder).

ROSE – Peraí. (Alfredo puxa o cabelo dela). Aiii.

MARIDO – Desculpa, não sou eu, é ela. (em relação à pulseira)

MULHER – Agora canta axé.

MARIDO – Não! (pausinha) Não! Não! Não me abandone, não me desespere, porque eu não

posso ficar sem você!

VENDEDOR – Eu quero um estoque dessas. (marido ainda cantando)

MULHER – Agora me beija.

MARIDO – Eu não.

MULHER – Na boca. Agora.

Ele beija ela na boca a contragosto. Com o beijo, ele pára de cantar.

MULHER – Agora fala que o meu beijo é melhor que o dela.

MARIDO – O seu beijo é bem melhor que o dela.

MULHER – òtimo, agora fala assim: Rose você tem bafo.

MARIDO – Rose você tem bafo.

MULHER – Hhahahahaha.

ROSE – Quê?

VENDEDOR – Hahahah, é verdade.

MARIDO – como é que tira essa merda?

MULHER – Não adianta tentar. Ela tá programada pra só abrir em março.

ROSE – Em março?

MULHER – Só depois que você for no baile gay com ela. (ri malvada). Aí, como eu vou me

divertir nesse carnaval! Hahahahahahah.

MARIDO – Você não faria isso comigo, faria?

MULHER - Cala a boca! Agora sapateia no ray ban. Vai!

ROSE – Não, no meu ray ban não! (agarra ele mas ele começa a pular em cima do ray ban).

Não! Não! Meu ray ban exclusive. Não! (pra ele) Eu te odeio!

MARIDO – Mas não fui eu!

Rose (cata os caquinhos e sai chorando para dentro da loja) – Idiota!

MARIDO – Peraí! Rose!

VENDEDOR – Essa pulseira é boa mesmo hein?

MULHER – Pronto. Já tá de bom tamanho. Vambora Alfredo. Já pro carro. Passa. (ele sai –

ficam só o vendedor e ela).

VENDEDOR – Escuta você acha que tem como eu encomendar umas pulseiras dessas? Botar

pra vender aqui na loja?

MULHER - Pra quê?

VENDEDOR – Po, isso vai vender que nem água. A pulseira faz de tudo.

MULHER – Não faz não. Marido com medo de perder a mulher é que faz. (pisca pra ele) Olha

aqui, isso é arame de fechar pão de forma. (ri). (vai saindo) Ai, Alfredo, Alfredo, depois dessa,

eu acho até que eu vou até te perdoar.

Fim

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Lembra? - de Cristina Fagundes 

Festão black tie rolando. 2 senhoras em vestidos longos na pista de dança.  

ISAURA: Parabéns amiga, a sua festa está divina.
CÉLIA: Ah, Isaura, você sabe que eu só gosto de festão. Comigo é assim.  Contratei logo o melhor bufê da cidade.
ISAURA: Ah, é? Qual?
CÉLIA: Hum... ai... como é que era o nome mesmo? Vatapá encantado?... não, não era isso, enfim, não lembro, mas eles são incríveis né? Depois eu te passo.
ISAURA: To gostando muito das músicas.
CÉLIA: É um dj lá de Barcelona. Ou é lá da Rocinha? Não lembro agora, enfim, ele é bárbaro né?
 (RAPAZ 1 - um jovem bonito se aproxima dançando).
ISAURA:  Célia, esse rapaz tá te paquerando.
CÉLIA: Me paquerando?
ISAURA: Tá sim, olha só.
CÉLIA: Mas ele é tão jovem. É um menino. Será?
RAPAZ 1 (Para Célia): Linda.
CÉLIA: Vc ouviu isso Isaura?  Ele me chamou de linda.
ISAURA: Gente! Você tá que tá hein Célia?
RAPAZ 1: Gostosa.
CÉLIA:  Viu isso, Isaura?
ISAURA: To besta Célia! Besta!
Jovem dança cada vez mais perto de Célia, insinuante.
ISAURA: Quer saber? Eu vou pegar mais um champagne.  Com licença. (baixinho) Aproveita amiga! Que não é todo dia hein?
RAPAZ 1 e Célia dançam cada vez mais próximos.
RAPAZ 1: A senhora vai me pagar agora?
CÉLIA: Oi?
RAPAZ 1: O meu pagamento vai ser agora ou depois?
CÉLIA: Não entendi, meu bem.  Fala mais alto.
RAPAZ 1:  Eu sou da Escort Boys.
CÉLIA: Da onde?
RAPAZ 1: (mostra cartão) Serviço de Acompanhantes, ó.   A senhora me contratou.   Lembra?
CÉLIA: Hã?
RAPAZ 1: Pra festa.
(Rapaz 2 começa a se aproximar deles dançando,  está de olho em Célia).
CÉLIA: Ah, sim, é verdade, é verdade, você é o rapazinho que eu contratei.
RAPAZ 1:  Então, vai ser pagamento adiantado ou só no final da festa? Adiantado tem desconto.
RAPAZ 2: (se aproxima) Linda!
CÉLIA: Quê?
RAPAZ 2: Gostosa.
CÉLIA: Ih, gente.
RAPAZ 1: Qual foi, meu irmão?
RAPAZ 2: Delícia.
RAPAZ 1: Qual é?  Não tá vendo que ela tá comigo não?
CÉLIA: (reconhecendo rapaz 2) Peraí.  Eu tô te reconhecendo.  Você é o Gustavo não é? O Gustavinho?
RAPAZ 2: Sou.
CÉLIA: Ai, meu deus. O que que você tá fazendo aqui, menino?
RAPAZ 2: Ué.
RAPAZ 1: Vocês já se conhecem?
CÉLIA: Ai, gente. Eu te contratei foi?
RAPAZ 2 hesita em falar.
CÉLIA: Pode falar, ele também é contratado.
RAPAZ 2: Contratou. A senhora não lembra, não?
CÉLIA: Ai, meu deus, onde é que eu ando com a cabeça?  Eu tinha me esquecido completamente.  Me desculpa Gustavinho, mil perdões,  mas e agora?  O que que a gente faz? Eu já chamei esse outro rapaz pra me paquerar.  Dois não dá.
RAPAZ 2: Poxa, mas agora eu já vim até aqui, né?
RAPAZ 1: É.  Mas eu cheguei antes.
RAPAZ 2: É, mas agora que eu já tô aqui, eu que não vou embora.
RAPAZ 1:  Nem muito menos eu.
CÉLIA: Ai meu deus. Mas assim não vai dar. Eu não posso aparecer com os dois. Imagina.  Eu vou ficar com fama de piranha.  Olha lá, os convidados já tão notando.  Dois não dá gente.
RAPAZ 2: Pô, mas eu aluguei essa roupa e tudo, entendeu?  Foi carão.
RAPAZ 1: E daí? Eu vim de táxi lá de Xerém.
CÉLIA: shh, meninos, por favor, vamos falar baixo? Não fala em Xerém, gente. Não, Xerém não. Não combina, né?
RAPAZ 2 chega perto de Célia dançando.
RAPAZ 1: ÔO, que isso?
RAPAZ 2: To trabalhando ué. Dá licença?
RAPAZ 1: ah, é?  Então também tô. (também começa a dançar com ela).  Delícia. (belisca sua bunda)
CÉLIA: Ai, que isso?  Modos.  
RAPAZ 2: Sua coroa gata.
CÉLIA: Meninos, por favor.
RAPAZ 1: (sopra no pescoço dela).
CÉLIA: Ai... Olha, gente, parou.  Gustavinho, ou então você.  Qual o seu nome mesmo meu bem?
RAPAZ 1: Hércules.
CÉLIA: Então Hércules.  Gustavinho e Hércules.  Um de vocês dois vai ter que ir embora.  Olha, eu pago, não tem problema.  Dinheiro não é problema.  Eu esqueci, não foi? Então, eu pago. Eu pago. Quem mandou?
RAPAZ 2: Negativo. Eu sou profissional.  Não largo trabalho no meio não.
DONA CÉLIA A RAPAZ 1: Então, você, como é mesmo o seu nome? Por que você não vai dar uma volta meu bem? Pega uma bebidinha ali pra você. Tem champagne.
RAPAZ 1: Não senhora, tá pensando o quê?  Eu vim aqui pra trabalhar, não tô aqui de fervo não. Eu hein. Eu também sou profissional.
CÉLIA: Mas , gente, os dois ao mesmo tempo é muito. Eu vou ficar falada.
RAPAZ 1: Eu vou fazer o que eu combinei.  Se você quiser vai embora.
RAPAZ 2: Tá maluco, agora é questão de honra.    
 (os 2 dançando com ela).
RAPAZ 3 se aproxima de Célia dançando.
RAPAZ 3: Linda.
CÉLIA: Quê?
RAPAZ 3: Gostosa.
RAPAZ 2: opa, opa, opa.
RAPAZ 1: epa! Peraí. Que isso? Aí não dá.
CÉLIA: Peraí... Luisinho? Luisinho, ai meu deus.  Luisinho. Ah, acabei de lembrar.  Eu te contratei, não foi?
LUISINHO HESITA EM FALAR.
CÉLIA: Pode falar Luisinho. Fala, menino.
RAPAZ 3:  Pra 10 eventos.   Esse é o nono, Dona Célia. Depois só no Natal, lembra?
CÉLIA: Ai, jesus, é mesmo. Eu me esqueci completamente. Era um pacote.  Vai até o Natal.  É verdade. É verdade.
RAPAZ 3: Pois é.  Tô na área.
RAPAZ 2: é, tá na área, mas chegou tarde.
RAPAZ 1: Você também.
RAPAZ 3: Ih, eu já acertei com a Dona Célia tem um tempão.  E eu vim lá de Madureira.
DONA CÉLIA: Vamos falar baixo. Shhh.  Madureira não, gente. Por favor. Shhh.
RAPAZ 1: Safada.
RAPAZ 2: Tesuda.
RAPAZ 3: Cavala.
CÉLIA: Que isso? Assim não.
RAPAZ 3: Vem cá, docinho. Vem.
CÉLIA: Ai, meu deus.
RAPAZ 1: Vem comigo princesa.
RAPAZ 2: Rebola aqui.
RAPAZ 3: Pandeirão.
Isaura volta.
ISAURA: Célia?
CÉLIA: ai, eu vou ao banheiro, peraí, larga, ai, (se desvencilha deles e se afasta).  Vem comigo Isaura. Rápido.
ISAURA: Que que foi aquilo  Célia?
CÉLIA: Aquilo o quê Isaura?
ISAURA: Com três ao mesmo tempo?
CÉLIA: Ai, amiga, não é isso não.  Ai, Isaura, você deve tá achando que eu sou uma galinha. Mas não é nada disso.  Você sabe que eu não sou assim.  Há quanto tempo já que a gente é amiga Isaura?
ISAURA: Há um dia.
CÉLIA: Um dia?
ISAURA: É. Desde ontem.
CÉLIA: Quê?
ISAURA: A senhora me contratou para ser a sua amiga? Lembra?
CÉLIA: Mas Isaura.
ISAURA: Leila.  Meu nome é Leila.  E o pagamento vai ser agora ou no final, Dona Célia?

Fim





Dos Altos e Baixos da Vida, de Cristina Fagundes

Homem e mulher sentados num gramado, fazendo um piquenique. Música suave e charmosinha.
MULHER:  Ele seria perfeito se não fosse um idiota. Mais um, aliás.
HOMEM: Eu realmente não sei porque que você sai com esses caras Maria.  Não te entendo sabia?
MULHER: Não entende o que André?
HOMEM: Você é uma mulher inteligente, sabe, bonita e fica aí perdendo tempo com um bando de cara imbecil. Pra quê?
MULHER: Eu fico tentando ué.
HOMEM: O quê?
MULHER: Encontrar o meu coringa.
HOMEM: O seu coringa?
MULHER: É.  O cara certo. O homem da minha vida.  Ah, eu sempre pensei, se um dia eu for me casar e ter um filho vai  ter que ser com alguém por quem eu esteja completamente apaixonada.  Tem que ter admiração, sabe?  Tem que ter aquele friozinho na barriga. O coração tem que pular.  A mão tem que suar.  Senão não vale a pena.  Você já sentiu isso por alguém?
HOMEM:  Já.
MULHER: Por quem?
HOMEM: Por você.
MULHER: ah, mas aí não vale.
HOMEM: Não vale por quê?
MULHER: A gente era criança.
HOMEM:  Eu ficava desenhando você no caderno. Mas você nem me dava bola.  Você era a garota mais bonita da escola.
MULHER: Mas eu era sua amiga.
HOMEM: E eu era o seu amigo Nerd.
MULHER: Lembra quando você me pediu em namoro?
HOMEM: Eu pintei no muro da escola: Maria Emília você quer namorar comigo? Ficou todo mundo rindo de mim.  E você nunca me respondeu.
MULHER: Mas André, se eu namorasse com você todo mundo ia me zoar, me desculpa amigo mas você era um prego (ri) e também eu gostava do Ricardinho, ele era tão bonito.  Ele virou um drogado sabia?
HOMEM: è, você sempre escolhendo bem Maria.
MULHER: Pois é. Mas agora isso vai mudar.  E foi por isso que eu te chamei aqui hoje.
HOMEM: Virou gay?
MULHER: Bobo. Não é isso. É que eu tomei uma decisão: não vou mais ficar esperando o príncipe encantado.  Chega de ilusão, esse negócio de paixão é coisa de adolescente, eu já to com 38 anos, quero casar, ter a minha família, não dá mais pra ficar esperando, daqui a pouco eu nem posso mais ter filho, já pensou?
HOMEM: é... mulher tem prazo né?
MULHER: Pois é. Então eu preciso resolver isso.  E esse negócio de ficar esperando coringa também já deu, né?  Cansei. Eu agora vou usar as cartas que eu tenho.   Até porque o tempo tá passando e eu já nem sou mais tão bonita, né André?
HOMEM: É, a beleza infelizmente também tem prazo.
MULHER: Eu já perdi muito tempo.  Fiquei gastando minha energia toda indo pra night pra conhecer alguém e deu no que deu.  Agora minha vida tá estagnada, porque eu não investi na minha carreira e eu continuo solteira. E o que é pior: os homens bacanas já estão todos casados.
HOMEM: Nem todos.
MULHER: Pois é.  Nem todos.  Nem todos. (tempo)
HOMEM: Que foi?
MULHER: Então André.  Eu resolvi que eu vou me casar com você.
HOMEM: Quê?
MULHER: é. Você é um cara legal, eu conheço desde pequeno, já sei os defeitos, já sei tudo.
HOMEM: Oi?
MULHER: Sim eu quero.
HOMEM: Eu quero o quê?
MULHER: To te respondendo, sim eu quero namorar com você.
HOMEM: quê?
MULHER: Você não perguntou lá no muro da escola se eu queria namorar com você? Então, tô te respondendo.
HOMEM: Mas aquilo já faz muito tempo.
MULHER: Desculpa. Eu demorei pra responder mesmo. Mas é que eu tava tentando encontrar o homem certo André.
HOMEM: Então eu não era o homem certo?
MULHER: Não. Até os meus 38 não, mas agora eu acho que sim, que você pode ser esse homem.   Você é tão legal e construiu uma história tão bacana sabia?  Outro dia eu tava pensando, poxa o André tá tão bem, tá bonito e tem uns amigos tão legais, todos bem sucedidos e ele montou a empresa dele, tem uma casa de campo, tá abrindo filial no shopping Leblon, poxa você arrasou André.
HOMEM: Você tá falando sério?
MULHER: Como assim?
HOMEM: Você me chamou pra esse piquenique pra me falar que você quer se casar comigo?
MULHER: Chamei.
HOMEM: Nossa Maria. Caramba.
MULHER: André, eu não ligo mais que você é nerd.   (tempo)
HOMEM: Maria, eu não sei o que te falar.  A gente sempre foi tão amigo.
MULHER: Pois é. E agora a gente vai ser mais do que isso.
HOMEM: Maria.
MULHER: Você conseguiu André.  Você vai realizar seu desejo de criança.  Eu agora vou ser sua namorada.  Aliás, sua mulher.
HOMEM: Maria eu acho que você tá confundindo as coisas.
MULHER: Como assim?
HOMEM: Eu quero muito que você seja feliz, mas eu não posso me casar com você.
MULHER  Mas claro que pode.  Eu não me importo mais.  E daí que você era o Nerd da escola? Caguei pra isso.  Eu não ligo mais.
HOMEM: Maria.  Eu quero ter filhos.
MULHER: Eu também André. Eu também.
HOMEM: Mas só daqui a 10 anos.
MULHER: Mas aí eu vou tá com 48.
HOMEM: Pois é. E eu batalhei tanto pra ter a minha empresa. Hoje em dia eu to numa situação tão legal.
MULHER: Então.
HOMEM: Que eu quero alguém que também esteja nesse mesmo patamar.  Desculpa. Mas eu não acho justo.
MULHER: Não entendi.
HOMEM: Se eu cheguei até aqui, eu quero alguém que também tenha chegado onde eu estou.
MULHER: Como assim?
HOMEM:  É que eu preciso admirar a pessoa.
MULHER: Admirar?  Mas você não me admira?
HOMEM: Como amiga. Como amiga sim.  Mas pra namorar....   se eu namorasse  com você ninguém ia nem entender.
MULHER: Entender o quê?
HOMEM: Sei lá.  É que os meus amigos te acham assim meio perdidinha sabe?  Meio desocupada.  Eles até te deram um apelido.... ah, lembrei:  “Pouca Meta”.
MULHER: Como é que é?
HOMEM: E eu não sinto mais atração por você Maria. Demorou, mas acabou.  Há uns 5 anos atrás.  Eu pensei que ia me sentir atraído por você pra sempre, mas quando você começou a engordar acabou.
MULHER: Acabou?
HOMEM: Acabou.
MULHER: Então... então você não quer se casar comigo?
HOMEM: Me desculpa Maria mas (fala o mesmo que ela falou antes) se um dia eu for me casar e ter um filho vai  ter que ser com alguém por quem eu esteja completamente apaixonado.  Tem que ter admiração, sabe? Tem que ter aquele friozinho na barriga. O coração tem que pular. A mão tem que suar.  Senão não vale a pena.  Desculpa.

Fim


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Acerto de Contas, de Cristina Fagundes

Sala de apartamento.  Dona Paula, uma senhora de meia idade está sentada numa mesa com uma jovem de aparência humilde.
DONA PAULA (constrangida) : Olha aqui,  são os dois meses de adiantamento que eu te falei que eu ia te dar.  Aí nesse tempo você encontra alguma coisa.
Tempo. Maria fica em silêncio fitando as mãos, macambúzia.
DONA PAULA: Você já começou a procurar?
Tempo. Maria faz que não com a cabeça sem fitar a outra.
DONA PAULA: Tem também o dinheiro do fundo de garantia.
Novo silêncio de Maria
DONA PAULA:  Sabia que ninguém paga fundo de garantia?  ....é raríssimo... (tempo)
MARIA: Não é mais pra eu vim?
DONA PAULA (mais constrangida): Não, não precisa.
MARIA suspira.
DONA PAULA:  O que que é Maria?
Maria dá de ombros.
DONA PAULA:  Você vai encontrar um lugar melhor para trabalhar, você é ótima.  Pode mandar me ligar que eu dou referência, viu?  Eu falo que você é ótima. Ótima.  Rapidinho você arruma outro trabalho, você vai ver.  Vai ser até melhor  do que a/
MARIA: Não quero.
DONA PAULA: Não quer o quê?
MARIA: Não. Quero não.  Não quero.
TEMPO
DONA PAULA: Mas Maria...
MARIA: Num quero ir embora. Num vou.
DONA PAULA: Maria... a gente já conversou sobre isso ontem.  Eu te expliquei, não te expliquei?
MARIA bate o copo d´água que estava segurando com força na mesa: Merda!
DONA PAULA: Que isso Maria?
MARIA: A senhora tá me mandando embora por causa do que aconteceu ontem?
DONA PAULA:  Não.... não.  È porque... é porque.... sim.  É por isso mesmo sim.
MARIA: Isso não é justo.
DONA PAULA (ficando agitada) Não é justo o quê?
MARIA: A senhora me beija na boca e me manda embora.
TEMPO. Dona Paula levanta da mesa, toma uma água.    Volta e olha na cara de Maria.
DONA PAULA: Eu não te beijei.  Foi você que me beijou.
MARIA: Mas a senhora aceitou.
DONA PAULA: Mas era só o que me faltava.
MARIA: A senhora abriu a boca e tudo.  Então é porque gostou. Também queria.  Escolheu.
DONA PAULA: Shh, que isso? Não fala besteira.
MARIA: Se não queria pra que que beijou?
DONA PAULA: Fala baixo que o Carlos pode chegar. Já pensou? Que que ele vai achar?
MARIA: O doutor Carlos só chega de noite.
DONA PAULA: De qualquer forma não era pra ter acontecido.  O que aconteceu foi muito grave.
MARIA: Seu beijo é bom.
DONA PAULA: Oi?
MARIA:  A língua faz assim ó. (mostra)
DONA PAULA: Que absurdo. (tempo) Você não vai arrumar as suas coisas?
MARIA: Eu to gostando de você Dona Paula.
DONA PAULA: Mas que que isso agora?
MARIA: Não sei. Acho que é amor mesmo.  É um troço aqui  ó(aponta o coração).  Um aperto. Eu fico lavando as roupa e só pensando na senhora sabia?
DONA PAULA: ai meu deus.
MARIA: Tão bem cuidada a senhora.  Uns dente tão branquinho.
DONA PAULA: Maria.
MARIA: Eu fico catando os feijão e só pensando na senhora...
DONA PAULA:  Pensando em mim Maria?
MARIA: Eu fico cozinhando a macaxeira e só pensando na senhora....
DONA PAULA: Mas pensando o quê?
MARIA: Na senhora só de calcinha.
DONA PAULA: Como assim?
MARIA:  A senhora canta tão bonito tomando banho.
DONA PAULA: Maria, me escuta/
MARIA: Eu queria ser o seu sabunete.
DONA PAULA: O meu o quê?
MARIA: Pra me esfregar toda na senhora.
DONA PAULA: Maria é melhor você ir logo.
MARIA: Não vou.
DONA PAULA: Não vai?
MARIA: Não. Vou não.
DONA PAULA: Como assim não vai? Eu to te mandando embora.  Não tem isso de não vou. Você tem que ir.
MARIA: (discorda) Hum Hum.  Só vou se a senhora me der outro beijo.
DONA PAULA: (nervosa) Mas pra que isso agora?
MARIA: Pra eu tirar a prova dos vinte.
DONA PAULA: Pra quê?
MARIA: A dona Paula, pra eu ver se eu sou gay. (tempo) A senhora é?
DONA PAULA: O quê?
MARIA: Gay ué?
DONA PAULA: Eu sou sua patroa, você me respeita.  Que que há?
MARIA: Mas podia ser mais.
DONA PAULA: Mais o quê?
MARIA: Mais.   (TEMPO)  Podia ser a minha namorada.
DONA PAULA: Maria, eu não te dei essa intimidade.
MARIA: Mas vai dá.
DONA PAULA: Como é que é?
MARIA: Vai dar.  E eu vou fazer bolo de camadas todo dia para senhora.
DONA PAULA: Maria. Do que que você tá falando?
MARIA:   Com aquela calda de Nutella que a senhora gosta.
DONA PAULA: Agora chega.
MARIA: Eu vou passar Nutella na senhora.
DONA PAULA:  Vai o quê?
MARIA:  Bem muita.  E vou te lamber toda depois.
DONA PAULA: Me lamber?
MARIA: Toda.
DONA PAULA: Como assim me lamber?
MARIA:  Te lamber com Nutella. Toda tarde.  E o seu Carlos nem vai notar.
DONA PAULA: (perturbada) Você não vai me lamber.
MARIA: Vou sim. Aí depois eu vou passar Nutella nim mim e aí vai ser a vez da senhora.
DONA PAULA: A minha vez de quê?
MARIA:  E quando acabar a Nutella, eu vou te dar um banho quente e a senhora vai cantar pra mim e eu vou te pentear.
DONA PAULA: Que idéia.
MARIA: Eu vou fazer uma trança bem bonita na senhora.  E a senhora vai ser a minha namorada.  A senhora quer? Ser a minha namorada? Quer? (se aproxima)
DONA PAULA:  Parou! Chega, Chega, Maria.  Agora você foi longe demais.  Imagina, namorada! Você tá demitida. Tá me ouvindo? Demitida!
MARIA:  Mas por quê?
DONA PAULA: (agitada) Justa causa. Justa causa!  Agora vai embora, anda.  Vai embora Maria.  Por favor!
MARIA: Mas dona Paula/
DONA PAULA: Me deixa em paz.  Vai embora.   É melhor.
MARIA: Tá bom, não precisa ficar nervosa, eu vou. Se é assim que a senhora quer.  Eu vou.  (pega suas coisas) Mas e a carta?
DONA PAULA: que carta?
MARIA: A senhora não vai abrir não?
DONA PAULA: Mas que carta Maria?
MARIA: Ué.   Não é assim que fala? Que tem gente que recebeu a carta mas não quer abrir?
DONA PAULA: Abrir o quê?  Eu não sei do que que você tá falando.
MARIA pega suas coisas, mas na hora de ir embora pára na porta:  Bom, tô indo então Dona Paula. (Maria agarra DONA PAULA e lhe tasca outro beijo na boca – beijão. Então ri.)
DONA PAULA: Que foi?
MARIA:  Nada.  É que a minha carta acabou de abrir agora. Nossa, foi tão bom. Obrigada viu?  Eu nunca vou te esquecer Dona Paula.  Tchau. Fica com Deus.
DONA PAULA fecha A PORTA E FALA SOZINHA.  Nem eu Maria.... Ai, meu deus.  Nutella é bom demais!


Fim

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Mendigo Arte - de Cristina Fagundes


Exposição de arte – duas amigas se encontram.
ODETE – Maria Lúcia!
MARIA LÚCIA –  Odete!   
ODETE – To te procurando há meia hora! 
MARIA LÚCIA –  É que eu vim direto pro banheiro. Eu ando com a bexiga solta menina.   
ODETE – A exposição tá bárbara, você viu os Impressionistas?
MARIA LÚCIA – Eu to te falando Odete.  Só deu pra eu ver as esculturas do corredor, que eu vim correndo fazer xixi.
ODETE –  Mas que galeria é essa? (sobre o local onde estão)
MARIA LÚCIA – Acho que é a parte de arte contemporânea.  (Olha em volta e vê mendigo) Gente, que isso?
ODETE –  Isso o quê?  (tb vê) Nossa... (se aproximam do mendigo).
MARIA LÚCIA – Olha só.... (tempo - aponta o catálogo)  O que que tá dizendo aí? 
ODETE –  Mas será que tá no catálogo? 
MARIA LÚCIA – Claro que tá, olha lá, (mostra plaquinha em cima do mendigo) é o número 7.  
ODETE –  Hum, 7? Deixa eu ver.(olha catálogo)  Ah, tá aqui ó: Mendigo em Carne e Osso portando Cachaça.  Origem desconhecida.  Encontrado em Copacabana.  Dimensões: 1,75 em pé. Hum, nem parece né?
MARIA LÚCIA – Mas é que ele tá sentado Odete. 
ODETE  – Mas que interessante.   
MARIA LÚCIA – Amei.  (ficam olhando)
ODETE –  (lê) Sobreposição de panos rasgados e poeira das ruas.  
MARIA LÚCIA –  Rústico né?  
ODETE – Super me afetou. 
MARIA LÚCIA – Ih, ele mexeu.
ODETE – Claro Maria lúcia, ele tá vivo ué.
MARIA LÚCIA – ih, ele tá me olhando.  
ODETE – E agora?
MARIA LÚCIA – Será que é pra gente interagir?
ODETE – Mas como?
MARIA LÚCIA – Ele tá olhando pra minha bolsa.  (tem idéia) Peraí.  (pega um pacote de bolachas e oferece uma para ele)  Oi... tudo bem?  Você tá com fome?  Quer uma? 
ODETE – Que isso Maria Lúcia?
MARIA LÚCIA – Bolacha. 
ODETE –  Mas será que pode alimentar ele? 
MARIA LÚCIA –  Mas que besteira.  Você não tá vendo que é uma obra interativa?  É claro que pode.  (pro mendigo) Quer?   Toma aqui ó.
MENDIGO pega a bolacha e a come, olhando pra elas. Tempo.  
ODETE – E agora? O que será que é pra fazer?  
MENDIGO – Mostra os peitos novinha.
MARIA LÚCIA – Que isso?
ODETE – Gente!
MARIA LÚCIA – Será que isso faz parte da experiência?
ODETE – Não sei... 
MARIA LÚCIA – Vou dar outra pra ele.
ODETE –  Cuidado.
MARIA LÚCIA – Olha, eu tenho mais, quer?   DÁ OUTRA BOLACHA MENDIGO COME E FICA EM SILÊNCIO.
MARIA LÚCIA – Você não vai falar nada?
MENDIGO –  Levanta a saia novinha.
MARIA LÚCIA – Odete! Ele me chamou de novinha! Você viu? 
ODETE – Peraí que eu também tenho uma coisa aqui.   (pega um amendoim) Quer?  É amendoim ó (come um) é bom ó, uma delícia... Quer?  (bota um pouco na mão dele – que come – elas aguardam).  E aí?
MENDIGO – Bruxa velha vazia interior eco faz. 
ODETE – Não entendi. O que que ele quis dizer com isso?  
MARIA LÚCIA – Acho que é tipo um biscoito da sorte. Uma frase pra pensar.
ODETE – Não gostei.  
MARIA LÚCIA – Mas por quê?
ODETE – Não sei.  Achei hermético.
MARIA LÚCIA – E se eu der uma esmola pra ele, o que será que acontece?
ODETE – Não é correto.
MARIA LÚCIA – Mas por quê?  Ele pode usar pra fazer um lanchinho na bombonière. 
ODETE – Você não tá vendo que assim ele não vai trabalhar nunca Maria Lúcia?  Você não pode dar o peixe, você tem que ensinar a pescar.
MARIA LÚCIA – Mas ele já tá trabalhando, ele é uma obra de arte. Isso é uma forma de ocupação, não?  
MENDIGO CANTAROLA TRECHO DA MÚSICA DA ANA CAROLINA: Odarundá rundê, oderundê rundá, no meu quarto na cozinha na sala de estar... (PÁRA DE CANTAR)
MARIA LÚCIA – Olha. Ele canta.
ODETE – e daí?
MARIA LÚCIA – Acho que ele tá falando para gente da casa dele.
ODETE – Agora você pirou na batatinha.
MARIA LÚCIA – É sim. É uma não casa Odete, ele tá evidenciando o que não há, é um discurso sobre a ausência, você não tá vendo?
ODETE – Não.
MARIA LÚCIA – Odete, você não tem sensibilidade.
ODETE – Ah, Maria Lúcia, você tem mania disso.
MARIA LÚCIA – Disso o quê?
ODETE – Toda exposição é a mesma coisa.  Só você que pode ser a entendida.  
MARIA LÚCIA –  Até parece. 
ODETE – Coisa chata.  Você acha que só você que sabe tudo.  Que é a rainha da cocada preta.  
MARIA LÚCIA – Não sei de onde você tirou isso.
ODETE -   Na exposição do Dali foi a mesma coisa.  Você veio dizer que aquele bigode espetado dele era trauma de infância.  Ora me poupe.
MARIA LÚCIA – Você devia estudar mais Odete.  Você parece que só vem pra exposição para ficar no ar condicionado.  
MENDIGO PEIDA.  
MARIA LÚCIA – Credo! Acho que ele peidou.
ODETE – Por que o espanto Maria Lúcia?  Mendigos peidam.   A gente prende.  Eles peidam.  Eles não são reprimidos que nem você não.
MARIA LÚCIA – Eu não sou reprimida.
ODETE – É sim. Um xixi no mar você não é capaz de fazer Maria Lúcia. Mas eles não.  Eles se permitem.  São livres pra peidar, pra ir e vir, pra dormir onde quiserem, sob a luz das estrelas.  Eles são livres.   Você não entende?  É disso que se trata essa obra Maria Lúcia. De liberdade.  (pra ele) Não é?
MENDIGO – Fuck you.
MARIA LÚCIA – Nossa.  Ele fala inglês.
ODETE – Será que ele já foi exposto em Nova York? (olha o catálogo)
MARIA LÚCIA –  Ih, você viu o que ele fez com a língua?   
ODETE – Caramba, olha isso:  valor sugerido: 40 mil reais. 
MARIA LÚCIA –  Odete ele tá fazendo umas coisas estranhas.  
ODETE – Nossa, que mendigo caro.  
MARIA LÚCIA – Você acha Odete?
ODETE – Ué, você não viu a quantidade de mendigo na porta quando você entrou não?  Dava pra levar uma meia dúzia pra casa de graça. E esse é 40 mil. Onde já se viu isso? 
MARIA LÚCIA –  Mas é uma obra de arte, você não tá vendo?
ODETE –   Não tá vendo o quê? 
MARIA LÚCIA –  Ele é  diferente Odete.  Ele é único.   Ai. 
ODETE – Que foi agora?
MARIA LÚCIA – Ele pegou no meu cabelo. Você viu?  
ODETE – Não chega perto assim Maria Lúcia.  
MARIA LÚCIA – O que mais será que ele faz?  (TOCA NELE)
ODETE –  Maria Lúcia não toca nele.  Tá falando alí que é pra não tocar.  E se tiver alarme?  
MARIA LÚCIA – Odete, eu vou com ele alí no banheiro.
ODETE – Você vai aonde?
MARIA LÚCIA –  Você olha para mim se vem alguém tá?  Se vier, você assobia. 
ODETE – Perái,  vão dizer que você roubou ele.  Você quer ir presa?  
MARIA LÚCIA – Não. Eu quero viver uma experiência artística completa.  (pro mendigo) Vem comigo meu bem.  (saindo com ele).
ODETE – Você tá maluca Maria Lúcia?
MARIA LÚCIA – Você não entenderia Odete.  
Fim. 

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Dona Nadir - de Cristina Fagundes

Um rapaz de 20 anos, uma mulher e uma idosa sentados à mesa.  Bebem.  A idosa bebe suco de canudinho. Faz barulho. A mulher a observa. Tempo.
MULHER  –  Mas há quanto tempo vocês estão... estão se relacionando Dona Nadir?
Silencio.
MULHER – Dona Nadir?
Nadir sugando canudinho.
MULHER –  Dona Nadir, há quanto tempo a senhora e o Junior estão namorando?
Nada.
JUNIOR – Mamãe.  Você tem que falar alto.
MULHER – (alto) Dona Nadir, a senhora tá namorando com o meu filho há quanto tempo?
IDOSA –  Invento o quê?
JUNIOR – ah, perái, deve tá desligado.  (liga aparelho de surdez de Nadir).  Pronto. Acho que agora foi.
MULHER –  (alto) Eu to querendo saber, há quanto tempo a senhora está namorando com ele.  Há quanto tempo??
IDOSA – Não precisa gritar. Já ouvi.
MULHER – Desculpa.
IDOSA – Namorando?
MULHER – Bom, ele me falou que vocês estavam namorando.  Era uma brincadeira Júnior?
IDOSA – Namorando, 3 meses.  Que antes a gente só tava ficando, né Junior?
MULHER – Você tava... tava ficando com essa senhora, Júnior?
JUNIOR – Tava mamãe.  Mas isso foi antes deu me apaixonar.  Agora é namoro mesmo.
MULHER –  (tentando ser compreensiva) Sei. Namoro. Ah tá. Desculpa, é que eu fui pega meio de surpresa.  Escuta, meu filho, mas você não tava namorando aquela menina da academia?
JUNIOR –  Tava. Mas não tinha nada a ver não mãe.
MULHER –  mas era uma menina tão bonita. Acabou?
JUNIOR – Acabou mãe.
MULHER – Ela parecia uma indiazinha. Uma graça a menina. Qual era mesmo o nome dela?
IDOSA – Flavinha.
MULHER – Ah, a senhora conhece?
IDOSA – é a minha neta. A Flavinha.
MULHER – Sua neta?
JUNIOR – É mamãe.  Eu conheci a Dona Nadir no aniversário de 17 anos da Flavinha. Na confeitaria Colombo.
IDOSA –  Copacabana.  Uma beleza aquela vista...
MULHER – Junior você tá namorando a avó da Flavinha?
IDOSA – Mas aquela festa foi um estouro! Não foi?
JUNIOR – Então mamãe.  Não é só um namoro. Eu to apaixonado.  A gente vai morar junto mãe.
MULHER (pra ele) Me dá um cópo d´água. (bebe) A gente quem?
JUNIOR – A gente vai se casar mamãe.
MULHER – Quem?
JUNIOR – Eu e a dona Nadir.
IDOSA – A gente tem muita pele.
MULHER – Muita o quê?
IDOSA – Muita química, eu e o Júnior. Não é Júnior?
JUNIOR – É gatinha.
IDOSA – Uma brasa esse garoto.
MULHER – ...
IDOSA – Aí eu quis te conhecer antes.
MULHER – (rápida) Antes de quê? De morrer? Ai.  Desculpa.  Brincadeira.   Mas é que a senhora já tem uma certa idade né?  Aliás, desculpa eu perguntar mas quantos anos a senhora tem?
IDOSA – 85. E vc?
MULHER – Eu?
IDOSA – é.
MULHER – Eu tenho 62. Por quê?
IDOSA – Só?
MULHER – como assim só?
IDOSA – Você tem que se cuidar.  Você tá... tá mal.  (pra junior) Né não?
MULHER – Do que que ela tá falando?
JUNIOR – Mamãe.  Eu e a Dona Nadir viemos aqui porque nós vamos precisar da sua ajuda.
MULHER – Meu filho, por que que você tá fazendo isso comigo?
JUNIOR – Isso o quê mamãe?
MULHER – O pessoal da sua academia sabe desse... desse namoro de vocês?
JUNIOR – sabe.  A dona Nadir é da galera.  Ela treina lá com a gente.
IDOSA – Depois do meu jogging.
MULHER – Você treina o quê?
IDOSA – Jiu jitsu.
JUNIOR – Dona Nadir é faixa roxa.
IDOSA -  Você devia praticar também, tá tão fraquinha.
MULHER -  Sei.... E o que o pessoal do jiu jitsu tá achando desse namoro de vocês?
JUNIOR – Mamãe esse é um assunto meio chato.
MULHER – Ué, chato por quê?
IDOSA – O Júnior brigou com o Marcão.
JUNIOR – Não era para falar amor.
IDOSA –  Por minha causa.
MULHER – Eu imagino.
JUNIOR –  Ele deu em cima da Dona Nadir.
IDOSA –  Foi. Ele me apertou no tatame.
MULHER – Ele o quê?
IDOSA –  É que uso um collant muito justo, sabe?
JUNIOR – Já falei pra você não usar mais esse collant. Jiu jitsu se treina é de kimono gatinha. De kimono.
IDOSA – Ele implica com o meu collant, esse menino. Que coisa!
MULHER –  Collant?  Escuta, a senhora não acha que você e um Júnior são um pouco... um pouco diferentes?
IDOSA – Você fala assim em relação a ele não gostar do Roberto Carlos?
JUNIOR – Mamãe, a gente vai ter um filho.
MULHER –   Quê? Como assim?
JUNIOR – Ter um filho mãe.  A gente vai formar a nossa própria família não é gatinha?
IDOSA – É, broto.
MULHER –  (tempo)  Desculpa, mas a senhora pretende ter filhos como Dona Nadir? Como?
JUNIOR – A gente vai fazer inseminação artificial.
MULHER – Nela?
IDOSA – Mas aí já pensou se vêm gêmeos?  Daí eu achei melhor conhecer a senhora.
MULHER –  Você.  Me chama de você.
IDOSA –  Que eu preciso saber se você vai dá conta, né?
MULHER – Dá conta de quê?
IDOSA – De cuidar das crianças ué.  Se  vierem duas.  Que criança é um rojão.  Imagina duas de uma vez?
JUNIOR – A gente vai querer deixar as crianças com você de vez em quando, mamãe. A dona Nadir é muito ocupada.
IDOSA – Eu não quero atrasar a minha vida profissional, sabe?
JUNIOR – A dona Nadir precisa ter certeza de que vai poder contar com a senhora mãe.
IDOSA  -  Não sei não, Júnior.  To achando ela já meio passada pra ser avó.
MULHER – Eu ouvi.
IDOSA – Então. Eu to achando melhor a gente deixar as crianças com a minha mãe.
MULHER – Você ainda tem mãe?
JUNIOR  – A mãe da Dona Nadir é engenheira de computação.  Ela mora lá no vale do Silício.
MULHER –  Ela é o quê?  
JUNIOR -   Ela desenvolve novos programas pra Apple.
IDOSA - E eu to me formando ano que vem.  Cirurgiã Oftalmo.  Eu quero operar catarata.  Que tá cheio de menina aí de 70 e já cheia de catarata.  Vou ganhar uma soma.
JUNIOR – A gente vai precisar da sua ajuda pra cuidar das crianças.
MULHER –  Ai, eu não to bem.   (senta)
IDOSA – Olha Júnior, não sei não.... Ela é muito desmilinguida, olha aí.
JUNIOR – Mas meu amor...
IDOSA –   Pra ser avó tem que ter energia, sabe?  Acho melhor a gente adiar um pouco esse nosso projeto. Pelo menos até eu me formar.
JUNIOR – Mas Dona Nadir...
IDOSA – A gente tem que ser responsável Júnior.  Pra ter filho é preciso toda uma estrutura por trás.  Eu não acho que a sua mãe vai dar conta.
MULHER – Água meu filho. Me dá água! Anda!
IDOSA –   Olha aí, num falei?  Bom, eu já vou broto, que tá na hora do meu cassino.
JUNIOR – Mas Dona Na/
IDOSA -  Depois a gente conversa.   (pra mulher) Melhoras, viu? A senhora devia fazer um boxe, um karatê.  Toma um leite.  (pra junior) Já vou. (beija-o) Gostoso! (sai)
JUNIOR – (dá copo) Poxa, mamãe.

Fim

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Novo Emprego - De Cristina Fagundes 

Mulher 1 retirando seus pertences de sua baia de escritório, arrasada.  Mulher 2 entra.
M2 – Eu fiquei sabendo. 
M1 – Cinco anos trabalhando nessa merda.  E pra quê?  
M2 – Poxa amiga... 
M1 – Bando de filho da puta.  Eles tão cagando para gente.  Cagando!
M2 –  Calma amiga. (Ajuda ela a guardar algo) Olha aqui.  (tempinho)  Você já sabe o que vai fazer?
M1 –  Porque tem que bater meta!  (fala pros outros ouvirem) A meta! A meta! Foda-se a meta!    
M2 – Amiga não faz assim. 
M1 – Eu devia era ter dado pro Doutor Freitas.    
M2 – Fala baixo Bia. 
M1 -  Aquele gordo! E agora?  Como é que eu vou pagar a creche da Clarinha?  
M2 – Calma, você vai dar um jeito, você é forte.
M1 – Obrigada amiga. É que é tão... tão humilhante ser demitida. 
M2 – É. Você realmente não merecia isso.
M1 – Eu não merecia isso. (chora)
M2 – Vem cá.  (abraça M1). (tempo) 
M1 – Ai, to bem melhor, obrigada.
M2 -  30 reais.
M1 – Quê?
M2 – São 30 reais.
M1 – 30 reais o quê?
M2 – O abraço. 
M1 – O quê?
M2 – O abraço que eu te dei. São 30 reais amiga. 
M1 – Como assim?
M2 – Tá aqui na tabela ó.  Abraço reconfortante média duração: 30 reais.
M1 – Do que que você tá falando?
M2 – É que eu agora to com esse trabalho novo, que é para completar a minha renda.  Até porque isso aqui tá muito instável né? 
M1 – Mas que trabalho é esse?
M2 – É uma plataforma de serviços de afeto-benefício.  A Hug chain.
M1 – Hug o quê?
M2 – Chain. De corrente. Hug Chain.  Eu agora faço parte de uma rede de abraços.  (fala decorado) A hug Chain é um sistema de trabalho revolucionário, que traz resultados financeiros a curtíssimo prazo, ao mesmo tempo que promove o bem estar geral da humanidade e a paz na terra. 
M1 – Peraí.  Você tá me cobrando o abraço que você acabou de me dar?
M2 – Claro. Esse é o meu trabalho. Tem gente que vende Natura. Eu vendo abraços. 
M1 – Eu pensei que você fosse minha amiga Cíntia.
M2 – Mas eu sou.  Só que eu não posso quebrar as regras.  Se eu fizer isso eu recebo uma multa do gerenciador de abraços.  E ainda perco 2 pontos flex. 
M1- Ai.  Eu não to acreditando nisso... 
M2 –  E eu to quase mudando de nível. Amiga, não me olha assim. Ò, se você quiser eu posso te dar outro abraço.  Eu não vou poder deixar de cobrar, mas eu posso te dar um abraço longo e cobrar só por um curto, você/
M1 – Para com isso Cíntia.  Você ficou maluca?
M2 – Eu sei que é difícil entender Bia. Nossa profissão ainda é muito nova e ainda sofre muito preconceito, mas você vai ver que os benefícios são muitos.  Você sabia que a universidade de Viena comprovou que abraçar ajuda a curar doenças como ansiedade, depressão e solidão e ainda ajuda a melhorar a memória?
M1 – Me cobrando por um abraço.
M2 –  Olha bia, você me paga se você quiser, mas você se beneficiou e muito com o  meu serviço.  Eu acho que eu te prestei um belo dum abraço num momento seu de fragilidade e eu fiz isso com muito profissionalismo.  Mas se você não gostou, tudo bem.  O cliente tem o direito de declinar do pagamento se o produto não agradou.  Agora, eu só acho uma sacanagem da sua parte, até porque você sabe muito bem que eu também tenho uma filha pra criar.  
M1 – Tá bom.  Não precisa apelar. Eu pago, tá bem? Quanto é?
M2 – 30.  Olha aqui. (mostra a tabela) abraço reconfortante média duração: 30 reais.
M1 – Tá aqui.  (olha a tabela) Hum... Então quer dizer que se fosse longo eram 50 reais?  Caro hein?
M2 –  É um ótimo negócio amiga.   Eu to te falando.  E se você conseguir cumprir o Hug Day, que é a nossa Meta diaria de Abraços, dando 5 abraços curtos,  5 médios e  2 longos por dia, no final de uma semana você ganha 2275 reais. Ou seja, você pode ganhar 9100 reais em um mês. 
M1 – E eu pensando em dar pro Doutor Freitas.  
M2 – E tem mais.  Se você construir sua própria hug chain, ou seja, se você trouxer outros colaboradores para a rede, você também ganha em cima dos abraços de cada colaborador. 
M1 – Amiga, mas isso é pirâmide. 
M2 – Não. É uma rede de afeto-benefícios. É diferente. Na hug Chain todos saem ganhando. 
M1 – Hum.  Mas como é que você vai saber quem eles abraçaram? 
M2 – Nós temos olheiros espalhados por toda a cidade Bia. Sabe a Shirley da contabilidade? 
M1 – Que que tem? 
M2 – Minha olheira.  
M1 – Jura? To bege.
M2 - Minha filha, o negócio é muito organizado, não é essas coisas tupiniquim não.  Primeiro, que você passa por um treinamento.  
M1 – Treinamento? 
M2 – Sabia que a sua roupa afeta diretamente a sua chance de sucesso? Com uma minissaia por exemplo todo mundo quer te abraçar. 
M1 – Não é preciso ser especialista pra saber disso né?  
M2 – E tem também uns mecanismos abraço-estimulantes.   
M1 –  Como assim? 
M2 – Por exemplo, quando eu te falei: “É. Realmente você não merecia isso.” Você viu como você chorou?
M1 – Eu fiquei mal.
M2 – É que essa é uma FAAP.
M1 – Hã?
M2 –  FAAP -  frase ativadora de auto-piedade.  
M1 – Como assim?
M2 –  É uma frase que faz com que você sinta pena de si mesma. È ótima pra vender abraço.
M1 –  Mas eu fiquei péssima. 
M2 –  E eu fui lá e te abracei.  Viu, como funciona?  É coisa de americano. Eles sabem fazer.  
M1 –  Mas você não fica meio sem graça de fazer isso? 
M2 –  Isso o quê?
M1 – Ficar vendendo abraço assim?  
M2- Por quê?  Tem gente que vende bebida, tem gente que vende cigarro. Eu vendo afeto. 
M1 -  As prostitutas também. 
M2 – (tempo) Bia olha só, qual o problema de vender abraço? A gente não vende nossa inteligência, nossa atenção, nossa dedicação? A gente não vende as horas que a gente devia tá passando com as nossas filhas vendo elas crescerem pra tá aqui, não vende? A gente não vende os nossos melhores anos?  Desde que o mundo é mundo?  Então, qual o problema de vender um pouco de afeto? 
M1 – Desculpa. É que isso é tudo muito novo ainda pra mim. Mas no fundo você tem razão amiga. Obrigada viu?   (ABRAÇA m2)
M2 – Tudo bem. Mas agora eu tenho que ir, pensa no que eu te falei. (vai saindo) 
M1 –  50 reais.
M2 – Quê?
M1 – São 50 reais. Abraço longo, de gratidão. Tá na tabela.  
Fim. 




Falsidade, de Cristina Fagundes

Um homem, uma mulher e uma senhora sentados à mesa.

Homem – Tá. As férias de julho e o meu aniversário a gente já definiu.  Então o que que tá faltando agora?
Mulher – O Natal.
Homem – O Natal é mesmo. Vamos resolver.
Senhora -  Mas o Natal, já, meu filho?
Homem  – Já mamãe. É melhor.
Senhora – É que o Natal envolve tanta coisa. E eu não pensei em nada ainda.
Mulher – (pra sogra) Até parece. (pro homem) Viu só?
Homem – (repreendendo a mulher) Ana... o que que a gente combinou?
Mulher – (pra ele) Desculpa.
Homem – Tá bom.  Pensa agora mamãe.   Você também amor.  Vamos resolver logo isso.
Tempo. As suas se observam sem silêncio.
Mulher – Ah, já sei.
Homem –  Fala, amor.   
Mulher –  (para a sogra) Eu com certeza vou falar mal da sua roupa.
Senhora – Da minha roupa? De novo?
Mulher – É, vou falar que tá cafona.
Senhora – E eu... vou falar que seu decote tá mostrando os peitos.
Homem (anotando) – Mostrando os peitos.  Que mais?
Mulher – Eu vou falar que você tem cara de pobre.  
Senhora – E eu vou falar que você se senta de perna aberta.
Homem (anotando)... perna aberta.  É mesmo.
Mulher – É mesmo o quê?
Homem – Nada. To anotando.
Mulher – Eu vou falar que a senhora tá uma baranga.
Senhora – Uma baranga?  Como assim?
Homem – Mamãe não contesta.  Qual foi o combinado?
Senhora – Eu vou te chamar de periguete.
Mulher – E eu vou falar que a seu perú tá bom pra dar pro cachorro.
Senhora – E eu vou falar que você é uma desocupada.
Mulher – Mas que o cachorro não vai querer.
Senhora – Que deu o golpe no meu filho.
Mulher –  Que você come com a mão.
Senhora – Vou falar que você é atriz.
Mulher – E mastiga de boca aberta.
Senhora – E que atriz é tudo puta.
Homem – (anotando) tudo puta...
Senhora – E ainda palita os dentes na mesa.
Senhora – Tudo puta, piranha.
Mulher – E eu vou falar que a sua rabanada tá seca e ruim. Que nem a senhora.
Senhora –  Tudo puta, não salva uma.
Mulher –  Que se jogar a rabanada pela janela mata um. 
Senhora – São umas putas! Umas putas!! (se levanta na intensidade da fala)
Homem – Tá bom mamãe.  Já anotei. Agora senta.
Mulher – Que a senhora tem cara de empregada doméstica.
Homem – (Anotando) olha o preconceito.
Senhora – Tudo puta.
Homem – Mamãe, isso também é preconceito.
Silêncio, as duas se estudam.
Mulher – E eu vou falar que a senhora é uma feirante preconceituosa de terceira que acha que atriz é tudo puta.
Senhora – E eu vou falar que comprei uma colônia bem fedida pra te dar no amigo oculto só pra ver a tua cara. 
Mulher – Eu vou falar que aposto que você vai me dar uma colônia bem fedida só para ver a minha cara.
Homem – (anotando) ih... fedida é?  Hum...
Senhora – Eu vou falar que a sua mãe é uma puta também. Que mãe de puta também é puta. 
Mulher – Eu vou falar que a minha vontade é mandar a senhora enfiar essa colônia fedida no cú.
Senhora – Tudo puta!! São umas putas!!! (se levanta na intensidade da fala)
Homem – Mamãe, senta.
Mulher –  Enfiar no cú e rodar.
Senhora – Que a sua mãe é uma chacrete velha.
Mulher – Dar 3 voltas.
Senhora – Dessas que faz aquela dança no pau.
Homem – Pole dance. Mamãe. Se chama pole dance.
Senhora –Vou falar que a sua mãe é uma chacrete velha que se pendura no pau. 
Mulher –  E eu vou falar que se eu pudesse eu te dava uns 10 tabefes e um bufete nessa tua caroça agora e te quebrava os dentes.  
Senhora – Eu vou falar que você tem cara de boqueteira.
Homem (anotando) Quem me dera...
Mulher – (pra ele) Quê?
Senhora – De boqueteira gorda de fim de festa.
Mulher – Mas eu não sou gorda.
Homem – Ana não contesta. Olha o trato.
Mulher – E que eu pudesse eu cuspia na tua fuça. 
Senhora –  De boqueteira do mangue. 
Mulher -  Um cuspe verde e preguento.  E te pegava pelos cabelos e batia com a tua cabeça nessa parede aqui.
Senhora – Dessas que cobram 5 reais na zona.
Mulher – Pá pá pá, batia assim até derrubar.
Senhora – 5 reais frente e verso.
Homem (anotando) só?
Mulher – Pá pá pá!
Senhora – Frente e verso!
Mulher – Pá pá pá!
Senhora – Tudo puta!
Mulher – Pabaf! Pabaf! até quebrar o côco. Ia sangue pra todo o lado, ia misturar com a calda de ameixa do perú.  Cháaaaá! Até jorrar! Cháaaá! Até o teto!
Senhora – Puta! Puta! Puta!
Mulher - Não ia sobrar nada da senhora!  Nada!!
Senhora – Puta! Puta! Puta!!
Silêncio, as duas ofegantes, se observando.
Homem – E então? Mais alguma coisa?
Silêncio. Tempo.
Mulher – E eu ia te enfiar uma rabanada na boca e ia segurar até você sufocar. 
Senhora – Não. Aliás, sim.   Eu ia falar que não vejo a hora do meu filho enjoar de você e te dar um pé na bunda. E você ficar sem dinheiro e começar a mendigar e calhar deu passar um dia e te ver mendigando e cheia de piolho e você me pedir um trocado e eu ia gargalhar e fechar o vidro na sua cara remelenta de atriz mendiga e imprensar o seus dedos no vidro ZUMMMM e aí uma lágrima vai escorrer dos seus olhos e eu vou baixar o vidro e dizer: Frente e Verso.
Homem: Acabou?
Tempo.
Senhora: Piranha.
Mulher: Vaca.
Tempo.
Homem – Bom, agora que tudo foi dito, que a gente já sabe o que cada uma vai falar por trás da outra até o fim do ano, eu não quero ouvir nenhuma reclamação de falsidade nem de uma nem da outra. Tá bem?  Então não quero saber de: Ah que a sua mãe é uma falsa. Falsa é ela. Não.  Que agora a gente já sabe de tudo.  Tá tudo preto no branco. Então, nem mais um pio tá bem?
Silêncio.
Homem – ótimo.   Então passa o bolo mamãe.
Mulher –  Nossa, ficou delicioso Dona Lourdes. 
Senhora – Obrigada querida.  A sua canjica também tá divina Aninha!                              

Fim

***



ELIXIR DO AMOR de Cristina Fagundes
Cena inspirada no universo neurótico, cínico e divertido de Woody Allen.
MULHER ENTRA NUM CONSULTÓRIO, UM HOMEM ESTÁ SENTADO NUMA MESA.
MULHER: Doutor Istvan.
DOUTOR: Dona Lídia.
MULHER: Minha amiga me falou das habilidades do senhor com doenças raras. Ela me disse que o senhor utiliza métodos pouco convencionais mas que o senhor faz milagres então/...
DOUTOR: Sente-se.
MULHER: (SENTA) Obrigada. (tempo) ... bem, eu já fui a diversos médicos mas nenhum até hoje... Bom eu achei que talvez o senhor... /
DOUTOR: Abra a boca. (examina)
MULHER: (aflita e com a boca aberta) Eu preciso tanto da sua ajuda, doutor Istvan.
DOUTOR: (tempinho, ele a examina) Você tem sentido algum mal estar físico?
MULHER: Não.
DOUTOR: Sente dor?
MULHER: Não.
DOUTOR: Enjôos? Fadiga? Nada?
MULHER: (nega) Hum hum.
DOUTOR: Flatulência?
MULHER: (reluta, tímida) Só quando eu como ervilha.
DOUTOR: Ervilha? Curioso. Comigo é quando eu como feijão. Mas faz sentido... faz sentido, ervilha não deixa de ser um feijão não é?
MULHER: (achando aquele papo meio estranho) é...
HOMEM: Agora me fale sobre a sua doença.
MULHER: (toma coragem) Eu não consigo me apaixonar doutor.
DOUTOR: Hum rum... (anota num caderno) Não se apaixona...
MULHER: Simplesmente não consigo. Acho que sou defeituosa para o amor, isso, acho que eu tenho algum tipo de defeito que me impede de amar.
DOUTOR: E desde quando isso vem acontecendo?
MULHER: Desde sempre. Nunca me apaixonei.
DOUTOR: Nem na adolescência? Nenhum suspiro? Nenhum amor platônico?
MULHER: Nada. Nunca gostei de ninguém. Mas eu quero mudar doutor, a partir de hoje eu quero ser outra mulher, eu quero me apaixonar. Eu quero sentir o que é isso que todo mundo fala. Meu deus eu sou uma mulher. Deveria querer me casar, ou no mínimo já ter sofrido por amor. Toda mulher sofre por amor,mas eu não. Eu nunca! Então eu não posso ser normal, entende? Nunca derramei uma lágrima por homem nenhum. Eu tenho um coração de pedra! De pedra! O senhor tem que me ajudar! (desesperada sacode-o pela camisa).
DOUTOR: Calma Dona Lídia, calma, por favor, solta a minha gola, por gentileza sim? Isso, bem melhor.
MULHER: Mas eu posso mudar, não posso doutor? Todo mundo tem direito de se transformar numa pessoa diferente se quiser não é mesmo?
DOUTOR: Hum rum.
MULHER: Eu não quero mais ser essa mulher fria. Eu preciso saber o que é o amor Doutor!
DOUTOR: Sim, sim. Algum namorado?
MULHER: Já tive 5. Mas não gostei de nenhum. De nenhum!
DOUTOR: Algum relacionamento mais sério?
MULHER: Fui noiva de um militar.
DOUTOR: Foi?
MULHER: Fui. Não sou mais.
DOUTOR: O que houve?
MULHER: Eu não gostava dele, então achei melhor acabar.
DOUTOR: E como ele reagiu?
MULHER: Bem... mas disse que vai me matar.
DOUTOR: Te matar?
MULHER: È, ele cismou com isso.
DOUTOR: Você se sente ameaçada por ele?
MULHER: Claro. Frederico não mente. Todo homem mente, mas Frederico não. Frederico é honesto. Tão honesto que parece até mulher. Deve ser por isso que eu não gosto dele. (procura algo na bolsa) (encontra o que procurava)... Olha aqui, ó. (mostra uma arma).
DOUTOR: Que isso?
MULHER: É pra me defender dele. Frederico não mente mas é muito agressivo. Teve uma mãe repressora, coitado. Ela era dentista. (olha no olho dele – tempinho) O senhor precisa me ajudar doutor Istvan, minha amiga me assegurou que o senhor tem a cura pra tudo. Pra tudo!
DOUTOR: Por favor guarde isso D. Lídia. (ela larga a arma na mesa)
MULHER: Liberta meu coração doutor!
DOUTOR: Dona Lídia, calma, me escuta. Calma! Eu tenho algo aqui que talvez.. mas pode ser arriscado.
MULHER: Não faz mal, eu não me importo!
DOUTOR: (pega um frasco antigo e coloca em cima da mesa na frente dela) Se você tomar isso, não tem volta, você compreende o que isso significa? Essa poção não tem antídoto. Ela vai agir no seu sistema nervoso central e você vai passar por uma verdadeira metamorfose emocional, você está disposta a isso?
MULHER: Sim, por favor!
DOUTOR: (se vira de costas para pegar um papel para anotar as recomendações) Você vai ter fazer exatamente como eu mandar, é muito importante que você siga corretamente as minhas orientações porque senão ... (percebe que ela bebeu a poção) O que que você fez?!! Você bebeu isso? Você bebeu a poção?
MULHER: (tímida) bebi.
DOUTOR: Você não podia ter feito isso! E agora?
(ela começa a tossir, a passar mal). Dona Lídia. Calma! Respira, isso.
MULHER: Ai, meu coração doutor... ele tá acelerando...
DOUTOR: O que que você tá sentindo?
MULHER: Ai, uma palpitação aqui... (TEMPO - CHAMA)Doutor.
DOUTOR: Sim?
MULHER: (tempo – olhos nos olhos) Eu te amo!
DOUTOR: Ai, eu sabia! É a poção.
MULHER: Eu te amo tanto! Eu amo te amar... eu amo amar te amar...eu amo amar amar te.../
DOUTOR: Cristo! Você não podia ter bebido a poção e olhado para mim.
MULHER: Mas eu adoro te olhar, eu quero te olhar pra sempre Istvan! Vem aqui pertinho vem!
DOUTOR: Dona Lídia, presta atenção, você não me ama, isso é o efeito da poção que eu te dei, você tá me entendendo?
MULHER: Adoro esse seu botão (da camisa), ai que barriga linda, ó, você é tão másculo Istvan! Vem cá meu amor!
DOUTOR: Escuta: você não me ama, você acha que me ama porque tomou a poção do amor.
MULHER: ó Istvan, o que é que você esconde aí embaixo hein? (se refere à calça dele – dá uma patolada nele).
DOUTOR: Dona Lídia, por favor!
MULHER: Me beija, meu amor! Me beija!
DOUTOR: Dona Lídia, me escuta, essa poção não tem cura, então a senhora vai ter que aprender a administrar seu amor por mim, você tá me ouvindo?
MULHER: (concorda) Hum rum. Faça amor comigo Istvan!
DOUTOR: Pare com isso. Dona Lídia por favor!
MULHER: Mas por que Istvan? Você não me acha atraente?
DOUTOR: Você tomou um gole grande disso?
MULHER: Ò Istvan, eu quero tanto te morder! I Love you! Je t´aime Istvan! Faça amor comigo agora, eu te suplico! (ela salta em cima dele, perigosa, tarada).
DOUTOR: Dona Lídia, que isso?!
MULHER: Vem aqui! Hein? Que que custa?
DOUTOR: Eu não posso... ai, tira mão daí Dona Lídia!
MULHER: Mas por que Istvan? Por que que você tá me maltratando assim?
DOUTOR: Ai, assim você me machuca!
MULHER: E se eu disser que tenho uma coisa pra te mostrar hein Istvan? (começa a abrir a blusa)
DOUTOR: Eu não quero ver nada Dona Lídia. Nada!
MULHER: Mas por que Istvan? Por quê?! Olha isso aqui Istvan! (tenta mostrar a calcinha mas ele a segura).
DOUTOR: Chega! Dona Lídia, Chega! Agora presta atenção, olha pra mim.
MULHER: ò istvan, eu amo te olhar. Eu amo amar te olhar, eu amo amar amar te.../
DOUTOR: Presta atenção no que eu vou te falar: eu sou gay, você entendeu agora? Eu sou gay!
MULHER: (pára) o quê?
DOUTOR: Eu nunca vou poder corresponder ao seu amor, eu sou gay Dona Lídia. Gay desde menino.
MULHER: Mas Istvan...
DOUTOR: Eu paquerava os meninos no banheiro da escola.
MULHER: Ò Istvan, que horror!
DOUTOR: Eu sinto muito.
MULHER: Mas você não pode mudar isso?
DOUTOR: Dona Lídia, não existe ex-gay.
MULHER: Faz esse esforço, por mim... ó Istvan, o que vai ser de mim?
DOUTOR: Dona Lídia, por favor...
MULHER: Eu te amo tanto.
DOUTOR: Eu sei, mas o que que eu posso fazer? Eu não posso me transformar em outra pessoa, eu queria te ajudar mas essa é a minha orientação sexual e/
MULHER: (aponta arma pra ele) Era.
DOUTOR: Como assim era?
MULHER: Beba isso, Istvan. Ainda resta um gole.
DOUTOR: Mas...
MULHER: Bebe agora.
DOUTOR: Você tá falando sério?
MULHER: Eu sou uma mulher apaixonada Istvan. E desesperada.
DOUTOR: (bebe e começa a passar mal). Ai..
MULHER: Istvan! O que que você tá sentindo? Me fala!
DOUTOR: Raiva. Você não podia ter feito isso comigo.
MULHER: Desculpa Istvan.
DOUTOR: Eu gostava tanto de ser gay!
MULHER: Gostava? Mas então você não gosta mais?
DOUTOR: Me dá um beijo Lídia! Um beijo de língua! Eu quero um beijo melado!
MULHER: Ó Istvan! Vou te dar um beijo sim! Um beijo bem babado!
DOUTOR: Ó Lídia! Que beijo molhado!
MULHER: ò Istvan, eu estou toda babada! Toda babada!
DOUTOR: Ò Lídia, eu te amo tanto!
MULHER: E eu amo te amar.
DOUTOR: E eu amo amar te amar...
MULHER: E eu amo amar amar te.../ (eles vão continuar a falar que amam amar etc e tal por um tempão...mas a luz vai caindo.)
fim.
______________________

O AMOR QUANDO ACONTECE É ASSIM
De Cristina Fagundes
Música destas de festa de casamento tipo: this is my last chance to... Mulher toma um drink numa festa. Está tímida, num canto, olha em volta, desconfiada. Outra mulher a avista e caminha até ela. Nota da autora: A cena toda deve ser feita de forma muito verdadeira, sincera e desarmada para funcionar pois o texto já é muito cara de pau.
AMANDA – Cíntia, então você ta aí! Já tava achando que você não vinha!
CÍNTIA – Imagina, é que eu tava.../ (a outra corta)
AMANDA – Cabelo novo! Deixa eu ver... (gira a outra) Você não foi na Igreja por que?
CÍNTIA – Não deu pra eu...
AMANDA – Você já viu a Dani de noiva?
CÍNTIA – Não, é que eu cheguei agora e.../ a outra corta
AMANDA - Ela tá tão feliz! Toda noiva é feliz mas a Dani tá numa alegria que. (puxa a outra como uma Irmã mais velha que aconselha a mais nova, fala baixo) Amiga, você não pode mais ficar faltando aos casamentos só porque não se casou. Fica feio.
CÍNTIA: (tenta se explicar) Mas eu não.../
AMANDA: No casamento da Laurinha foi a mesma coisa. As pessoas já tão comentando... hum? (frívola) Escuta, o Otávio trouxe um amigo, um amigo pra te apresentar.
CÍNTIA – Outro? Quem é?
AMANDA – O Amaral.
CÍNTIA – Mas eu já conheço o Amaral.
AMANDA – E daí?
CÍNTIA – O Amaral é careca.
AMANDA – E?...
CÍNTIA – Tem a sobrancelha cabeluda.
AMANDA – E?
CÍNTIA – É que eu acho que isso não combina, entende? Não combina. E ele palita, (com nojo) ele palita os dentes na mesa.
AMANDA – (definitiva) E você já fez 39 anos.
CÍNTIA – (suspira – essa calou fundo).
SILÊNCIO entre as duas.
CÍNTIA – Acorda amiga, o tempo passou, agora só tem Amaral (NO SENTIDO DE SÓ TEM HOMEM RUIM POR AÍ) por aí, fazer o quê? Se você tivesse se casado com o Afonsinho como eu te falei...
AMANDA – Mas eu não gostava do Afonsinho.
CÍNTIA – E você acha que eu gostava do Otávio quando eu me casei? Eu hein, Cíntia, você tem umas idéias que. Ou você acha que eu ia ficar esperando um príncipe encantado que me desse um beijo de novela a cada cinco minutos? Só se fosse pra acabar ficando sozinha nas festas que nem você, olha aí no que deu...
(Chega um homem LINDO dá um beijo de novela em Cíntia. Amanda olha surpresa).
CÍNTIA: Amanda esse é o Vinicius.
VINICIUS: (sempre charmoso, é um cara interessante e viril ao mesmo tempo – sabe que tem poder sobre as mulheres mas não é canastra, tem que ser natural, sincero ao extremo senão não tem graça – isso é que vai desconcertar) BEIJANDO A MÃO DE AMANDA: Prazer Amanda. (olha pra Cíntia) Cortou o cabelo? Deixa eu ver... você tá linda! (novo beijo em Cíntia, percebemos que há fogo entre eles, algo caliente) Desculpa, desculpa o atraso vai, de verdade, mas é que a reunião não acabava nunca, ah!! Fechamos com os árabes!!Fechamos com os árabes! A concessão agora é nossa até 2020!
CÍNTIA: Ai que bom meu amor! Não acredito! (novo beijo) (Cíntia, sempre tímida, situa a amiga) O Vinicius trabalha com petróleo!
VINI: Vem cá, vamos comemorar!! (dá novo beijo nela)
CÍNTIA: (sem graça) Amor...
VINI: (PRA AMANDA COMENTA SOBRE CÍNTIA) Ela fica linda sem graça. (pra CÍNTIA) Mas espera, espera que tem mais. (tira uma folha de papel e coloca na mão dela).
CÍNTIA: Que isso?
VINI: As reservas pra Cuba, a gente parte amanhã.
CÍNTIA – Não acredito! (beija ele) (explica pra Amanda) O Vini também é músico e ele conhece o pessoal do Buena Vista. A gente vai acompanhar a gravação do novo cd do Buena Vista lá em Cuba, não é incrível?
AMANDA (PASMA) Buena Vista...o filme?
CÍNTIA – É. Você viu?
AMANDA – Não, eu até queria, mas você sabe, o Otávio não gosta de cinema.
CÍNTIA – (explica pra rafa) O Otávio é o marido dela. Ele detesta cinema, ele nunca foi com ela no cinema, você acredita?
VINI – Poxa, que pena, mas você pode ir com as suas amigas né?
AMANDA – ah, fica difícil, as minhas amigas são todas casadas, quer dizer, tirando a Cíntia né? Que ainda num...
VINI – Ah, mas isso vai ser por pouco tempo né amor? (outro beijo – alisa a barriga de Cintia com carinho) E se prepara que eu vou querer 5, 5 filhos hein? Pra gente encher aquela nossa casa tem que ser pelo menos 5! (ri)
CINTIA – (rindo também) é mesmo.
VINI (vê que o drink dela acabou) Olha aí, acabou amor. Eu pego outro pra você. (pega a taça - novo beijo dele nela – Amanda constrangida de vela)
AMANDA- Por que você não me disse que tava namorando?
CÍNTIA – O Vinícius mora num lugar enorme, é um sitio.
AMANDA – Um sitio? Ué, mas então ele mora fora do Rio?
CÍNTIA – Não. Em Ipanema.
AMANDA – Gente, mas eu nem sabia que tinha sítio em Ipanema...
CÍNTIA – (simples sempre, sem afetação) Pois é, nem eu. (amiga, compartilhando descoberta) Amiga, tem todo um mundo dessa gente muito rica que a gente não conhece, são coisas inacessíveis pra gente. Você acha que é uma rua sem saída mas é um sítio em Ipanema e por aí vai. O Rio é outra cidade pra quem tem dinheiro, sabia?
SILÊNCIO DAS DUAS.
CÍNTIA – Mas eu não sei...
AMANDA – Não sabe o quê?
CÍNTIA – Não sei se ele é a pessoa certa pra mim.
AMANDA – Como assim?!
CÍNTIA – A gente se conhece há tão pouco tempo...
AMANDA – E?
CÍNTIA – E ele é tão incrível.
AMANDA – É, ele é incrível.
CÍNTIA – Que ás vezes parece mentira de tão bom.
AMANDA – (consigo) parece mesmo...
CÍNTIA – Mas eu investiguei amiga. Você não vai acreditar, eu botei um detetive atrás dele.
AMANDA – Um detetive?! E aí? Ele é gay?
CINTIA – Não.
AMANDA – É drogado?
CÍNTIA – Não. Mas...
AMANDA – Mas...?
CÍNTIA – Eu descobri que o Vini vem de uma família de intelectuais que ganharam na loteria.
AMANDA – (sobe o tom) Na loteria?!
CÍNTIA – Shhhh... Primeiro foi o pai dele, depois a mãe, a mãe dele também ganhou na loteria, você acredita? Daí que ele é culto mas tem dinheiro. O que eu acho ótimo, mas é que tem umas coisas nele que... ele é diferente dos outros sabe?
AMANDA – (ficando puta) como assim?
CÍNTIA – é que ele... ele faz umas coisas na cama que eu...
AMANDA – (feliz) Ele é gay!
CÍNTIA – Não, mas ele faz umas coisas que... não é normal entende? Ai meu deus.
AMANDA – (preocupada) o que que tá acontecendo Cíntia, me conta. Olha, se ele é tão especial assim, não tem problema se o sexo não for tão perfeito, fazer o quê? Olha, o Otávio, eu nem devia te contar isso, mas você é minha amiga e eu vou te contar. Entre amigas não deve haver segredos. Pois bem: o meu marido, depois que perdeu o emprego ele...
CÍNTIA – Ele perdeu o emprego?
AMANDA – Perdeu. Foi demitido. Mas, se deus quiser ele.... Bem, o fato é que o Otavio não tem conseguindo mais entende?
CINTIA – O que?
AMANDA – Ele... ele... o Ótavio tá incapaz Cíntia. Incapaz.
CÍNTIA (tentando entender) Incapaz...?
AMANDA: È como seu eu dormisse com uma mulher, pior, como seu eu dormisse com uma irmã entende?
CÍNTIA – Então o Otávio não...
AMANDA – Mas escuta, o que eu quero dizer é que se esse homem te faz feliz... bem, se ele te, um homem não pode ter tudo entende?
CÍNTIA – Mas o problema não é esse, Amanda, é só que o Vini, o Vini faz umas coisas que.
AMANDA – Conta, pode me contar. O que ele que ele te faz?
CÍNTIA: Ele me faz ter orgasmos múltiplos.
AMANDA – o que?
CINTIA – (confidencia pra amiga) or-gas-mos mul-ti-los.
AMANDA – (impressionada/pasma) Então isso existe mesmo?...
CÍNTIA – Claro! Claro que sim... amiga, é um negócio que vai subindo, um prazer... E eu tenho tanto medo que isso acabe que.... ai, eu nem saberia o que fazer se um dia...
VINI VOLTA COM A BEBIDA E BEIJA BEM A BOCA DE CÍNTIA, ALISA SEU CABELO, OLHOS NOS OLHOS CANTA, INTENSO, ENTREGUE, Trecho da música tema de Roberto Carlos, enquanto os carinhos se tornam mais calientes, incomodando a ainda estupefata AMANDA.
VINI canta: Eu quero ser sua canção, eu quero ser seu tom, me esfregar na sua boca ser o seu baton, o sabonete que te alisa embaixo do chuveiro, a toalha que desliza no seu corpo inteiro... (NESSE PONTO AMANDA NÃO AGUENTA MAIS E SOLTA UM CHORO - eles param, se dão conta dela).
CÍNTIA – Amanda? O que foi?
AMANDA – Minha vida é uma merda!
CÍNTIA – Mas o que houve?
AMANDA - Você arrumou esse homem perfeito aí só pra me afrontar!
VINI – Você tá bem?
AMANDA – (pra Vini) Vai tomar no cú!
CÍNTIA – Mas que isso Amanda?
AMANDA – Esse homem lindo, lindo! Olha aí! Isso não se faz! Não se faz! (bate no peito do vini,patética) Eu te odeio!
CÍNTIA: Mas amiga, você tem o Otávio...
AMANDA – (sai de cena gritando, possuída em sua dor) O Otávio é um brocha! Um brocha! Meu marido é um brocha!!! Eu me casei com um brocha! Um brocha! (sai)
SILÊNCIO. tempo
CÍNTIA – Parabéns. Você foi ótimo.
VINI – É o meu trabalho.
CÍNTIA - Eu já imaginava que você fosse bom até porque você foi caro. Eu tenho mania de achar que tudo que é caro é bom. (sorri) (tira discretamente o dinheiro da bolsa e conta) Tá aqui, ó, certinho. Toma. (ele olha, conta e devolve na mão dela)
VINI – Não quero.
CÍNTIA – Como assim?
VINI – Não paga.
CÍNTIA – que foi? Achou pouco? Mas foi o combinado.
VINI –Trabalho para mim é sagrado. Eu sou profissional compreende?
CÍNTIA – Eu sei, mas esse foi o valor combinado.
VINI – São mais de 200 mulheres que eu ajudei...
CÍNTIA – Duzentas?
VINI – Que eu beijei, amei, dei atenção... mais de duzentas.
CÍNTIA – Eu sei que você tem muita experiência mas...
VINI – Mas nenhuma tinha o seu cheiro. Nem o seu gosto. Toda mulher tem um gosto, mas o seu é diferente. É um gosto de anis.
CÍNTIA – De que?
VINI – É doce e amargo ao mesmo tempo. Compreende?
CÍNTIA – Doce?
VINI – E amargo. E tem outra. Eu gosto do seu jeito.
CÍNTIA – Que jeito?
VINI – Desajeitada. É que você é desajeitada.
CÍNTIA - ...
VINI - Você roi a unha.
SILÊNCIO, ELA, INSCOSCIENTEMENTE, ESCONDE AS MÃOS.
VINI – Então com você vai ser de graça.
CÍNTIA – Vai ser... Oi?
(tempo, os dois se olhando) VINI - Vem aqui.
CÍNTIA – (se aproxima hesitante).
VINI – Com você eu posso ser quem eu sou, porque no fundo no fundo você é igual a mim. (TEMPO) Vem cá, assim. (fala, homem, no ouvido dela) Você agora vai ser a minha mulher, tá me ouvindo? E sabe por que? Por que você me quer, porque você sabe que eu não sou esses bananas que você encontra por aí. Você não gosta quando eu te pego assim? (pegando no cabelo dela viril mas também carinhoso).
CÍNTIA – Ai, meu cabelo.
VINI – Você não gosta?
CÍNTIA – Se você não soltar meu cabelo agora eu vou gritar. Hein? Olha que eu grito.
VINI – Hum? Gosta ou não gosta? Fala.
CÍNTIA – Gosto.
VINI – Não ouvi.
CÍNTIA – Gosto. Gosto sim. Eu gosto. Mas a gente é diferente.
VINI – (cheira o pescoço dela) Você tem cheiro de alecrim... (volta ao assunto) E daí?
CÍNTIA – E eu não me apaixono. Tá me ouvindo? Nunca me apaixonei por ninguém.
VINI – Nem eu. Mas o amor quando acontece é assim. (se olham – enquanto entra a música do Roberto Carlos no trecho: eu quero ser a coisa boa, liberada e proibida, tudo em sua vida. SE BEIJAM e a música vai para: todo homem que sabe o que quer... sabe dar e querer da mulher, o melhor é fazer deste amor, o que come, o que bebe, o que dá e recebe... a temperatura entre eles vai subindo, enquanto a luz vai cai.)
FIM
__________________________


DESCULPE O AUÊ de Cristina Fagundes
Inspirada na música Desculpe o Auê
Boa noite caro público do Clube da Cena! Hoje vocês vão conhecer a história de:
Adelaide: 35 anos, dona de casa, ciumenta, conservadora, ciumenta, temente a Deus, ciumenta, tradicional, ou seja: tijucana.
Apolinário: 40 anos, funcionário público, flamenguista fanático (ele canta trecho do hino fluminense ou grito de torcida) e marido de Adelaide.
Ana Alice: 25 anos, bonita , bem-educada
Ana Alice: I speek english e Je parle français aussi:
NARRADOR: (continua) ... estudante de medicina, solteira e nova vizinha de Adelaide e Apolinário.
Adelaide estava casada há 10 anos com Apolinário quando se mudou para o prédio uma nova vizinha: a bela Ana Alice. Ana Alice era aquele tipo de mulher que não anda, desfila. (Ana Alice dá uma desfilada) Viram? Pois bem, já no primeiro encontro com Ana Alice, no hall do prédio, Adelaide percebeu em seu marido uma gentileza incomum.
Cena: Ana Alice carrega pesada mala, esbarra com o casal saindo. Apolinário se oferece para ajudar:
Apolinário: Deixa meu bem, deixa que eu carrego para você. (deposita a mala na frente da porta dela). Você é nova vizinha né? Eu sou o Apolinário. Apolinário da Silva. Prazer.
Adelaide: E eu sou Adelaide. Adelaide da Silva, a esposa dele.
Nesta mesma noite, sozinha com seu marido, (eles lendo jornal na cama) Adelaide soltou a isca:
Adelaide: Que achou da nova vizinha?
Apolinário: Simpática.
Adelaide: O quê? Mas se ela nem falou nada...
Apolinário: Mas achei simpática.
Adelaide não dormiu aquela noite, em sua desconfiança de tijucana, ela ficou remoendo as palavras do marido.
Adelaide: simpática, ora simpática!
No dia seguinte, pela manha, um novo encontro, um novo choque para o coração de Adelaide.
Toca a campainha, (som campainha) Adelaide abre a porta e se depara com a pequena.
ADELAIDE: sim?
ANA ALICE: Vocês têm ovo?
ADELAIDE: O quê?
ANA ALICE: è que estou fazendo um bolo, e me dei conta de que não tem ovo lá em casa.
ADELAIDE: ah, não tem ovo lá não?
ANA ALICE: Não. Vejam só que coisa.
ADELAIDE: Pois aqui também não tem ovo não, viu?
APOLINÁRIO: Tem sim, Adelaide. Um minutinho. (vai no cozinha e traz uma caixa de ovos). Olha aqui meu bem.
ADELÁIDE: Mas a caixa toda Apolinário?!
APOLINÁRIO: Tem outra Adelaide. Tem outra.
ANA ALICE: obrigada! Vou trazer um pedaço pra vocês quando o bolo ficar pronto.
ADELAIDE: não precisa.
APOLINÁRIO: Traz sim.
ANA ALICE: Tchauzinho.
NARRADOR: No final da tarde, um novo susto: TOCA A CAMPAINHA.
ADELAIDE: Sim?
ANA ALICE: Trouxe pra vocês.
ADELAIDE: Que isso?
ANA ALICE: Fiz um bolo pra vocês.
ADELAIDE: (seca) Não precisava.
APOLINÁRIO: (amável) É... não precisava meu bem... poxa, obrigado, viu? Vamos provar agora mesmo. Adelaide, pega um prato, sim?
NARRAVA: ADELAIDE bufafa em seu desespero de fêmea ameaçada. (imagem dela bufando enquanto pega o prato e o leva até a porta).
ADELAIDE: (olhando o bolo) Acho que solou.
ANA ALICE: Não, é assim mesmo, é que é um bolo pudim. É receita de família.
APOLINÁRIO: (pega uma garfada e oferece pra Adelaide) Quer?
ADELAIDE: Não to com fome.
APOLINÁRIO: (prova) Hum... mas que gostoso!
ANA ALICE: É bolo de maracujá.
APOLINÁRIO: Adorei!
ADELAIDE: Ué, Apolinário, que novidade é essa agora? Você nunca gostou de maracujá.
APOLINÁRIO: Depois pede a receita pra ela Adelaide.
NARRADOR: Adelaide não dormiu aquela noite.
ADELAIDE FALANDO SOZINHA ENQUANTO ELE DORME, inconformada: Pede a receita pra ela, pede a receita pra ela...
NARRADOR: Em seu sexto sentido de mulher, Adelaide tinha a certeza íntima de que Apolinário estava se apaixonando pela nova vizinha. Ela sabia, antes mesmo dele desconfiar, que isso iria acontecer em questão de dias, de horas talvez. E cada nova afinidade que surgia entre Ana Alice e seu marido, era uma facada no pobre coração de Adelaide. Até que no domingo, dia de jogo...
TELEVISÃO LIGADA, JOGO DO FLAMENGO, APOINÁRIO ASSISTE EM CASA, ANA ALICE ASSISTE TB NA CASA DELA.
NARRAÇAÕ: fulano passa a bola pra sicrano, sicrano entra na área, a posição é boa e.... golllllllll!!!!
APOLINÁRIO VAI PRA JANELA AO MESMO TEMPO QUE ANA ALICE VAI PRA JANELA DELA: GOOOoooLLLLL!! (ELES SE VEEM PELA JANELA E CANTAM JUNTOS EM SUA ALEGRIA) tu és, time de tradiçao, raça, amor e paixão, ao meu Mengôoooo!!!
Aquilo foi a gota d´água. Envenenada de ciúmes com a afinidade futebolística dos dois, Adelaide caiu num silêncio feroz. Não comia, não saia de casa e sobretudo não falava. Mas vigiava Apolinário com um olhar que o deixava apavorado. (ele passa e ela o olha com esse tal olhar injetado) viram? Durante uma semana ela não abriu a boca, foi a mais calada das mulheres, até que na manhã do sétimo dia, rompeu-se o silêncio.
APOLINÁRIO ESPIRRA.
ADELAÍDE: Sáude.
APOLINÁRIO: Meu bem, você falou? Você falou comigo! Graças a Deus. Não faz mais isso, hein? Eu fico preocupado.
ADELAIDE: Foi ciúmes Apolinário. Eu perdi a cabeça.
APOLINÁRIO: Hum...
ADELAIDE: Desculpe o auê.
APOLINÁRIO: Ciúmes de quê, Adelaide?
ADELAIDE: Pensa que eu não notei que você tá se apaixonando pela nova vizinha?
APOLINÁRIO: Eu to o quê?
ADELAIDE: É questão de dias você ficar com ela. De horas.
APOLINÁRIO: Adelaide eu...
ADELAIDE: não adianta negar! Você tá gostando da Ana Alice.
APOLINÁRIO: Mas...
ADELAIDE: Mas tá tudo bem. Eu já falei com ela.
APOLINÁRIO: Você o quê?
ADELAIDE: Falei que você tava gostando dela e que eu já tinha percebido.
APOLINÁRIO: Você foi falar isso pra vizinha?
ADELAIDE: Vocês vão acabar ficando juntos mesmo. Fazer o quê?
APOLINÁRIO: Mas meu bem eu não gosto dela.
ADELAIDE: Gosta sim, mas ainda não sabe. Ainda não se deu conta.
APOLINÁRIO: mas da onde você tirou isso Adelaide?
ADELAIDE: Mulher sabe. A mulher quando vai ser chifrada sabe primeiro que o homem.
APOLINARIO: Eu nunca te traí Adelaide.
ADELAIDE: Mas eu já combinei com ela.
APOLINÁRIO: Você o quê?
ADELAIDE: Eu já combinei tudinho com ela. Vocês vão namorar sim, mas vai ser direito. A gente vai te revezar.
APOLINÁRIO: Oi?
ADELAIDE: Eu fico com as segundas quartas e sextas e a Ana Alice com as terças e quintas.
APOLINÁRIO: Adelaide você tá me assustando.
ADELAIDE: Os sábados são dela mas os domingos são meus, para gente ir a missa junto,que eu não quero falatório lá na igreja. Eu só não sei ainda como é que vai ser nos feriados, peraí. (abre a prota e CHAMA) Ana Alice! Ana!!!
Ana entra: ANA: Oi.
ADELAIDE: Como é que a gente vai fazer com os feriados?
ANA ALICE: Você diz.../
ADELAIDE: É. Quem vai ficar com o Apolinário nos feriados? A gente não combinou isso.
ANA ALICE: Ué. Depende do meu plantão. A gente pode fazer assim: se eu tiver de plantão fica você, se não fico eu mesma.
ADELAIDE: ótimo. Mas você se importa de lavar as cuecas dele nos dias que ele tiver contigo?
ANA ALICE: Ai, lavar cueca?
ADELAIDE: Ué.
ANA ALICE: Mas eu ando tão sem corrida...
ADELAIDE: só se.../ (chama ele) Apolinário. Escuta, você vai sem cueca pra casa da Ana Alice. Tá me ouvindo?
APOLINÁRIO: Oi?
ADELAIDE: Vai sem cueca que é pra não dar trabalho pra menina.
APOLINÁRIO: (tímido) Mas e se eu sentir frio?
ADELAIDE: Não discute Apolinário, já tá decidido e pronto.
ANA ALICE: Ai, obrigada Adelaide, è que eu to tendo que estudar tanto por causa da medicina. Não sobra tempo pra quase nada.
ADELAIDE: Ah, minha filha mas arruma um tempo viu? Que o Apolinário é bom pra se divertir.
ANA ALICE: È, É?
ADELAIDE: é, ih, muito, você olha assim não dá nada né? Você vê esse barrigão aí... (as duas olham pra ele que está muito desconfiado)
ANA ALICE: Grande né?
ADELAIDE: Parece que tá grávido. Mas sabe que ele faz umas coisas, Você sabia que... (cochixam –riem - ele fica prestando atenção desconcertado).
ANA ALICE: Ai que ótimo. Jura? Ih, mas me diz uma coisa: e como é que a gente vai fazer com a mãe dele?
ADELAIDE: Ih é... Quem é que vai ficar visitar a Dona Ismênia nas férias?
ANA ALICE: Olha eu não faço questão não.
ADELAIDE: Nem eu, ela é tão chata!
ANA ALICE: È mesmo?
ADELAIDE: Uma jararaca!
APOLINÁRIO: Desculpa, vocês tão falando da minha mãe?
ADELAIDE E ANA ALICE: Cala a boca Apolinário.
ADELAIDE: Deixa a gente combinar aqui as coisas.
ANA ALICE: (tem uma idéia) Só se... a gente podia ver aí uma terceira mulher pro Apolinário.
APOLINÁRIO: (apavorado) Outra mulher?!
AS DUAS: Shhhhhhh!!
ANA ALICE: Uma mulher só pras férias.
ADELAIDE: Boa. Porque aí a gente se livra dessa parte de visitar a Dona Ismênia e a gente podia também chamar uma outra/
APOLINÁRIO: Não. Peraí! Escuta!
ADELAIDE: Shhh! Que coisa! (para Ana Alice) que essa outra pode ficar com ele quando ele tiver... (elas vão conversando a luz caindo, sobe tango ou algo que de o clima estranho e cômico da cena – elas iriam continuar combinando um monte de coisas como se ele não estivesse lá). FIM
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TREM DAS CORES
APITO – VELHO SENTADO NUM TREM – ENTRA UMA MENINA E SENTA EM FRENTE. ELA ASSOA O NARIZ, CHORA DISCRETAMENTE. ELE A OBSERVA. TREM ACELERA. TEMPO.
VELHO (oferece um lenço): Olha aqui, toma.
Tempo. Ela enxuga as lágrimas.
VELHO: Fugiu de casa, foi?
Silêncio, a menina olha pra ele desconfiada. (como é que ele sabe?)
VELHO: (confidencia) Eu também já fiz isso, só que foi há muito tempo. A culpa é dos sonhos. Os sonhos é que nos movem, sabia? Que botam a gente dentro desse trem. Dentro de um casamento. Fora de um casamento. Os sonhos.
TEMPO – ele abre um chocolate e oferece à menina.
VELHO: Quer? (ela pega um pedaço e come)
MENINA: A minha mãe brigou comigo.
VELHO: Ah, as mães têm esse péssimo hábito de brigar com os filhos quando eles querem sair de casa. A minha ficou quase um mês sem falar comigo quando fui morar sozinho.
MENINA: A sua mãe?
VELHA: Que foi? Você acha que eu não tive mãe? Só porque eu sou velho? Você acha o queê? Que eu nasci de uma chocadeira? E com 80 anos?
MENINA: Desculpa, eu não quis...
Tempo
VELHO: Quais são seus planos?
MENINA: Como assim?
VELHO: Ué, quando esse trem parar você vai fazer o quê?
MENINA: Ainda não sei.
VELHO: Santa falta de planejamento! Se você vai fugir, tem que fazer isso direito menina. (tempinho) Você tem algum talento?
MENINA: Talento?
VELHO: É. O que que te diferencia dos outros mortais?
MENINA: Acho que nada.
VELHO: Ah é? E como é que você acha que vai sobreviver? O mundo é um moinho menina.
Você tem que tá preparada. Hoje você é linda e pode contar com isso pra te abrir os caminhos, o mundo sempre sorri pra quem é belo. Mas um dia isso passa, então é preciso ter um pulo do gato.
MENINA: è que eu não pensei ainda nessas coisas.
VELHO: Você quer mesmo fazer isso?
MENINA: Isso o quê?
VELHO: Conhecer o mundo? (tempinho) Conhecer de verdade?
MENINA: (tímida) quero.
VELHO: Porque tem muita gente que viaja, viaja mas não sai do lugar sabia? Muda o cenário mas a paisagem interior continua a mesma. Então eu me pergunto: de que adianta?
VELHO RI. Acende um cigarro.
MENINA: Não pode fumar aqui dentro. É proibido.
VELHO: hum rum (continua).
MENINA: Olha lá o aviso.
VELHO: (sem olhar) Hum rum.
MENINA: O senhor não devia fumar. Faz mal à saúde.
VELHO: Eu já tenho 80 anos meu bem.
MENINA: Então?
VELHO: Então? (ri) Essa é boa. (tempinho – olham a vista da janela)As pessoas passam metade da vida discutindo ou criticando as outras. Se você soubesse como a vida é curta você não fazia isso.
MENINA: Não acho não. Que a vida é curta.
VELHO: ah é? E quantos anos você tem?
MENINA: Eu já fiz 18.
VELHO: E o que que você sabe da vida, do alto dos seus... (irônico) 18 anos?
MENINA: Que ela demora a passar e em semana de prova é pior ainda.
VELHO: Demora agora. Porque depois ela vai acelerando, minha filha. Quando você vê, já passou. A vida é um relâmpago na eternidade. E agora me deixa fumar em paz. (fuma)
MENINA: Deve ser horrível envelhecer. Ai, desculpa.
VELHO: De que adianta ser novinha assim se você não aproveita a vida? Se eu fosse mulher e tivesse a sua idade, eu já teria dormido com metade desse trem.
MENINA: O senhor não devia ficar falando essas coisas.
VELHO: Qual o problema de eu falar o que eu penso?
MENINA: Não fica bem. Pra um senhor falar isso.
VELHO: Que cor tem o seu futuro?
MENINA: Como assim?
VELHO: Você não pensa no seu futuro?
MENINA: Penso sim, mas não vejo nada. Então acho que ele não tem uma cor ainda. E o senhor, pensa?
VELHO: Não eu já não penso mais nisso. Agora eu penso no meu passado. Ele é dourado.
MENINA: Dourado?
VELHO: É, dourado da cor deste seu brinco, vamos chamar de dourado antigo, pronto. Meu passado é dourado antigo. (olha pra ela) Você vai se hospedar onde?
MENINA: Não tenho a menor idéia.
VELHO: Por que você não fica lá em casa na primeira semana?
MENINA: Ficar na sua casa?
VELHO: É, você fica por lá enquanto procura um lugar, me faz companhia, a gente conversa, namora.
MENINA: Namora?!
VELHO: È você quer ser a minha namorada?
MENINA: Que idéia!
VELHO: A gente não precisa se beijar, nem mesmo se tocar, pode ser uma coisa assim, platônica.
MENINA: Como assim?!
VELHO: Um namoro sem beijo, eu prometo!
MENINA: Você é um tarado, sabia? Um velho tarado!
VELHO: Calma, é brincadeira, não precisa ficar brava. Ei, eu tava brincando.
MENINA: Brincadeira mais chata.
VELHO: Meu bem, meu programa mais certo hoje em dia é ir a enterro, então, deixa eu me divertir um pouco, hãn, que mal tem?
MENINA: Se você continuar falando esse tipo de coisa eu vou mudar de lugar e você vai ter que fazer o resto da viagem sozinho, tá me ouvindo?
VELHO: Tá bem, eu não falo. Mas eu posso pensar então?
MENINA: (bufa, sem saco). Tempo.
VELHO: Desculpa, é que às vezes eu me sinto só.
MENINA: Por que você não arruma um cachorro?
VELHO: Como você é malcriada. Você nunca se sentiu só?
MENINA: Quase nunca.
VELHO: Pois talvez você se sinta só nessa viagem. Crescer é muito solitário sabia?
MENINA: Mas quando eu me sinto só, eu não fico chateando as pessoas que nem você.
VELHO: E o que que você faz então, pra diminuir a solidão?
MENINA: Eu leio. O senhor devia comprar uns livros. E parar de ficar propondo essas besteiras por aí.
VELHO: Tá bem, eu vou pensar nisso.
MENINA: O senhor não tem esposa não?
VELHO: Tenho.
MENINA: Não parece. (fica curiosa) E ela é bonita?
VELHO: Minha filha, quem é que é bonito aos 80 anos?
MENINA: (sem graça, muda de assunto) E onde é que ela tá?
VELHO: No céu.
MENINA: Ué, mas então o senhor não é casado.
VELHO: Sou sim. Ser casado é um estado de espírito.
MENINA: Hum...
VELHO: Uma vez eu li uma coisa muito boa sobre o casamento: casamento é um bom encontro, que pode se estender até por uma vida inteira. No meu caso, foi além disso. Mas do que que eu tava falando mesmo?
MENINA: Da viagem que o senhor fez.
VELHO: Ah é. Então, a Adelaide, a minha esposa e eu estávamos voltando do médico. A gente tava sentado bem aqui, eu tava aqui nessa poltrona e ela bem aí, onde você tá.
MENINA: Aqui?
VELHO: É. A gente tava muito triste porque tinha acabado de ficar sabendo que a Adelaide ia ficar cega. Ela tava com uma doença rara, degenerativa... Era uma doença sem cura, danada mesmo.
MENINA: Nossa, coitada.
VELHO: È. Mas aí, olhando por essa janela, olhando do trem essa paisagem toda aí, a gente teve uma idéia: a gente ia dar uma cor a tudo, tudo que a gente visse pela frente, assim a gente ia guardar na memória dela o máximo de cores que conseguisse e aí quando a doença dela progredisse e ela caísse na escuridão total, ela ia ter como se lembrar de como era o mundo.
MENINA: Vocês iam dar uma cor pra cada coisa?
VELHO: Não, a gente ia escolher uma coisa, um objeto, para ser a lembrança dela de cada cor. Um dálmata por exemplo ia ser a lembrança dela do que é pontilhado e assim por diante. E a gente começou por essas casas aí.
MENINA: Que casas?
VELHO: As casas verde e rosa que vão passando. Elas passaram a ser a referência de verde e de rosa pra Adelaide. Aí veio essa encosta, cor de laranja, depois a prata do trem e assim foi indo...
MENINA: E esse céu?
VELHO: Azul celeste celestial.
MENINA: Que bonito.
VELHO: A gente chamou esse trem de Trem das cores. (tempinho) Depois de nomear as paisagens, nós começamos a dar nomes de cores às pessoas também.
MENINA: às pessoas?
VELHO: Engraçado né? Que cor tem a sua mãe?
MENINA: Bom, dá ultima vez que eu vi ela tava vermelha de raiva. (riem juntos)
VELHO: Os lábios de Adélia eram castanhos cor de açaí e os olhos mel, mel de cor ímpar. (tempo) É preciso ver o mundo sabe? Enxergar é a maior liberdade que um homem pode ter. Mas eu falo de ver além. È preciso enxergar os sonhos, as pessoas que te cercam, o que elas estão sentindo, o que elas querem de verdade. Você já parou pra prestar atenção na sua empregada?
MENINA: Na minha empregada?
VELHO: Já pensou no caminho que ela faz até chegar à sua casa, no medo que ela tem de ser despedida, no almoço que ela prepara pro filho no domingo?
MENINA: Não.
VELHO: Você já parou para pensar que ela tá envelhecendo e que ela já começa a se perguntar como é que vai ser quando ela não conseguir mais trabalhar? Já notou as rugas surgindo no rosto dela?
MENINA: Não, mas eu quase não vejo ela, a Marta é diarista.
VELHO: Eu to perdendo meu tempo te falando tudo isso, quando você de fato conseguir absorver tudo isso que eu to te falando, você já vai estar tão velha quanto eu.
MENINA: Como é que você sabe?
VELHO: Foi assim comigo. (soa o apito do trem). Bom, chegou a minha parada, eu fico por aqui. E aí, você vem?
MENINA: Eu?
VELHO: (brinca) É. Vai querer ser a minha namorada?
MENINA: (rindo) Claro que não.
VELHO: Só por uma semana. Só pra me alegrar.
MENINA: Não.
VELHO: Você ia voltar bem mais sabida.
MENINA: Bobo.
VELHO: Deixa pra lá então, também nem era uma boa idéia, seu caminho tá só começando. O meu já vai terminando. Mas foi um bom encontro não?
MENINA: Foi sim.
VELHO: Eu vou te dizer o seu talento.
MENINA: Sim.
VELHO: O seu talento é o seu frescor. Você vai sem cálculo, se joga no mundo de peito aberto. Você tem coragem menina.
MENINA: Que nada, eu to aqui morrendo de medo.
VELHO: Mas tá aqui não tá?
MENINA: Fugindo.
VELHO: Fugir também é uma forma de se encontrar. Boa viagem menina. Uma boa e longa viagem pra você. Adeus.
MENINA: Adeus. (o apito soa – som de trem acelerando – ela olhando cheia de esperança o enorme mundo que ela vai desbravar – a juventude pulsa nela – a música do Caetano vai subindo.) FIM.
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SUPEROVER – de Cristina Fagundes
Música: Exagerado
Lídia numa sala, espera ansiosa: (fala ansiosa porém carinhosa) Anda, Edgar vamos! A reserva vai cair.
EDGAR: (na coxia – ele está trancado no banheiro) To indo, calma.
LÍDIA: Esse restaurante vive cheio, Edgar. Vamos!
LÍDIA espera mais um pouco.
LÍDIA: (pensa alto) Ai, dizem que lá tem uma muzzarela de búffala que é de comer rezando, hum... Bora Edgar!
EDGAR: Já to quase pronto.
LÍDIA: Eu hein, que demora! Parece mulher!
EDGAR aparece vestido igual a ela, de mulher, roupa idêntica. Lídia o olha chocada.
LÍDIA: Edgar???
EDGAR: Pra você.
LÍDIA: Oi?
EDGAR: Surpresa.
LÍDIA: Que isso?
EDGAR: Lídia. Eu te acho foda.
LÍDIA: ...
EDGAR: Eu te amo Lídia.
LÍDIA: ...
EDGAR: E eu quero que todo mundo saiba disso.
LÍDIA: Hum rum...
EDGAR: Então, pra comemorar o nosso primeiro ano de namoro eu resolvi que a partir de hoje eu vou me vestir assim.
LÍDIA: De mulher?!
EDGAR: Não! De mulher não. De Lídia. E vou me vestir de Lídia. Todo dia. È a minha forma de dizer: eu te amo. Gostou?
LÍDIA coça a cabeça sem saber o que dizer.
EDGAR: (fofo) Me deu um trabalho danado mas acho que ficou legal né? (pega a bolsa) Agora vamos?
LÍDIA: Vamos?
EDGAR: Ué?
LÍDIA: Mas Edgar, você vai assim?
EDGAR EMPOLGADO: Claro! Vou!
LÍDIA: Você tá igual a mim Edgar.
EDGAR: Igualzinho. A partir de hoje a gente só sai igual Lídia.
LÍDIA: Mas...
EDGAR: Vai ser engraçado no churrasco da tua irmã. Porque é piscina , né?
LÍDIA: Perái, não peraí, Edgar, você não vai no churrasco da minha irmã de biquini, vai?
EDGAR: Ué, se você for... A não que ser que você vá de maio.
LÍDIA: Edgar!
EDGAR: Eu acho até mais confortável maiô. Eu prefiro, que aí não fica aquela coisa de ficar entrando na bun/
LÍDIA: Ai, meu deus...
EDGAR: (constatando- ficando magoado) Que foi? Você não gostou do meu presente?
LÍDIA: Não, eu gostei, gostei sim, só que/
EDGAR: Eu acho que você não gosta é de mim.
LÍDIA: que isso Edgar? eu te amo e você sabe muito bem disso.
EDGAR: Você me reprimi.
LÍDIA: Não. Não é isso.
EDGAR: Você é fria.
LÍDIA: Não sou não. Mas é que eu não tava preparada...
EDGAR: (aborrecido) Não sei...
LÍDIA: o quê?
EDGAR: Não sei se eu quero isso pra mim.
LÍDIA: (preocupada) Edgar, não faz isso.
EDGAR: è, não sei se você é a mulher certa pra mim, você não gosta de nada do que eu faço.
LÍDIA: (com medo de perdê-lo) Olha,não fala assim comigo. Edgar, vamos pro restaurante então. Vem.
EDGAR: Ué, agora você quer ir?
LÍDIA: (conciliadora) quero, quero sim. Vamos! Vai ser ótimo. Dizem que tem uma muzzarela de búfala lá, nossa, não posso nem esperar. Vamos?
EDGAR: Então tá. (vão andando em direção à porta – Edgar pára.) EDGAR: Espera. Eu tenho outra surpresa pra você.
LÍDIA: (preocupada) Outra surpresa Edgar?
EDGAR: è. è um presente! Prepara! Tcharam!! (acende a luz de platéia eles olham o público)
LÍDIA: Que isso?
EDGAR: (ORGULHOSO) Olha, tem daquele lado ali também.
LÍDIA: (surpresa) um público...
EDGAR: (orgulhoso) é, um público de teatro. Trouxe pra você.
LÍDIA: Pra mim? Mas o que é que eu vou fazer com um público Edgar?
EDGAR: ah...
LÍDIA: E onde é que eu vou guardar?
EDGAR: Você não gosta de nada que eu te dou.
LÍDIA: Não, não é isso, meu amor, mas é que eu moro num conjugado, como é que vai ser? não dá pra ter um público lá. (TEMPO – crise)
LÍDIA: Por que é que você sempre exagera Edgar? Você não podia me dar um brinco de presente?
EDGAR: O amor é superlativo Lídia. Eu já te expliquei isso.
LÍDIA: Eu sei meu amor e eu sei que você faz isso tudo com o maior carinho mas você devia pensar um pouco antes de me dar uma coisa assim.
EDGAR: O quê?
LÍDIA: Um público.
EDGAR: É que você disse que não queria um cachorro, então eu achei que um público...
LÍDIA: Eu não queria um cachorro porque eu tinha medo de não saber cuidar, agora como é que eu se cuida de um público Edgar? Me fala?
EDGAR: Ah, também não sei.
LÍDIA: E eles comem o quê?
EDGAR: Pipoca.
LÍDIA: Tem que levar pra passear?
EDGAR: Ah, público geralmente gosta de sair sim.
LÍDIA: E eles ficam aí me olhando. Olha só.
EDGAR: Público é assim mesmo, Lídia, público olha. Cachorro late, público olha. È assim. Daqui a pouco você se acostuma.
LÍDIA: Edgar eu to cansada! Ai, meu deus, eu to cansada! Eu não agüento mais, Edgar, assim você me sufoca.
MÃE: Não fala assim com ele minha filha.
LÍDIA: Mamae? Mamãe, o que que você tá fazendo aí?
MÃE: Pois é. Eu tava me perguntando a mesma coisa. Que eu tava lá no Oi Casa Grande, assistindo a peça, mas aí o Edgar apareceu e quando eu vi já tava todo mundo aqui.
LÍDIA: Como assim?
MÃE: Essa mocinha aqui ó, aquele rapaz ali, tava todo mundo lá vendo O Violinista no Telhado.
LÍDIA: Mas como?
MÃE: Ah, sei lá, foi tudo tão rápido. Quando eu vi ZAP! A gente tava aqui. O pior é que o ingresso foi uma fortuna. E o Zé Mayer tava tão bonito.
LÍDIA: Edgar você roubou esse público no meio da peça?
EDGAR: Roubei.
LÍDIA: Edgar como é que você fez isso? Você não pensa nos atores?
EDGAR: Foi pra te agradar.
LÍDIA: Tá vendo só mamãe? O Edgar não tem jeito!
MÃE: Não fala assim minha filha, o Edgar só faz isso porque te ama.
EDGAR: Eu achei que você ia gostar.
LÍDIA: Mamãe, olha a roupa dele!
MÃE: Muito bonito esse vestido Edgar. E você ficou muito bem nele. Caiu melhor do que em você. Você tem que dá uma afinada hein,minha filha.
EDGAR: Mas esse negócio de salto dói pra caramba né?
MÃE: Lídia, você tem que usar umas sandálias mais baixas assim você acaba com o Edgar.
LÍDIA: Mas mamãe era só o que me faltava.
MÃE: Você é muito egoísta, minha filha. Parece homem. Tem que ser mais feminina. Não vê o Edgar?
LÍDIA: Mamãe, porque você não vai embora?
MÃE: mas de jeito nenhum, nem pensar! eu tava lá vendo a minha peça e vocês me trouxeram pra cá, agora eu quero me distrair.
LÍDIA: Edgar, eu não agüento mais, você tem que parar com essas coisas. Eu to falando sério, você tá me ouvindo?
EDGAR: To.
LÍDIA: Você exagera.
MÃE: A Lídia é tímida.
LÍDIA: Pra que isso tudo? Basta gostar de mim. Só isso.
MÃE: Ela te ama. (fofoca) Chora tanto quando vocês brigam... ih ela se acab/
LÍDIA: Eu cheguei no meu limite Edgar. Você ta me entendendo?
EDGAR: desculpa. Eu não faço mais.
MÃE: ò. Ele pediu desculpa.
LÍDIA: Você promete que vai se conter Edgar?
EDGAR: Prometo.
LÍDIA: Que vai ser mais discreto?
EDGAR: Prometo.
MÃE: Ele prometeu.
LÍDIA: (PENSA SE PERDOA)
MÃE: Beija! Beija! Beija!
ELES DÃO UM BEIJO.
LÍDIA: Agora vamos que a nossa reserva vai cair. Espera, só uma coisinha. (tira uma coleira enorme com guia, está escrito na coleira: Do Edgar)
LIDIA: Coloca pra mim?
EDGAR: Que isso?
LÍDIA: Mandei fazer pra comemorar. Gostou?
EDGAR: Mas você vai sair com essa coleira no meio da rua?
LÍDIA: (ELA VAI COLOCANDO) Sempre, agora eu só saio na rua com ela. Que é pra todo mundo saber que eu sou sua.
EDGAR: Mas precisa disso?
LÍDIA: que foi? não gostou?
MÃE: Ih Deu um trabalho danado para pregar esse nome!
LÍDIA: (triste) Mas você não gostou.
EDGAR: Não, eu gostei,(pra Zeli) eu gostei viu, Dona Zeli? Gostei. (volta pra Lídia) mas a gente tem que ir pro restaurante assim, com esse troço pendurado aí?
LÍDIA CHORAMINGA, MAGOADA.
MÃE: Edgar, não faz isso com a minha menina, ela gosta tanto de você.
CLIMA – TEMPO - ELE CULPADO
EDGAR: (conciliador) ei, pára com isso. Eu gostei. Pronto. Gostei. Eu achei... (pensa em algo pra dizer) ousado... e... expansivo... né? (pra dona Zelí) Muito bonita a coleira da sua filha.
MÃE: E veste bem né?
EDGAR: è.... (procurando um adjetivo) ficou bem legal. (pra LÍDIA) EDGAR: É. Então, Vamos?
LÍDIA: (fica feliz) Vamos! Olha, você tem que segurar aqui ó. (mostra)
EDGAR: Tchau Dona Zelí.
LÍDIA: Tchau mamãe. (lembra) Perái, será que tem que alimentar eles antes de ir?
MÃE: Que nada! A gente já comeu pipoca á beça lá no teatro. Vai tranqüila filha.
LÍDIA: Ah, que bom, então tá, tchau público, até mais tarde. Vocês se comportem hein? Eu passo aqui mais tarde pra apanhar vocês. Tchau!
SAEM FELIZES. FIM.
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Boliviana é presa ao tentar mandar múmia pelo correio
SITE G1 – 27 DE OUTUBRO
A MÚMIA de Cristina Fagundes
Agência de Correios – um enorme envelope em pé, está ao lado do balcão do atendente, como se estivesse sobre a balança. A atendente está pesando o envelope gigante. Música de suspense (algo meio Egito).
ATENDENTE – Credo! 60 kilos! Tem certeza que é sedex?
MARIA DE LOURDES: (confirma) Hum rum. Sedex 10 por favor.
ATENDENTE – (achando pesado) Meu são jerônimo! ... (observa) Olha aqui a senhora não preencheu o destinatário, a encomenda vai pra onde?
MARIA DE LOURDES: Egito.
ATENDENTE – Tá. Mas pra que lugar do Egito?
MARIA DE LOURDES: Pode ser uma pirâmide?
ATENDENTE: ... A senhora também não preencheu o remetente, qual o endereço da senhora?
MARIA DE LOURDES: (em relação ao endereço) Ah deixa sem mesmo, remetente pra quê né?
ATENDENTE: ... (TEMPO) Senhora, qual o conteúdo desse envelope?
MARIA DE LOURDES: (sobressaltada) Por quê?!
ATENDENTE: O que que tem aí dentro?
MARIA DE LOURDES: aqui dentro? Aqui?! é... (aflita - sem saber o que dizer)é... Bicho de pelúcia.
ATENDENTE: o quê?
MARIA DE LOURDES: É um ursinho de pelúcia. Por quê?
ATENDENTE: De 60 kilos?
MARIA DE LOURDES: É que é um ursinho gordo. É um ursinho de pelúcia obeso. È que eu tenho essa sobrinha gorda lá no Egito, ela é gorda, mas é bem bem gorda e daí eu pensei quem sabe né? se eu mandar esse ursinho gordo pra ela, quem sabe ela não se toca e começa a fazer um regime?
NARRADOR:
Caro público, como eu detesto mentiras e aposto que vocês também, nós agora vamos voltar ao início dessa história para saber o que de fato está acontecendo por aqui. Bem, tudo começou quando uma estranha criatura apareceu na porta da casa do Seu Malaquias.
SOM DE CAMPAINHA: Seu Malaquias abre a porta e se depara com um ser exótico, quase um corcunda de filme de terror com algo do oriente também, com um embrulho estranho e enorme ao seu lado. Música de suspense.
MALAQUIAS: Pois não?
CORCUNDA: fala gromelô e gesticula agitado, apontando o enorme embrulho.
MALAQUIAS: O quê?
CORDUNA: repete seu gromelo, como se apresentasse o embrulho. E continua a gesticular.
MALAQUIAS: Ih gente. Oh Isaura, corre aqui. Que que ele tá dizendo?
CORCUNDA: (fala algo em gromelo pra ela, bem chiado. )
ISAURA: O quê?
CORCUNCA: (repete de novo o que disse.)
ISMÊNIA: (Ofendida) Gostosa é a tua mãe! (dá um tapa estalado na cara da criatura que sai correndo e amaldiçoando-os em sua língua - O embrulho fica na porta.)
MALAQUIAS: Que isso Isaura? E agora?
NARRADOR: Seu Malaquias guardou o embrulho esperando que a estranha criatura voltasse para buscá-lo mas, como isso não aconteceu no dia seguinte, curiosos, eles decidiram ver o que tinha dentro.
MALAQUIAS ABRE O EMBRUHO E SE DEPARAM COM UMA MÚMIA.
MALAQUIAS: Olha isso amor! É uma múmia!
ISAURA: Eca, que nojo.
MALAQUIAS: Uma múmia de verdade! Por isso esse fedor horrível!
ISAURA: que fedor?
MALAQUIAS: Esse cheiro de bacalhau com anchova.
ISAURA: Malaquias isso é o suflê que eu to preparando pra você.
MALAQUIAS: Ah, tá. É o suflê... Que bom, Isaura, que bom...(ele detesta o suflê mas disfarça) Mas e agora? O que que a gente faz com ela?
ISAURA: Manda pro museu.
MALAQUIAS: E se a gente ficasse com ela?
ISAURA: Nem pensar! De jeito nenhum.
MALAQUIAS: que mal tem?
ISAURA: Ou ela ou eu.
MALAQUIAS: Mas essa múmia é uma preciosidade! Uma preciosidade!
NARRADOR: Isaura estava casada com Malaquias há tempo o suficiente para saber que quando ele falava que algo era uma preciosidade não adiantava mais discutir. Então Isaura cedeu. Mas não sem represálias.
A múmia tá na sala. Isaura passa e joga um copo d´água nela.
ISAURA: Ah, caiu.
NARRADOR: Isaura implicava com a múmia de todas as formas, deixava-a no quintal ao relento em noites de chuva, obrigava-a a assistir Super Pop, mas como ela nunca reagia, Isaura começou a se cansar e passou até mesmo a simpatizar com ela. E, aos poucos a múmia foi se tornando sua grande companheira.
(Isaura do lado da múmia comendo pipoca, emocionada vendo uma novela)
ISAURA: Viu, eu te falei que eles iam acabar juntos! Não falei? Eu sabia! Ele é tão lindo!
Todas as tardes enquanto Malaquias trabalhava as duas se divertiam.
(jogando baralho – cartas na mão da múmia)
ISAURA – Bati!
Narrador: Mas que sua companheira, a múmia foi se tornando sua confidente:
ISAURA – ... e eu gosto do Malaquias de óculos por que aí parece que ele é inteligente. Mesmo que seja uma ilusão, e daí? já é bom né?
NARRADOR: a intimidade entre as duas foi crescendo ... (em outro lugar, como se fosse outro momento) ... A mãe do Malaquias tem bigode, vc acredita?
NARRDOR: as confidências foram aumentando... (elas em outra situação) o Malaquias quase não tem cabelo lá embaixo sabia? Parece um curumim.
NARRADOR: Em pouco tempo Isaura e a Múmia se tornaram amigas de infância. Já não havia mais segredos entre elas:
ISAURA: (contando segredo para a múmia) às vezes quando eu... to com o Malaquias eu finjo sabia? (imita) ah,, ah... sabe? .. O quê? Você também finge?
NARRADOR: Até que um dia, sentindo-se especialmente amoroso e bem disposto, Malaquias saiu mais cedo do trabalho, passou na livraria da esquina e comprou um livro de receitas perfumadas para dar a Isaura. Nunca mais ela faria bacalhau com anchovas para ele, pensou, otimista, ao entrar em casa com seu presente na mão. Mas...
(MALAQUIAS entra e se depara com as duas abraçadas, fumando cigarro)
MALAQUIAS – Isaura? Que isso?!
ISAURA – Malaquias, me escuta...
MALAQUIAS – Você tava com essa...
ISAURA – Malaquias...
MALAQUIAS – Eu vou jogar fora essa coisa fora agora mesmo!
ISAURA – (cresce pra cima dele) Não vai não! Não vai!
MALAQUIAS – Sai da frente!
ISAURA – Pára com isso Malaquias!
MALAQUIAS - Ou ela ou eu!
ISAURA – Será que você não entende? Você não pode fazer isso! Não pode! Nossa múmia é uma raridade! Uma raridade!
NARRADOR: Malaquias estava casado com Isaura há tempo o suficiente para saber que quando ela dizia que algo era uma raridade, não adiantava mais discutir. Então, Malaquias cedeu, mas foi atingido em cheio em sua masculinidade. E é aí que entra Maria de Lourdes.
(em outra casa Malaquias com uma mulher)
MARIA DE LOURDES: Mas que desculpa furada é essa Malaquias? Negar fogo por causa de uma múmia? Ah tá bom!
MALAQUIAS: Elas agora só vivem de mãos dadas Lourdes! De mãos dadas!
MARIA DE LOURDES: Malaquias escuta aqui, você tem que relaxar, tá me ouvindo? Você vai querer competir com uma múmia? Ela tem 2 mil anos a mais de experiência do que você Malaquias. 2 mil anos!! Imagina o que que ela não tá ensinando pra Isaura?
MALAQUIAS: (doído) Elas jogam buraco sabia?
MARIA DE LOURDES: Olha aqui, esquece essa múmia, esquece a Isaura, a Isaura já era! E toca a sua vida Malaquias, faz alguma coisa!! Eu sou amante, poxa, eu sou amante! Eu não sou esposa não! Eu preciso de sexo! Vem cá, vamos resolver logo isso...
MALAQUIAS: (obcecado com a múmia) Ela fica lá embrulhada naquela múmia, gemendo... eu acho que elas fazem sexo tântrico, porque elas.. (irrompe num choro) eu não agüento mais...
NARRADOR: Maria de Lourdes era administradora e com seu espírito objetivo, compreendeu rapidamente que para recuperar a saúde sexual de seu amante seria preciso dar um jeito naquela múmia. Então, naquela mesma noite Maria de Lourdes invadiu a casa de Malaquias com sua chave extra e roubou a múmia. Não foi fácil pois Isaura dormia abraçada com ela. Estavam peladas Isaura e a múmia cobertas apenas por ataduras. Na manhã seguinte Maria de Lourdes se dirigiu ao correio mais próximo com seu estranho pacote.
VOLTAMOS AO CORREIO ONDE HÁ A REPETIÇÃO DE MESMO TRECHO DO DIÁLOGO.
MULHER: É um ursinho de pelúcia. Por quê?
ATENDENTE: De 60 kilos?
MARIA DE LOURDES: É que é um ursinho gordo. É um ursinho de pelúcia obeso. È que eu tenho essa sobrinha gorda lá no Egito, ela é gorda, mas é bem bem gorda e daí eu pensei quem sabe se eu mandar esse ursinho pra ela ela não se toca e começa a fazer um regime?
ATENDENTE: .... (a atendente pensa em tudo que foi dito) E se ela comer o ursinho?
MARIA DE LOURDES: Como assim?
ATENDENTE: Ah, sei lá, gordo come tudo.
MARIA DE LOURDES: (cansada do papo-furado da outra) Minha filha, vamos mandar logo isso, tá bom? Eu preciso ajudar essa minha sobrinha gorda antes que ela explo.../
POLICIAL: (interrompe) Senhora Maria de Lourdes Esperança?
MARIA DE LOURDES: Sim?
POLICIAL: Você está presa.
MARIA DE LOURDES: Como assim?
POLICIAL: A senhora vai responder por tentativa de envio de múmia pelo correio.
MARIA DE LOURDES: Múmia? Que múmia?! Isso é um ursinho!
PABLO: Não adianta negar! Nós já sabemos de tudo Maria de Lourdes.
MARIA DE LOURDES: Pablo?!
PABLO: Você tá me traindo com o Malaquias.
MARIA DE LOURDES: Mas que Malaquias?
PABLO: O da múmia. E agora você quer se livrar desta múmia só pra ele recuperar a auto-estima e voltar a te pegar. É ou não é?
MARIA DE LOURDES: Múmia? Mas que múmia? Isso é um ursinho!
PABLO: Maria de Lourdes, como você é dissimulada... mas agora você não me engana. Já faz um tempo que eu venho te seguindo. E agora eu te peguei direitinho. Agora eu quero ver você explicar essa múmia aí pra polícia!
MARIA DE LOURDES: Que múmia? Isso é um ursinho!!
NARRADOR: A vingança de Pablo deu certo e Maria de Lourdes foi parar na prisão mas, como todo criminoso, continua negando seu crime até hoje. (agora são flashes das cenas - instantes).
MARIA DE LOURDES: (NA PRISÃO) Que Múmia? Era um ursinho!
NARRADOR: Pablo logo se recuperou do chifre de Maria de Lourdes pois se apaixonou por Margareth, a atendente do correio. (aparecem os dois se beijando).
NARRADOR: E, sem a presença da famigerada múmia, tudo voltou ao normal entre Malaquias e Isaura.
ISAURA: Amor, fiz um suflê de bacalhau com anchovas pra você!
MALAQUIAS: (sofrendo mas feliz de tá com ela) Ah, que bom Isaura, que bom!
NARRADOR: E o policial, bem, o policial ficou responsável por guardar a múmia na noite do crime.
POLICIAL (chegando em casa) Olha só Consuelo, é uma múmia.
Consuelo – Eca que nojo!
POLICIAL – e se a gente ficasse com ela?
CONSUELO – Nem pensar!
POLICIAL – Que mal tem?
CONSUELO – Ou ela ou eu!
POLICIAL: Mas essa múmia é show de bola Consuelo! Show de bola!
NARRADOR: Consuelo estava casada com o policial há tempo o suficiente para saber que quando ele falava que algo era show de bola não adiantava mais discutir. Então Consuelo cedeu... e foi aí que tudo recomeçou. (musica de suspense, é como se a maldição fosse começar toda de novo)
FIM
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MEGALOFAMILY
de Cristina Fagundes

MULHER NO HOSPITAL COM seu filho e sua filha.

MÃE: Meus filhos eu chamei vocês dois aqui hoje porque a doença piorou e o médico disse que agora eu só tenho mais uma semana de vida.
FILHA: Ai, mãe... poxa... eu vou pedir uma licença lá no trabalho pra ficar aqui com a senhora no hospital.
MÃE: Não! De jeito nenhum. Nem pensar. Vai ser um desastre! Um desastre!!
FILHA: Que exagero mamãe.
MÃE: Minha filha, o Brasil depende de você. Como é que vai ser?!
FILHA: Mamãe é só uma semana.
MÃE: Não, de jeito nenhum, não, você não pode parar por minha causa, você tá me ouvindo? Não pode!
FILHA: Mamãe...
MÃE: Será que você não entende? A vida de cada brasileiro depende de você. Do que você escreve. Se você parar vai ser o fim do mundo!
FILHA: Mamãe...
MÃE: As pessoas vão entrar em crise,
FILHA: Mamãe...
FILHA: o Brasil vai entrar em crise!
FILHA: Mamãe, é só o horóscopo.
MÃE: Minha filha, como assim só? O horóscopo é a chave de tudo! Será que você não vê isso? É o horóscopo que diz o que cada um de nós deve fazer durante o dia. É ele que avisa pro presidente como é que vai ser o dia dele. Você já pensou nisso? É o horóscopo que escreve a agenda do presidente! E quem é que escreve o horóscopo? Hum? Você!! Você é que controla o país minha filha! Você!
FICAM PENSATIVOS OS 3. Ela os convenceu realmente disso.
FILHO: Eu fico então com a senhora mãe.
MÃE: (sobressaltada) Não, meu filho, você não pode fazer uma coisa dessas! Imagina! Como é que vai ser?
FILHO: Eu peço licença lá no trabalho.
MÃE: Mas meu filho, vai ser um desastre! Um desastre! Um desastre!!
FILHO: Mamãe...
MÃE: Quem é que vai ficar no seu lugar?
FILHO: Mamãe...
MÃE: Quem é que vai fazer o que você faz???
FILHO: Mamãe...
MÃE: Quem é que vai servir o cupim lá no rodízio meu filho?
FILHO: Ah, mãe, sei lá, pode ser que eu consiga alguém pra me substitu/
MÃE: Nem pensar! O cupim é seu! O cupim é seu meu filho! E de mais ninguém.
FILHO: Mas mãe, eu tenho/
MÃE: Será que você não vê? O cupim é a chave de tudo! Pensa comigo meu filho! Se não fosse o cupim pra enganar a fome dos clientes, as churrascarias iam ter que gastar muito, mas muito mais com as carnes nobres, porque os clientes iam cair de boca na picanha e você sabe quanto tá custando uma picanha?! Os olhos da cara!! Graças ao cupim as churrascarias não falem! O Brasil não fale! O cupim é a peça-chave da balança financeira brasileira,meu filho, o cupim é a base de tudo! E quem é que serve o cupim? Hum? Você meu filho! Você!!
FICAM PENSATIVOS NOVAMENTE
FILHA: Mas mãe, se eu não posso ficar aqui com a senhora, nem o meu irmão, como é que vai ser?
FILHO: Só se a gente chamar o papai pra ficar aqui essa semana/
MÃE: (mais sobressaltada ainda) Não, de jeito nenhum, o seu pai não pode saber que eu vou morrer!! De jeito nenhum! Vai ser um desastre! Um desastre!! Logo agora que ele tá conduzindo o Brasil pra.../
FILHO: Conduzindo o Brasil mãe?
MÃE: Praticamente. Ele tá conduzindo o carro do Eike Batista.
FILHO: Mamãe...
MÃE: Ué, minha filha, pensa só comigo, se esse homem aí , esse Eike, hoje é um dos homens mais ricos do mundo e se ele chegou onde ele chegou, foi por causa de quem? Do seu pai, que levou ele até lá.
FILHO: Meu pai?
MÃE: Ué. Não é ele que conduz o carro? Agora vocês querem que eu atrapalhe a carreira do seu pai só porque eu vou morrer? Nem pensar, ele não pode nem sonhar com isso!
FILHA: Mas mãe, a gente vai esconder isso dele por quanto tempo?
MÃE: Pra sempre.
FILHA: Mãe, ele vai notar.
MÃE: Vai nada, a gente dá um jeitinho.
FILHO: Que jeitinho?
MÃE: A gente esconde.
FILHO: Esconde?
MÃE: Uè, tem tanta mulher por aí, na rua escondendo que é homem, porque eu não posso esconder que eu morri?
FILHO: Mãe, isso não vai dar certo. Alguém vai acabar contando pra ele.
MÃE: Tem razão, a Celí do terceiro andar é muito fofoqueira. Ela pode acabar descobrindo e contando pra ele que eu morri. (lembra de algo e fofoca) Foi ela que contou pro síndico que eu solto pum no elevador. Foi ela.
FILHA: (tempinho) E agora, como é que vai ser?
MÃE: (tem uma idéia)Não vai ser.
FILHA: Como assim?
MÃE: Já resolvi.
FILHO: O quê?
MÃE: Não morro mais.
FILHO: ?
MÃE: Tá decidido: a partir de hoje eu não morro mais. Sou imortal.
FILHO: Oi?
MÃE: Imortal. Não morro mais. Não vou mais morrer.
FILHA: Mas mãe, as coisas não são desse jeito, a morte... a morte é uma coisa definitiva.
MÃE: Nem tanto. Cristo por exemplo ressuscitou.
FILHA: Mas mamãe...
FILHA: Aprende uma coisa minha filha, nessa vida, tudo é possível. A Hortência não posou na playboy?
FILHO: é, realmente....
MÃE: Napoleão conquistou metade do mundo, e com uma mão só! Que a outra vivia aqui! (mostra o braço dobrado no peito, típico de Napoleão). Aquele povo não construiu as Pirâmides? Moisés não abriu o mar? Por que que eu não posso ser imortal?
FILHA: Mas como é que você vai se tornar imortal mamãe?
MÃE: Lendo O Segredo. Ué.
FILHA: Oi?
MÃE: Vocês não leram O Segredo não? A Lei da Atração?
FILHO: Li mamãe, mas... e se não der certo?
MÃE: É claro que dá. Imagina. Tá tudo no livro, é só focar na lei da Atração e pronto, tá feito.
FILHO: Mas será que funciona mãe?
MÃE: É Claro que funciona, você acha que esse autor pensou o que quando escreveu esse livro? Quero ficar rico! E ficou não ficou?
FILHA: É, pode ser... mas é que eu não acredito muito nessa coisa de milagre sabe?
MÃE: Minha filha, olha bem aqui pra sua mãe, o presidente da república é um torneiro mecânico.
FILHO: É verdade mãe, agora sim, agora você me convenceu!
FILHA: ai, to tão aliviada mãe! Ai que bom que você não vai mais morrer! (de repente fica preocupada)
MÃE: Que foi?
FILHA: Não, é que o meu marido não vai gostar muito de saber disso...
MÃE: Ah, minha filha, mas agora a gente já combinou.
FILHA: Não, tudo bem, mãe, deixa pra lá então.
MÃE: ... bom, então agora que a gente já combinou que eu não vou mais morrer, vocês já podem ir andando. Vai, volta pro trabalho, meu filho. E lembra do que eu te falei sobre o cupim hein? (pra filha) O Cupim é a chave de tudo! Você também hein? Pensa bem no que você vai escrever lá no horóscopo pra não afetar as Olimpíadas. Vê lá hein, menina. Pra não fazer besteira!
ELES SE DESPEDEM E SAEM ALEGREMENTE.
ELA FALA PARA PLATEÍA NUM TOM MAIS SERENO, INTIMISTA, COMO QUEM REVELA UM SEGREDO.
MÃE: Nunca subestimem o poder de uma mãe quando se trata dos filhos. Uma mãe é capaz de tudo pelos filhos. Tudo. Até mesmo de convencer eles de que é imortal só para ver eles sorrindo, quando chega a hora de partir. (suspira –música bonita – tempo pro público entender) Ai, ai... Mas eu sou precavida, tá pensando o quê? Antes deu ficar de cama eu bem dei um pulo lá no cartório e registrei umas coisinhas pras crianças. Foi, eu registrei lá o Sol no nome do meu caçula e a Lua eu coloquei no nome da menina, que é mais romântica né? Vou deixar um astro pra cada filho que é pra não ter briga quando eu partir... sabe com são essas crianças né? Briga por qualquer coisinha ...(suspira) Ai... cansei, mas agora que tá tudo certo, eu posso descansar. É, agora sim eu vou descansar... (Se recosta onde estiver e parte suavemente ao som de uma música bonita – fecha os olhos e parte). Luz cai. Música bonita sobe. Fim.


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Polícia espanhola resgata paraguaia confinada pelo marido por três anos
FOLHA ONLINE – 12 DE NOVEMBRO

MULHER EM QUARTO DE HOSPITAL, CHEGA SUA IRMÃ.
IRMÃ: Meu Deus, irmã, o que que aconteceu com você? 3 anos presa naquela casa... Mas agora acabou. Eu to aqui tá? Agora vai ficar tudo bem. O médico falou que você vai ficar em observação aqui até amanhã né?
MULHER: Um advogado!
IRMÃ: Oi?
MULHER: Eu preciso de um advogado!
IRMÃ: Tá, um advogado. Pode deixar. Eu vou arranjar alguém bem legal pra te proteger daquele monstro.
MULHER: Chama o Brito Cunha! Tem que ser ele!
IRMÃ: Mas eu não sei se o Brito Cunha vai poder...
MULHER: Tem que ser o Brito Cunha!
IRMÃ: Mas ele é muito ocupado.
MULHER: Tem que ser o melhor!
IRMÃ: Calma Cíntia. Eu vou falar com o papai e
MULHER: Eles são amigos, Frida, amigos de infância, ele vai me ajudar! Ele tem que me ajudar!
IRMÃ: Eu falo com o Brito Cunha então, pronto, vou essa semana mesmo no escritório dele e falo pessoalmente com ele. Prometo.
MULHER: Hoje, tem que ser hoje! Você não entende? Foram 3 anos! 3 anos confinada naquela casa com ele. Você sabe o que é isso?
IRMÃ: Cíntia...
MULHER: Foram 3 anos sozinha com meu marido.
IRMÃ: Mas agora acabou Cíntia, o pesadelo acabou.
MULHER: 3 anos que valeram por toda uma vida.
IRMÃ: Aquele monstro agora vai mofar na cadeia.
MULHER: Uma eternidade.
IRMÃ: Nunca mais vai tocar em você.
MULHER: Ele não deixava sozinha. Nem um só instante. Ele me segurava.
IRMÃ: Segurava?
MULHER: Segurava a minha mão, o meu cabelo, me segurava até dormindo... me abraçava!
IRMÃ: Mas ele nunca saía?
MULHER: Quase nunca. Ficava comigo o tempo todo. O tempo todo. No começo, como eu não falava, ele lia pra mim.
IRMÃ: Você deve ter sentido muita raiva dele.
MULHER: Foram muitos livros até eu começar a falar com ele. Mas ele lia livros tão bons, eram livros clássicos, Dom Quixote, Dom Casmurro... eu senti necessidade de conversar sobre as histórias, então voltei a falar com ele Frida.
IRMÃ: Vocês conversavam então?
MULHER: Cada vez mais.
IRMÃ: Sobre o quê?
MULHER: Sobre tudo. Lá não tinha TV, então a gente tinha que conversar pra passar o tempo.
IRMÃ: E você nunca pedia pra sair?
MULHER: No começo sim.
IRMÃ: E depois?
MULHER: Eu me distraí.
IRMÃ: Como assim?
MULHER: ah, é que de tanto conversar com ele eu acabei falando sobre as coisas que eu tinha vontade de fazer desde pequena, sabe? Tipo cozinhar, dançar e aí acabou que a gente começou a fazer essas coisas.
IRMÃ: A fazer o quê?
MULHER: Ah, a dançar, Frida, a gente dançava toda noite. O Raul acendia uma vela na sala, colocava um piazzola e a gente dançava tango.
IRMÃ: Oi?
MULHER: E começamos a cozinhar também. Eu aprendi a fazer leitão à pururuca.
IRMÃ: ...
MULHER: O Raul é tão engraçado, ele só cozinha cantando sabia?
IRMÃ: O Raul agora cozinha?
MULHER: (concorda) Hum rum. Aprendeu. Ele passava o dia todo na cozinha comigo. Às vezes eu lia pra ele enquanto ele cozinhava.
IRMÃ: E como é que era à noite? Você conseguia dormir?
MULHER: Eu quase não dormia.
IRMÃ: Você tinha insônia?
MULHER: Não, nós transávamos muito. A noite inteira. Não sei, depois que a gente começou a conversar, eu e o Raul, parece que alguma coisa se abriu entre nós e o sexo passou a ser uma coisa tão essencial e natural na nossa vida quanto respirar. Às vezes nós transávamos cozinhando. Outras vezes dançando tango.
IRMÃ: Como assim?
MULHER: Ah, é difícil de explicar,a gente tava no meio de um passo e... acontecia. Transávamos cantando também.
IRMÃ: Hum...
MULHER: Às vezes até lendo.
IRMÃ: Cíntia eu acho que você não tá bem.
MULHER: Não to mesmo. Já faz 24 horas que a polícia me resgatou e.../(a outra corta)
IRMÃ: Mas calma Cíntia, foi um trauma muito grande, vai levar um tempo pra você voltar à /
MULHER: Eu preciso do Raul Frida. Se o Raul for preso eu não vou resistir, você tá me ouvindo? Eu preciso dele do meu lado agora! Chama o Brito Cunha!
IRMÃ: Pra que? Pra defender esse doente? Você tá louca?!
MULHER: Ele tem que defender o Raul Frida. SE o Raul vai preso eu nem sei. Eu não respondo por mim!
IRMÃ: Cíntia, o Raul te manteve confinada por 3 anos e agora você quer proteger ele?
MULHER: Você não entende Frida? O Raul me ama! Me ama!
IRMÃ: Te ama mas te prendeu. Você se esqueceu?
MULHER: Ele me prendeu mas foi por amor! Agora eu entendi, Frida, foi por amor! E eu gostei! Sim, gostei. Esses 3 anos eu fui a mulher mais feliz, a mais casada das mulheres! Agora me escuta! Frida! Quem ama confina! Quem ama confina! Agora eu sei, eu entendi! Chama o Brito Cunha, agora! Chama!! (começa a gritar em sua necessidade de mulher) Brito Cunha!! Brito Cunha!!
Fim


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Cientistas alemães acreditam ter localizado gene da generosidade
FOLHA ONLINE - 05 DE NOVEMBRO

AS GENEROSAS de Cristina Fagundes
Duas mulheres conversam, uma mulher mais velha está jogando paciência num lugar mais distante do palco.
SABRINA – Cinco anos fora! Nem dá pra acreditar que você tá voltando pro Brasil!
BETINA – Que maravilha né? Tava morrendo de saudade! E o Pierre tá super feliz com a idéia também.
SABRINA – Quando é que ele chega?
BETINA - Terça-feira. Ele teve que ficar lá pra terminar de organizar a nossa mudança porque agora a gente tá vindo de vez né? É coisa pra caramba!
SABRINA - Que bom minha irmã. Que bom!
BETINA – Mas e você, o que que você andou aprontando neste tempo que eu fiquei fora? Algum namorado?
SABRINA – Que nada, você não sabe como tá difícil conseguir homem aqui no Rio de Janeiro. E quem arruma namorado segura com unhas e dentes.
BETINA – Jura?
SABRINA – Tranca em casa e tudo!
BETINA: Mas que coisa? Então você continua sozinha?
SABRINA – Quase sempre.
BETINA - Vou te emprestar o meu marido então.
SABRINA – Me emprestar o Pierre?
BETINA - Que que tem? Você não tá sozinha?
SABRINA - Tô mas...
BETINA – Então? Fica com o Pierre.
SABRINA - É muita generosidade sua minha irmã, mas... eu não posso aceitar o seu marido.
BETINA: Por que não?
SABRINA: (chama a mulher que tá jogando paciência do outro lado do palco) Mamãe! Mamãe!
MÃE: Que é menina?
SABRINA – Mamãe, a Betina tá me oferecendo o marido dela de novo.
MÃE: (LAMENTA) Ai, logo agora que eu tava ganhando (ta falando do jogo de paciência – vai até as duas). É verdade isso Betina?
BETINA: É sim mamãe.
MÃE: Por que que você insiste nisso Betina? Não vê que sua irmã não gosta do Pierre?
BETINA: Ah é? E eu posso saber por quê?
SABRINA: Ele é francês e francês não toma banho.
BETINA: Isso não é verdade. O Pierre é limpinho!
SABRINA: Duvido.
BETINA: Te juro!
SABRINA: O Pierre fede a cebola!
BETINA: De onde você tirou isso Sabrina? Você já cheirou meu marido pra saber?
SABRINA: Não.
BETINA: Pois devia.
SABRINA: Mas eu já andei de metrô na França e eu sei como os franceses fedem.
BETINA: Há franceses e franceses. E o Pierre é um ótimo amante, você precisa ver!
SABRINA: Mas que coisa! Já falei que não quero.
BETINA: (pra mãe) Viu como ela é? Eu aqui oferecendo meu marido na maior boa vontade e ela recusa.
MÃE: É verdade Sabrina, isso é uma desfeita com a sua irmã. Uma desfeita!
BETINA: Isso não tá certo.
MÃE: Eu fico com o Pierre então.
BETINA: Você mamãe?
MÃE: È. Eu fico com ele.
BETINA: Mas...
MÃE: Eu acho o Pierre gostoso.
BETINA: Mas por que você não me falou isso mamãe? Se eu soubesse eu já tinha teria te oferecido ele antes.
MÃE: Ah, Betina, eu preferi dar a vez à sua irmã, afinal eu já sou casada.
SABRINA: Mas e o papai?
MÃE: Então. Tá com a vizinha. Ah, a Lourdes anda tão estressada com o marido dela, achei melhor emprestar seu pai pra ela por uns tempos sabe?
BETINA: Muito justo, mamãe, mas e você? Ficou sozinha?
MÃE: Não, de jeito nenhum, eu to passando uns dias com o marido da tia Lalinha.
BETINHA: o Rui?
MÃE: É. Ela me emprestou ele durante a semana.
SABRINA: Nos finais de semana a Tia lalinha manda ele pra vovó.
MÃE: Sua avó tá adorando o Rui. Você precisa ver.
BETINA: E o vovô?
SABRINA: Tá com a Carmem. A empregada nova da vovó.
MÃE: A Carmen tava muito triste porque perdeu o marido recentemente, daí sua avó cedeu o seu avô para Carmen por uns tempos.
SABRINA: Vovó tem um coração de ouro.
MÃE: Todas na família são assim. Faça chuva ou faça sol, as Alcântara Machado sempre são...
AS TRÊS: Generosas!
SABRINA: É de família!
MÃE: É tradição!
BETINA: Ai, que bom mamãe, que bom que tá tudo bem... então eu acho que vou te emprestar o Pierre nos finais de semana tá? Pra senhora não ficar sozinha.
MÃE: Não, já sei! Manda ele pra sua prima Mirtes, ela adora um gringo. Lembra quando ela e a irmã diviam aquele Tailandês? Gente o homem era tão pequeninho!
SABRINA: Parecia um pigmeu!
MÃE: Mas bem que dava conta direitinho delas duas. Uma relação tão bonita... Nunca houve uma rixa entre elas!
BETINA: Mas como haveria? Elas também são Alcântara Machado mamãe.
Mãe: É verdade.
SABRINA: Então Betina? Por que você não empresta o Pierre pra Mirtes? Ela vai ficar feliz!
BETINA: Boa idéia! O Pierre vai cair como uma luva pra Mirtes. Pronto! Acho que agora tá tudo organizado né? Ai que saudade de vocês, tão bom ter uma família bacana, tem gente que tem família tão desestruturada né?
SABRINA: Você não vai mostrar pra gente os presentes que você trouxe?
BETINA: Ah, claro! Que cabeça a minha! Tem cada coisa linda! Vem ver! (elas vão saindo) Tem um vestido incrível do Marrocos! Eu acho que eu vou dá ele pra Mirtes, assim ela fica bem bonita pra quando eu apresentar o Pierre pra ela né?... ( a música vai subindo – é como se elas fossem continuar conversando).
MÃE: Isso, minha filha! Bem pensado! Mas é curtinho? Ela tem que mostrar as pernas. A Mirtes tem as pernas lindas.. O Pierre vai adorar!
Fim

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Capricórnio
Mercúrio traz de volta preocupações com amores do passado? Há assuntos mal resolvidos ? o momento é de percepção.
Folha ONLINE 22 DE OUTUBRO



Crimes do Coração de Cristina Fagundes

Mulher sentada com homem, num parque `a noite.
MULHER: Que lua linda, olha só, uma lua dessas enlouquece uma pessoa você não acha?
HOMEM: Você é engraçada Lìlian.

MULHER: Engraçada nada, é verdade, a gente fica olhando pra essa lua e aí já começa a pensar besteira...
HOMEM: Eu to gostando cada vez mais de você, sabia?
MULHER: Ah, pára João.

HOMEM: Sério. Você é uma mulher que eu quero ter do meu lado.

MULHER: Ai, João...

HOMEM: Eu te amo.

MULHER: Não, não fala isso!

HOMEM: Mas é verdade. Agora eu posso dizer. Eu te amo...

MULHER: Não faz isso, por favor....

HOMEM: Mas por quê? Um homem não pode mais admitir que tá apaixonado?

MULHER: Pára João.

HOMEM: Que encontrou a mulher certa...

MULHER: Pára com isso João.

HOMEM: E que quer se casar?

LILIAN: (num fio de voz) O quê?
HOMEM: Eu quero me casar com você Lílian.

LILIAN: (enternecida) Casar comigo João?

HOMEM: (pega uma rosa que estava escondida) Toma, essa rosa é a prova do /... (começa a passar mal) Lilian!

LILIAN: João!!

HOMEM: Lílian...

LILIAN: João!!!

HOMEM: Lílian... argh.... (morre com a rosa na mão).

LILIAN: Não! Não! De novo não!! Eu tava quase... eu nunca ganhei flores... (olha em volta puta) Cadê você? Hein? Cadê você seu filho da puta! Pode sair daí! Anda! Sai! Eu sei que você ta aí!

Vem uma risada convencida e aparece um homem num sobretudo.

OTACY: HAHAHA! Dessa vez eu me superei. Foi ou não foi?

LILIAN: Otacy! Eu sabia que era você Otacy!

OTACY: Você reconheceu a minha assinatura?

LILIAN: Eu não acredito que você fez isso de novo! Já é a quinta vez Otacy! Que palhaçada!

OTACY: Mas com veneno na rosa é a primeira vez... eu arrasei, foi ou não foi?

LILIAN: Otacy, você tem que parar com isso. Eu preciso ser feliz.

OTACY: Eu também.

LÍLIAN: Otacy eu não gosto mais de você, será que você não entende isso?

OTACY: Mas por que não Lilian?

LÍLIAN: Eu não te admiro Otacy.

OTACY: Eu não entendo. Como é que você não me admira? Você sabe o quanto eu sou bom no que faço não sabe?

LÍLIAN: Justamente. Esse é o problema. Otacy, se você fosse bom em qualquer outra coisa, se você fosse um jogador do bicho, até se você fosse um político até se você fosse a Ana Maria Braga ainda vá lá, mas matador de aluguel Otacy, não dá, entende?

OTACY: Mas eu sou o melhor! O melhor! Você viu o lance da rosa? O veneno no espinho? Eu sou um artista Lilian!

LÍLIAN: Não adianta. Você não vai conseguir me impressionar Otacy.

OTACY: Mas você viu como eu mandei bem dessa vez? Viu a classe do crime? E o detalhe do...

LÍLIAN: Chega! Eu não vou me casar com um matador, Isso é demais pra mim!

OTACY: Você tem que fazer análise.

LILIAN: O quê?

OTACY: Você complica demais as coisas Lílian. Sem necessidade. Tá, você não gosta do meu trabalho, e daí? Eu também não gosto do seu.

LILIAN: Como assim?

OTACY: Professora de primário pra mim é babá.

LILIAN: Babá?

OTACY: Se você se casar comigo você não vai mais precisar ser babá Lílian, eu vou trabalhar por nós dois! Vou trabalhar em dobro!

LÍLIAN: Não, isso não! Você não vai fazer isso tá me ouvindo? Não vai! (ela segura nele, sacode-o)

OTACY: ETA! Tá me agarrando?

LÍLIAN: (solta ele puta) Ai, eu não acredito que eu vou ter que começar tudo de novo... logo o João... ele era tão doce o João.. meu deus...

OTACY: Peguei ele direitinho. Mais um, (marca no braço uma nova marca pela morte de João e se dá conta de algo) Ih! Completei 50! Porra bati minha meta! Bati minha meta do ano! Caramba! UHuuu! Vamos comemorar!! (puxa ela pra um abraço mas ela se desvencilha).

LÍLIAN: Será que você não entende Otacy?! Eu já passei dos 30, Eu preciso me casar! Eu quero ter o meu filho! A minha família! Mas você não me deixa. Ai, meu deus... assim eu vou acabar ficando pra titia... (começa a choramingar ele a abraça e nina).

OTACY: Calma, calma... vem cá, Deixa que eu vou cuidar de você tá? Não fica assim não. Olha eu tenho um serviço pra fazer esse final de semana lá em Recife...

LILIAN; Outra morte?!

OTACY: Calma, é só um político.

LÍLIAN; Ah tá. Ainda bem.

OTACY: Então, Mas vai ser uma parada rápida, num instantinho eu volto e aí eu vou fazer sabe o quê? Eu vou trazer um bolo de rolo bem gostoso só pra você tá?

LÍLIAN: De goiaba?

OTACY: Mesclado com doce de leite, do jeito que você gosta.

LÍLIAN: E se não tiver?

OTACY: Eu mato um.

LÍLIAN: (ELA RI) Ai, Otacy, você não tem jeito né? Você nunca vai me deixar em paz não?

OTACY: Não.

LÍLIAN: Por que hein?

OTACY: Não sei Lílian, com você é diferente.

LÍLIAN: Diferente como?

OTACY: Ah não sei... eu te olho e não tenho vontade de te matar.

LÍLIAN: (risinho) Meu deus Otacy... (olha pra ele que faz um carinho nela) ai quer saber?

OTACY: O quê?

LÍLIAN: Eu vou me casar com você. Pronto. Falei. Mas eu não gosto desse seu trabalho tá? não gosto. E também não gosto desse seu cabelo, Esse topete é gay! Mas ninguém é perfeito né? Ai... a verdade é que.. você é muito carismático Otacy. Ai, por que que as coisas são assim? Gente que doideira, e pensar que eu ia acabar me casando com você... eu nunca imagi... (PAFF – ELA É ATINGIDA E CAI FULMINADA ... ENTRA UMA MULHER COM UM REVÓLVER NA MÃO).

CLOTILDE: Pensou que ia resolver sua vida né? Que ia se casar com essa babá mocoronga e ia me largar de lado? Jogada às traças?

OTACY: O que você fez? Eu não acredito!! Lilian!! Lílian!!!

CLOTILDE: (vê o pulso da Lílian) A Lilian já era Otacy. Agora ela vai cuidar das criancinhas lá no céu, porque agora somos só nos dois.

OTACY: Quantas vezes eu vou ter que te falar Clotilde? Pra mim você é só uma colega de trabalho. Só isso.

CLOTILDE: Mas você bem que me comeu não comeu?

OTACY: (ele tenta tampar os ouvidos da morta pra ela não ouvir) Shhh! Foi só uma noite.

CLOTILDE: É, só um noite. Mas você é bom de cama Otacy. Quem mandou?

OTACY: (arrependido de ter mandado bem) Meu deus, eu e essa minha mania de agradar às mulheres...

CLOTILE: Você sabe como os franceses chamam o orgasmo? Petite mort. Pequena morte. Pois você na cama é um serial killer Otacy!

OTACY: Hum. Mas e agora? O que que a gente faz?

CLOTILDE: Agora vamos limpar a área. (ELE acende um cigarro, respira, é, vai ter que arrumar aquilo tudo mesmo) ELA: Põ eu arrasei, fala aí, um tiro só. Certeiro. (ela começa a arrastar a Lílian para fora – fala pra morta baixinho) Viu? Te livrei de ser babá.

OTACY: Mas de que distância?

CLOTILDE: 10 metros amigo, 10 metros! eu tenho talento...è o não é? (ele começa a ajudá-la, eles vão conversando sobre o trabalho e a luz vai caindo).

FIM
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MANCHETE: Menores fogem de carro em Minas para buscar cavalo na Bahia
Adolescente de 14 anos e criança de 11 dirigiram pela BR-381 e BR-262.
Eles foram encontrados na cidade de Rio Casca.
Site G1 – 14 de outubro

MISSÃO CAVALO de Cristina Fagundes
Duas crianças num carro, o mais velho dirige e tem 14 anos, a outra tem 11 e é a caçula.
Pedro – Olha esse mapa direito garota, não sabe nem olhar um mapa.
Cíntia – Sei sim, tá? Mas é que não tá dando aqui pra ver.
Pedro – Não tá dando pra ver o quê garota?
Cíntia – Onde é que o carro tá.
Pedro- Quê?!
Cíntia - Peraí.... que eu vou ver aqui...peraí... (dá uma olhada no mapa) ih...
Pedro – Que foi?
Cintia - Acho que a gente já tá lá na Bahia.
Pedro – (ELE PÁRA O CARRO) Ô garota, eu num mandei você ficar olhando o mapa? Eu falei pra você prestar atenção num falei?
Cíntia – Mas eu tava prestando atenção, eu tava sim, mas é que...
Pedro – O quê?
Cíntia – É que eu tava com sono.
Pedro – E daí?
Cíntia – Eu dormi.
Pedro – Dormiu? Dormiu quando?
Cíntia – Ah, eu acho que foi lá em BH...
Pedro – Você tava dormindo esse tempo todo Cintia?
Cíntia – Foi sem querer. É que eu tava cansada.
Pedro - ... (puto – bufa) Tss...
Cíntia – Você tá com sono?
Pedro – Que que você acha?
Cíntia – Você quer que eu dirija?
Pedro – (debocha) Você quer que eu dirija? Olha pra você. Como é que você vai dirigir? (a gente acha que é pq ela é pequena mas ele fala) Você é mulher.
Cíntia – E daí?
Pedro – Mulher não sabe dirigir.
Cíntia – Sabe sim.
Pedro – Sabe nada. Você vai é atolar o carro.
Cíntia – Sabe sim, que a vizinha a Dona Mirtes dirige que vi.
Pedro – Vai bater no poste.
Cíntia – A Dona Mirtes dirige melhor que você sabia?
Pedro – Num fala merda!
Cíntia – Você dirige que nem mulher!
Pedro – Cala a boca garota!
Cíntia – Cala a boca você! Quem manda na minha boca sou eu!
Pedro – Burra!
Cíntia – Não me chama de burra!
Pedro – É burra sim, não sabe nem ver um mapa.
Cíntia – Eu vou contar pra mamãe.
Pedro – (debocha) Ai, eu vou contar pra mamãe. Vou contar pra mamãe. Ah, tão criancinha ela...
Cíntia – Pára! (bate nele com o mapa)
Pedro – Sai daqui! (Puxa o mapa, o cabelo dela, eles se engalfinham um pouco, briga de irmãos, o mapa acaba todo rasgado).
Ela chora. Ele fica meio arrependido, eles se gostam, só estão cansados e um pouco com medo.
Pedro - Viu só o que você fez? E agora? Como é que a gente vai saber onde é que a gente tá?
Cíntia – ... (sem graça) a gente pergunta pra alguém uai...
Pedro – Perguntar pra quem? Hum? Você tá vendo alguém aqui? E além disso, como é que a gente vai perguntar? Você já pensou se algum adulto vê a gente aqui nesse carro? A nossa missão vai por água abaixo. É isso que você quer?
Cíntia – Não! Não! Não. A gente não pode parar. A gente não pode. Ò, (tentando consertar o mapa – juntar as parte) eu vou ajeitar aqui assim olha e aí vai dá pra ver onde é que a gente tá... ò... (fica atrapalhada juntando os pedaços do mapa aflita).
Pedro - Será que eles já notaram que a gente sumiu?
Cíntia – O papai e a mamãe?
Pedro – É.
Cíntia – Acho que não. Eles só vivem na internet. (ela fica triste de repente – ele percebe).
Pedro – Que é? Tá com fome? Olha, ainda tem esse pão de queijo aqui quer?
Cíntia – Não...
Pedro – Que que foi?
Cíntia – Será que a gente não vai encontrar nunca mais o Passo Fundo?
Pedro – Claro que vai Cíntia. Que que a tia Rita disse?
Cíntia – Ela falou: a essa hora aquele pangaré safado já deve tá lá na Bahia.
Pedro – Então, a gente tá lá na Bahia não tá?
Cíntia – Então cadê ele?
Pedro – Calma, garota, a gente não viu nada ainda. A gente só viu um pedacinho assim ó da Bahia. A Bahia é um lugar grandão, não sabia não?
Cíntia – Grandão é?
Pedro – É, a Bahia é gigante.
Cíntia – Maior que o sítio do vovô?
Pedro – Ih, bem maior, deve dá... o que... (calcula) o dobro.
Cíntia – É?... (vem a dúvida) Como é que você sabe? E se a Bahia for só isso aqui?
Pedro – Isso o quê?
Cíntia – Esse morrinho aí de areia e essa árvore?
Pedro – É coqueiro Cíntia, o nome disso é coqueiro.
Cíntia – E se a Bahia for só esse coqueiro?
Pedro – Você acha que a Bahia é um coqueiro Cíntia! A Bahia é um estado garota!!
Cíntia – (começa a chorar) Eu quero o meu cavalinho... Será que ele foi pro Rio de Janeiro? Vão assaltar o meu cavalo lá no Rio... coitadinho... do Passo Fundo, vão tirar o couro dele...
Pedro – Cíntia, pára com isso... ei.. olha aqui, olhaa aqui pra mim... E se ele tiver contente? Hum? E se ele tiver fugido porque quis?
Cíntia – Mas fugir por quê? Eu cuidava tão direitinho dele.
Pedro – Ah, pra conhecer outros cavalos, provar outros capins, sei lá...
Cíntia – A gente era amigos...
Pedro – Vai ver que ele nem quer mais voltar pra casa Cíntia, quem sabe ele não fez outros amigos por aí, num arranjou até uma namorada?
Cíntia – Será?...
Pedro – Por que não?
Cíntia – Não sei... O Passo Fundo é tímido.
Pedro – Quer saber? Eu acho que ele tá até melhor sem a gente.
Cíntia – Você acha?...
Pedro – Claro que tá. Você acha que ele ia querer viver a vida toda preso naquele curral?
Cíntia – Mas eu dava ração Premium pra ele.
Pedro – Mas ele vivia preso Cíntia. Você sabe o que é viver preso sem ter feito nada?
Cíntia – Deve ser que nem ficar de castigo sem ter matado aula.
Pedro – Isso! Agora você entendeu. Então, você ia querer viver assim de castigo a vida toda?
Cíntia – Não.
Pedro – Ele também não. Deve ser por isso que ele fugiu. Pra poder fazer o que ele quiser, pra ser livre.
Cíntia – (tempinho) A gente é livre Pedro?
Pedro – ... (ela faz perguntas difíceis, ele vai pular essa – pega um pedaço do mapa e bota na cara dela) Toma, vai, enxuga essa cara. Vamos dar uma volta, vem. (ele sai do carro e chama ela) Vem cá! (ele caminha pra longe na pequena duna de areia, conhecendo o local, ela fica olhando de dentro do carro – pode ter música nesse instante)
Cíntia – (ela sai do carro e grita na direção que ele foi) Ô Pedro, ô Pedro... mas então se é assim que nem você falou, então quer dizer que a gente veio até aqui à tôa?
Pedro: (Vê algo incrível) Caramba!!! (chama ela lá de onde ele foi, depois do morrinho de areia) Cintia! Cintia!
Cíntia – Que foi?
Pedro – Corre aqui Cíntia!! Vem Cá! Vem!
(Ela corre até ele e ficam os dois de olhos arregalados – deslumbramento com a imensidão do mar – som de ondas - tempo)
Pedro – Olha só....
Cíntia – ...Nossa... então.. é assim... que é o mar...
MÚSICA BONITA LUZ VAI CAINDO
FIM

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SOBRE AMIZADE de Cristina Fagundes
Mulher elegante sentada em uma cadeira em sua sala, observa em silêncio um modesto casal sentado em duas cadeiras, à sua frente. Tempo. Ela já deve ter feito pergunta iniciais e eles responderam com a cabeça apenas, calados.

MULHER: Vocês são sempre calados assim?

ELES SE ENTREOLHAM SEM JEITO, SEM SABER O QUE DIZER.

MULHER: Achei que vocês eram mais comunicativos.

GISLENE: (perdendo a timidez - começa a falar) O negócio do Bastião é cuidá das pranta.

MULHER: É verdade Bastião?

BASTIÃO CONCORDA COM A CABEÇA.

BASTIÃO: Eu tenho a mão boa pras pranta.

GISLENE: A senhora tem que ver. É ele botá a mão que as bichinha dá flor.

BASTIÃO: Tumbém, eu fui criado na roça né preta?

GISLENE: Uai, mas eu tumbém fui Tião e ó, eu num tenho esse seu dom não viu? (pra mulher) Isso é coisa de nascencia. Ô a pessoa vem ou ô a pessoa num vem.

MULHER: E você Gislene, me fala de você.

GISLENE: Oia, eu lido bem com a cozinha, mas meu negócio mesmo é arrumação. Eu gosto de arrumá as coisa tudo no lugar certo das coisa.

BASTIÃO: A preta arruma tudo cantando.

MULHER: Ah vc canta é? Vc canta o quê?

GISLENE: Ah, eu canto umas música lá da igreja. Tem uma que eu canto sempre quando eu boto a mesa que é assim ó: (canta) Senhor, daí-me o pão, Senhor dai-me o perdão, Ah, Senhor me escuta meu Senhor!!!

BASTIÃO: (tímido) Ta bom pretinha ela já ouviu.

MULHER: Eu me enganei sobre vocês.

GISLENE: Como assim?

MULHER: Vocês gostam de conversar sim.

GISLENE: Ih, mas o que num falta pra gente é assunto. É que no comecinho dá vergonha né?

MULHER: Vocês podem começar a trabalhar já na semana que vem?

GISLENE olha pra Bastião: Acho que dava sim, né não Bastião?

BASTIÃO: Dava.

MULHER: E pode ser toda quarta então?

GISLENE: Pode ser quarta sim né não Bastião?

BASTIÃO: Quarta.

MULHER: Eu posso pagar 200 a diária para vocês dois, tudo bem?

GISLENE: (impressionada com o valor) Tudo bem né não Bastião?!

BASTIÃO: Bem!

MULHER: Olha, como a gente tá tendo essa conversa, eu também já vou pagar por hoje, ta?
olha aqui. (entrega).

GISLENE: Agradecida. (pausinha) Mas o serviço é só pra senhora?

MULHER: Só.

GISLENE: E a senhora num tem filho não?

MULHER (sem graça): Não.

GISLENE: E marido?

MULHER: Também não.

BASTIÃO: Cachorro?

MULHER: Não. Eu trabalho muito e não tenho tempo de cuidar...

BASTIÃO: Tartaruga?

MULHER: Não. Sou só eu mesma.

GISLENE: Hum... Um minutinho ta? (em segredo) Ih Bastião, sei não, to achando estranho, é muito dinheiro pra pouco serviço. Ta estranho isso, num ta não Bastião?

BASTIÃO: Estranho...

GISLENE:E qual vai ser o serviço Dona?

MULHER: (cheia de dedos) è... olha só, o trabalho aqui vai ser um pouquinho diferente do que vocês devem tá acostumados. Vocês não vão precisar lavar, nem arrumar, nem fazer a roça. Aqui vocês só vão ter que conversar.

GISLENE E BASTIÃO: ...?

MULHER: È. Vocês vão vir aqui toda quarta, vão se sentar bem aí onde vocês tão e vão conversar.

GISLENE: Conversar?

BASTIÃO: Toda quarta?

MULHER: È. E nem precisa ser o dia inteiro, basta sentar aí duas horinhas e conversar comigo.

BASTIÃO: Conversar...

MULHER: È. Conversar. Falar um pouquinho da vida de vocês, perguntar da minha. è simples. Eu vou contar as minhas novidades pra vocês e vocês vão me contar as suas.

GISLENE: Contá as novidade?

MULHER: È. Contar uns segredos, fofocar, essas coisas que os amigos fazem.

SILÊNCIO CONSTRANGEDOR.

GISLENE: A senhora quer pagar pelos nossos segredo?

MULHER: Não, não é isso. Olha eu não quero invadir a privacidade de vocês, a gente só vai bater um papinho. Uma coisa leve. Vamos trocar umas idéias. (tempinho) Uma hora, só precisa ser uma hora então. (tempinho) Tá, a gente faz só 50 minutos. Fechou?

SILÊNCIO.

GISLENE: A senhora quer comprar as nossas idéia?

MULHER: Trocar, eu quero trocar idéias com vocês. Saber sobre a vida de vocês, sobre os os seus problemas, os seus sonhos.

BASTIÃO: E quem é que vai cuidá das pranta?

MULHER: Aqui não tem planta nenhuma.

ELE OLHA EM VOLTA E PERCEBE. NOVO CONSTRANGIMENTO. TEMPO.

GISLENE: (compreende) ah, ta... tendi. (susurra pra ele) Tendi Bastião! (pra mulher – didática) A senhora quer pagar a gente pra gente ser seus amigo?

MULHER: (envergonhada) È. È Isso.

TEMPINHO

GISLENE OLHA PRA BASTIÃO.

GISLENE: Olha a senhora me desculpe mas a gente num pode aceitar isso não. Isso num tá certo não né Bastião?

BASTIÃO: Tá não pretinha.

GISLENE: A senhora acha isso certo Dona?

MULHER: Desculpa, eu não queria ofender vocês... mas é que eu vivo muito sozinha...

BASTIÃO: Olha aqui o seu dinheiro dona. A gente não aceita ele não.

GISLENE: Toma (devolve). (explica) Se a gente vai ser amigo, então num precisa de dinheiro não.

BASTIÃO: Qual o seu nome?

MULHER: Ana Carolina. Valadares.

GISLENE: Carol. Agora pra gente você é Carol, né não BAstião?

BASTIÃO: Carol.

GISLENE: Carol, olha só, a gente agora vai embora porque a nossa filhinha menor tá cuma disinteria danada, ta se acabando a menina, ta só o fiapo, mas pó deixá que na quarta que vem a gente volta aqui pra te contar as nossa novidade toda, ne não bastião?

BASTIÃO: è pretinha. Toda quarta. E pode deixar que eu vou trazer umas mudinhas de planta pra você tá Carol? Pra alegrar a casa.

MULHER tocada - Num precisa...

GISLENE: Que besteira Carol, amigo é pra essas coisa. A gente agora num vamo ser amigo? Mas agora vamo ter que ir embora que a menina ta com piriri né não Bastião?

BASTIÃO: Piririzão! Então até quarta viu Carol.

GISLENE: Eu vou trazer uma foto dela, pra vc conhecer! Tchau Nega!


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Só no Mundo De Cristina Fagundes
Ator entra e se senta numa cadeira
JUAREZ: (Fica em silêncio um pouquinho olhando pra platéia) Bom, eu não tenho falado muito com a minha família ultimamente. Na verdade eu nem tenho visto muito a minha família. Na verdade eu nem tenho família. Eu perdi toda a minha família. Toda. De uma vez. Na praia. Uma onda levou. Me levou. Eu fui mergulhar, a onda me levou e eu saí no Posto 9. Só que eu tava na Barra. Daí é isso, eu perdi a minha família naquele dia, na verdade a minha irmã eu até achei bom , e eu cresci à base do Mate com limão e biscoito Globo. E È isso. Tamos aí. Então eu vim aqui hoje porque eu queria que vocês me ajudassem a entender o que é que é ter uma família. Guiomar vem cá. (entra Fátima) A Guiomar é minha amiga lá da praia. Ela perdeu a família dela na praia também.
GUIOMAR: Foi, foi num arrastão. Aí eu vendo esfirra. Temos esfirra de carne, de...
JUAREZ: Agora não Guiomar. Vamos fazer o combinado.
GUIOMAR: De espinafre, de frango, de...
JUAREZ: Guiomar.
GUIOMAR: Esfirra! Olha a esfirra!
JUAREZ: Guiomar!!
GUIOMAR: Desculpa, é o costume.
JUAREZ: Então pessoal, agora a gente vai precisar da ajuda pra vocês, ta? Vai lá Guiomar.
GUIOMAR desce do palco e passeia pela platéia.
GUIOMAR: Deixa eu ver. Essa aqui, a senhora pode dá uma levantadinha por favor. E aí, Juarez, pode ser ela?
JUAREZ analisa: Não.
GUIOMAR: Ah, Não? Ah, não serve não dona. Desculpa aí ta? (anda mais e escolhe outra) E essa?
JUAREZ analisa: Quase.
GUIOMAR: Quase. Deixa eu ver outra. Ô Juarez, escolhe você então que eu tenho mais o que fazer.
JUAREZ: Aponta alguém : Pega aquela ali.
GUIOMAR: Essa? Ah, não Juarez essa aqui não. Essa aqui, na minha opinião, eu não gostei.
JUAREZ: Que isso Guiomar, não fala assim com a moça. Ela é público.
GUIOMAR: E daí?
JUAREZ: Público hoje em dia é coisa rara.
GUIOMAR: Mas ela num tem cara de mãe, Juarez. È muito nova.
JUAREZ: É ela sim, vai ser ela e pronto. Traz ela aqui.
GUIOMAR: Então, é você merma. Você pode vir aqui comigo, fazendo o favor, vem cá. Olha gente, tem esfirra aí quem quiser comprar depois, eu faço duas por cinco. Tá quentinha. (leva ela pro palco).
JUAREZ: Obrigada ta, você é muito gente fina. Pode se sentar aqui. Então. Agora você é minha mãe e eu sou seu filho e eu não fiz o dever de casa. Você ta me dando bronca. Começa! Vai! (a pessoa vai ficar sem graça e o ator deverá estimular uma dinâmica em que a pessoa comece a dar bronca e ele a se explicar como aconteceria entre uma mãe e filho, Guiomar, deve ajudar querendo tornar a mãe mais severa tipo: Não a senhora ta muito boazinha, agora bate nele – pega essa chinela e bate nesse desgraçado! Deve haver um cuidado em se pensar desdobramentos para render um pouquinho a discussão, tipo, ele não fez o dever mas ta mentindo, a senhora descobre que é mentira. Aí nota que ele ta bêbado. Ele agora xinga a senhora, ele chora, a senhora fica com pena, isso tudo deve durar 1 minuto ou 2, por aí.
GUIOMAR: Agora eu! Peraí Juarez deixa eu chamar alguém pra me ajudar. (desce na platéia e pega um homem e leva até o palco – a mulher continua no palco)
GUIOMAR: Pronto! Agora você é o meu pai e eu sou sua filha. Papai eu sou lésbica. Eu gosto é da Emília. Você ta assustado! Mais assustado, ta de cara, anda de um lado pro outro, não sabe o que dizer, gagueja, vai gagueja. (a atriz deve desenvolver relações do pai com ela,pensar em desdobramentos, sempre guiando o que ele deve fazer e deve pensar até que ponto pode ser legal desenvolver a história, é legal colocar o participante em situações embaraçosas e divertidas, como: daí vc se abre com ela e diz que também é gay, vai, fala, eu também sou gay, filha. Juarez também estimula a brincadeira, manda ele chorar etc. Guiomar e Juarez sempre empolgados e felicíssimos de estarem vivenciando situações típicas de família.
OBS: Tem muitos textos falando em gay e lésbica, talvez, a brincadeira da Guiomar possa ser ao invés de dizer que é lésbica dizer outra coisa, como sou do PT, ou eu não sou mais virgem (tendo apenas 10 anos), de qualquer forma, não importa a questão que ela for escolher para fazer a dinâmica, tem que ser algo que dê pano pra manga, que incite reações de um pai, ok? Tó falando isso como opção já que li os textos e já tem lésbica e gay.
Isso acontece também por 1 minuto ou 2 mais ou menos e aí Guiomar e Juarez colocam os 2 participantes para interagir entre si. Tipo. Agora vc é a mãe da gente e vc é o pai e vcs tão discutindo pq querem ficar com a gente, se separaram e tão disputando quem fica com a gente! Vai. Xinga ele! (Guiomar fica ajudando a mulher a ganhar a briga e Juarez fica ajudando o homem a ganhar a briga) Juarez manda ele acusar ela de exploradora por causa da pensão que ela quer cobrar, Guiomar fala pra mulher que ela sabe do caso dele com a secretária. Ela manda ela bater nele. Dá um tapa na cara dele. (atores, cuidado com a violência) Juarez manda ele segurar ela forte e fazem realmente isso, manda eles se olharem nos olhos e se beijarem (eles devem ficar tímidos e os atores resolvem, talvez libere pro beijo ser na bochecha) Enfim, a reconciliação do casal é o fim da participação, eles terminam com algo como e viveram felizes para sempre.
JUAREZ: Obrigado gente, muito obrigado, agora eu sei o que é ter uma família.
GUIOMAR: Podem voltar pro seu lugar gente, valeu, gente. A gente adorou muito, agora toda a semana a gente vai voltar né não Juarez. Semana que vem vamos experimentar o que que é ter sogra.
JUAREZ: Não Guiomar, sogra não, melhor não.
GUIOMAR: Então vamos fazer com irmão gay.
JUAREZ: Tá, então ta. Então o senhor aí de trás já pode voltar semana que vem pra participar com a gente né?
GUIOMAR: Você vai fazer nosso irmão.
JUAREZ: Então, Tchau gente!
GUIOMAR: Vou trazer as esfirra também ta? (saem de cena)
Fim.


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NA LONA de Cristina Fagundes
APARTAMENTO FEITO DE LONAS, TIPO INVASÃO DE PRÉDIO ABANDONADO

AURIMAR – Cadê minha calça, Gorete?

GORETE – E eu que vou saber Aurimar?

AURIMAR – Primeiro foi a minha bermuda agora é a minha calça, daqui a pouco é a minha blusa do flamengo.

GORETE – Calma Aurimar!

AURIMAR – Calma? Tão roubando a gente dentro de casa Gorete!

GORETE – Será que você não esqueceu essa calça em algum lugar?

AURIMAR – Daqui a pouco eu to pelado Gorete!

GORETE – Mas também calça pra quê? O verão ta chegando Aurimar.

AURIMAR – Eu falei pra gente não vir pra cá.

GORETE – Já vai começar de novo?

AURIMAR – A gente vai acabar sendo assassinado aqui.

GORETE – Ai pára de drama Aurimar.

AURIMAR – A gente devia ter ficado lá em Madureira. Isso aqui só tem bandido Gorete.

GORETE –É gente sem oportunidade. E pobre não é bandido Aurimar.

AURIMAR – Gorda, isso aqui é uma ocupação, é ilegal.

GORETE – Aurimar a gente ta no Brasil.

AURIMAR - Aqui só tem vagabundo.

GORETE – Por enquanto, mas isso vai mudar.

AURIMAR – E se não mudar? E se piorar?!

GORETE – Fala baixo Aurimar, vai acordar os vizinhos.

VIZINHO entra sem a menor cerimônia, abrindo uma das lonas.

VIZINHO – Aí, colchão maneiro hein? Pô, vou levar aqui rapidinho hein.

AURIMAR – Mas peraí, a gente vai...

VIZINHO – Aí, qual é? Vai ficar regulando mixaria pro teu vizinho? (mostra uma faca) Nem chegou e já que dá de patrão?

AURIMAR (com medo) Não, né isso não...

VIZINHO - Pô, to tentando uma interação e pã, mas pelo visto tu tá cum rei na barriga.

AURIMAR – Não num é isso, é que...

VIZINHO – Né não?

AURIMAR – Não, tá tudo.. tudo firmeza, ta tudo legal.

VIZINHO - Então ta beleza, já é. Vou passar aqui mais tarde com uma presença pra gente fumar então. Fui. (sai levando o colchão).

AURIMAR – Você viu isso Gorete? Ele roubou nosso colchão!

GORETE – Ele só quer socializar Aurimar, vizinho é assim, pede sal...

AURIMAR - Pede a tv...

GORETE - Ah, ele quer fazer amizade.

AURIMAR – Você viu como ele entrou? Nem bateu na porta.

GORETE – Que porta Aurimar? Num tem porta.

AURIMAR – Ai, meu deus...

GORETE – Mas que dificuldade de adaptação Aurimar. Francamente.

AURIMAR – Gorda, eu acho que eu não vou agüentar morar aqui.

GORETE – Aurimar, presta atenção. Eu sei que é difícil, mas a gente tem que ser forte.

AURIMAR – Gorete, aqui não tem água, não tem banheiro.

GORETE – Você é muito negativo Aurimar. Pensa só, agora você não vai nem precisar pagar academia, você sobe a escada com os baldes d´água e pronto.

AURIMAR - Tão me cobrando pedágio para subir com a água.

GORETE – Quem?

AURIMAR – Uns travestis.

GORETE – É o sindico e a família dele. Foi no primeiro andar?

AURIMAR – Não, no quadragésimo sétimo.

GORETE – Que pena, já tava chegando aqui. Bom, devem ser as regras do condomínio. Mas será que todo mundo tem que pagar?

AURIMAR – Teve um cara que não pagou.

GORETE – E então?

AURIMAR – Morreu.

GORETE – Como e que você sabe?

AURIMAR – Ele tava no lixo hoje de manhã.

GORETE – Hum... Ele podia ta dormindo.

AURIMAR – Tava cheio de mosca.

GORETE – Mas que homem porco, será que ele não toma banho?

AURIMAR – E as crianças peladas na escada?

GORETE – Criança não liga pra andar pelada Aurimar.

AURIMAR – Mas tinha uns adultos com elas.

GORETE – Ai, Aurimar, eles deviam ta brincando.

AURIMAR – Gorete, eu não agüento mais, a gente tem que ir embora daqui agora.

GORETE – Calma Aurimar, calma. Olha, (fala baixo) presta atenção. Eu sei que é duro, eu também to sentindo falta de conforto, das minhas coisas, mas a gente tem que ter visão Aurimar.

AURIMAR – Eu sei Gorda, mas é que...

GORETE: Deu no jornal, meu amor, a zona portuária vai ser totalmente revitalizada pras Olimpíadas. O governo vai investir pesado nisso aqui. Daqui há 6 anos isso aqui vai ta valendo ouro! E a gente vai ta aqui! Isso tudo vai ser nosso!

AURIMAR – Será mesmo, Gordinha?

GORETE – Mas é claro Aurimar, isso aqui é a Barra do Futuro! Diz que vai ter até shopping Center e boliche e a gente vai ta no coração disso tudo, vamos ta por cima da carne seca! Vamos ficar ricos meu amor!

AURIMAR – Mas como e que ninguém percebeu isso?

GORETE – Nem todo mundo tem visão Aurimar, as pessoas pensam pequeno. Tem que ter tutano pra sacar o que ta rolando. Tem que ter sagacidade. Mas a gente sacou e agora vai ficar rico. È só ter paciência.

AURIMAR – è... Rio 2016..

GORETE – Vamos ser os reis do Porto meu amor! Não vai ter pra ninguém!

AURIMAR – Mas a gente tem mesmo que morar com essa gente, gorda?

GORETE – Tudo tem um preço Aurimar.

ENTRA UM PUTA NESSA HORA

PUTA – Aí, falando em preço, oi, eu sou a vizinha aí das parede de isopor com os desenho de piroca, não é que tem a Suelen que também tem as parede de isopor mas com uns palavrão desenhado. Daí não sou eu. Eu sou a das piroquinha com asa. (mostra) A lá! Ó! Seguinte, to com uma promoção de pague frente e leve frente e trás e daí eu pensei que como a gente é vizinho né? ... (olha para Aurimar) tu quer fazer um teste pra ver? Sem compromisso?

AURIMAR – Um teste?

PUTA – É, pra dar uma avaliada no material, vai que tu gosta? Pega aqui pra tu sentir!

AURIMAR – Eu?

PUTA – È pega aqui, viu? E aqui então, ó? É coisa boa meu filho, filé! Essa varize num conta que eu vou operar e vou tirar fora, mas di resto ta bom né? ... E aí vambora?

AURIMAR – (OLHA PRA GORETE) Olha, é muita gentileza sua, mas é que eu sou...

GORETE – Vai Aurimar.

AURIMAR – Oi?

GORETE – Ela quer que você vá.

AURIMAR – Mas Gorda ela ta querendo...

GORETE – Ela quer fazer amizade Aurimar, vai com ela.

PUTA – É logo ali, ó, naquele isopor, do lado daquele cara do crack.

AURIMAR – Aquilo ali é crack?

CHEGA O VIZINHO DE NOVO

VIZINHO – Aí, trouxe o bagulho pra gente. Esse é do bom!

AURIMAR – Bagulho?

GORETE – Ah, que gentil.

AURIMAR – Gorete isso aí é maconha?

GORETE – Deixa que eu cuido disso Aurimar, agora vai que a moça ta te esperando.

AURIMAR – Mas e você?

GORETE – Vou fazer sala pro... qual o seu nome?

VIZINHO – Picadinho.

GORETE – Picadinho, prazer. Vai Aurimar. Anda!

PUTA – Borá ném!

AURIMAR – Picadinho...?

GORETE – Vai Aurimar! Pensa no Futuro! Rio 2016! (ele sai com a puta, relutante) (pro vizinho) Tamos gostando muito daqui. Sua mulher mora aqui com você?

VIZINHO – Não, ela tá presa.

GORETE – Ah, sei... Vou fazer um bolinho de cenoura então pra você levar ela... Ela gosta de cenoura?
(a luz vai caindo e eles conversando).

fim
_________________________________________
RECEITA SECRETA de Cristina Fagundes
Mulher bem vestida, toda arrumada, termina receita de docinhos num programa de auditório.

TERESA ALCÂNTRA – Agora você coloca aqui nas forminhas... assim... para ficar bem bonito... a beleza é essencial na comida, (agora fala cúmplice baixinho para o público) e para ser comida também! Brincadeira! E olha aqui... está pronto! Deliciosos quindins! Suas amigas vão morrer de inveja! Baruel, pode servir os quindins. (come um) Hum, que delícia! Que gostoso! (um assistente desce do palco e serve alguns quindins numa bandeja para o público) Não são um pecado? Meu marido casou comigo por causa de um quindim, sabiam? Viva o Quindim! (alguém levanta na platéia pedindo um autógrafo)

MULHER: Dona Teresa! Me dá um autógrafo!

TERESA: Claro, minha querida.

MULHER: Ai, nem acredito! Meu avô ressuscitou por sua causa ontem!

TERESA: Oi?

MULHER: Ele teve uma parada cardíaca mas aí a minha avó falou baixinho no ouvido dele: Bartolomeu, levanta, que eu fiz o mingau de aveia da Teresa de Alcântara para você. E ele levantou!

TERESA DÁ O AUTÓGRAFO: Nossa, que coisa! É o poder da comida. Olha aí, amada, pronto, (entrega o autógrafo) agora eu tenho que ir. Meus amores, ah... chegou a hora de acabar o programa, que pena né? Mas daqui a cinco minutos tem mais. Todas as manhãs, todas as tardes e todas as noites e todas as madrugadas e a cada cinco minutos, fique com Na Cozinha de Teresa Alcântara! Beijão! Love You! (vinheta de final de programa – muda a luz - Teresa limpa as mãos)

TERESA: Que gente feia hoje aí! Credo! O pessoal da primeira fila então. Tinha uma gorda me olhando... (fala prum ponto) Alcântara, troca a platéia. Alô Alcântara, ué? Sumiu. ( nisso, entra uma mulher bem feia, gorda, é um tipo, com tiques, particularidades, ela está com uma arma na mão)

LÚCIA: Parada aí!

TERESA: Mas o que é isso?! Segurança! Segurança! Socorro! A gorda táqui! Alcântara! Alguém.

LÚCIA: Vai ficar rouca. Pode gritar que não vem ninguém. Prendi todo mundo na salinha de maquiagem.

TERESA: Mas como?

LÚCIA: Fácil. Levei os quindins pra lá e avisei à equipe. Ai foi só trancar a porta. (ri maquiavélica) Agora somos só nós duas.

TERESA: Quem é você?

LÚCIA: Não ta me reconhecendo? Gastou toda a sua memória decorando a receita que me roubou?

TERESA: Do que que você ta falando?

LÚCIA: Você não me reconhece mais Maria do Amparo?

TERESA (abalada): Meu nome é Teresa de Alcântara.

LÚCIA: Mentira! Tudo mentira! Seu nome, seu programa, o seu talento! Esses peitos!

TERESA: Vai embora daqui!

LÚCIA: Tudo roubado.

TERESA: Do que que você ta falando?

LÚCIA: Da receita que você me roubou quando éramos crianças.

TERESA: (reconhecendo a irmã) Lúcia Cristina...?

LÚCIA: Ah, agora você tá me reconhecendo irmã?

TERESA: Meu deus, como você engordou!

LÚCIA: É que eu vendo churros.

TERESA: O quê?

LÚCIA: Eu tenho uma carrocinha de churros.

TERESA: Mas churros é terrível!

LÚCIA: Não muda de assunto, eu quero saber cadê a receita secreta de molho da vovó que você me roubou.

TERESA: Eu não sei do que você está falando.

LÚCIA: Essa receita era pra ser minha. A vovó tinha prometido deixar ela para mim.

TERESA: A vovó tava gagá!

LÚCIA: Ela sabia que eu tinha talento.

TERESA: Você não sabia fritar um ovo!

LÚCIA: Você só faz sucesso por causa do molho secreto da vovó!

TERESA: Que molho?

LÚCIA: Pensa que eu não sei que você coloca o molho dela em tudo? Eu comi um dos quindins. Tem molho da vovó nele.

TERESA: Você ta louca!

TERESA: Tem molho da vovó nele!

TERESA: Até parece.

LÚCIA: Você roubou a minha chance de ser feliz.

TERESA: Não dramatiza.

LÚCIA: Era pra isso tudo ser meu. Esse programa, esse corpo, essa colher de pau, esses peitos principalmente.

TERESA: Estou sentindo uma pitada de inveja ou é impressão minha?

LÚCIA: E uma pitada de arrependimento você não sente?

TERESA: Cada um tem o que merece.

LÚCIA: Eu não mereço esse pneus!

TERESA: É. Isso ninguém merece.

LÚCIA: Mas a culpa disso tudo é sua. Sem o molho da vovó a gente faliu. O que você fez foi sacanagem!

TERESA: Eu não faço sacanagem eu faço comida, ta legal? E agora vai embora que eu só faltam 3 minutos pra eu entrar no ar de novo.

LÚCIA: Mas o seu programa acabou de acabar.

TERESA: Ta na hora do outro.

LÚCIA: Mas já?

LÚCIA: Eu apresento um programa a cada 5 minutos querida.

LÚCIA: Fominha.

TERESA: O quê?

LÚCIA: Você é uma fominha.

TERESA: Não me chama assim!

LÚCIA: Como é que você pôde deixar a gente pra trás, você não tem vergonha não Amparo?

TERESA: Olha só minha querida, passado é que nem massa de bolo, se mexer demais desanda.

LÚCIA: Eu quero a receita do molho da vovó agora!

TERESA: Mas que pena! Eu não trouxe ela comigo hoje.

LÚCIA: Você usa ela há 30 anos e ainda não decorou?

TERESA: Você quer o molho pra quê?

LÚCIA: Vou colocar nos meus churros.

Silêncio estupefato de Teresa

TERESA: O quê?

LÚCIA: Eu vou usar o molho da vovó como recheio dos churros e aí vai ter uma fila de gente querendo comer os meus churros. Vai fazer fila na frente da minha carrocinha! Daí eu vou montar uma rede de carrocinhas de churros e vou ficar milionária!

TERESA: Você acha que as pessoas vão querer comer o seu churros só porque ele tem o molho da vovó?

LÚCIA: Acho não. Tenho certeza.

TERESA: Você não está superestimando o poder do molho da vovó, não?

LÚCIA: Você sabe que não. Lembra quando você pingou molho da vovó naquela barata e deu para o porteiro? Lembra o que ele fez? Ele comeu a barata. E gostou. Ta me ouvindo? Ele sabia que era uma barata e mesmo assim gostou. Isso é o que o molho da vovó faz com as pessoas.

TERESA: Não dou.

LÚCIA: Não vai dar?

TERESA: Não dou, pronto. Você pode fazer o que quiser que eu não vou te dar a receita do molho da vovó.

LÚCIA: (agarra a irmã e coloca a faca no seu pescoço) Você vai me dar essa receita agora! Nem que eu tenha que te bater!

TERESA: Me larga! Sua gorda!

(elas lutam e caem em cima da mesa e derrubam os potes com molhos etc – a arma de Lúcia dispara na briga e Teresa cai no chão, morta – ainda dá uma última levantada para brigar)

TERESA: Não dou, não dou, não dou! (cai morta)

LÚCIA: Meu deus o que foi que eu fiz... eu só queria o molho (levanta a mão da irmã para beijar, arrependida, mas sente um cheiro)... esse cheiro... nossa, é o cheiro do... é o molho da vovó, meu deus, há quanto tempo eu não sinto esse cheiro e esse gosto... ai... (abre a boca para dar a primeira mordida, ela vai comer a irmã, sobe a música, cai a luz).

fim


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DANÇA DA VASSOURA
Martinha - Eu me lembro até hoje do meu primeiro beijo. Foi em 88. Meus pais tinham viajado e eu fiz uma festinha americana lá em casa. (ela faz um rabo de cavalo e entra uma música da década de 80 - Clima daquelas festinhas, pré-adolescência – leo jaime ou algo to tipo tocando)

Martinha – Será que ele vem?

Taty – Claro!

M – Não chegou quase ninguém./(quebra falando pro público sempre que tiver maiúsculas – o mesmo acontece com os outros) EU TAVA ANSIOSA.

T – Ah, ainda vai chegar./FALEI SÓ PRA ANIMAR.

(TOCA A CAMPAINHA – Entra Zé, com salgadinho na mão)

AS DUAS: Zé!!

T - /O ZÉ ERA O GAROTO MAIS METIDO DO COLÉGIO./

M/ O ZÉ ERA O GAROTO MAIS LINDO DO COLÉGIO/

T – (fofa) Oi... (dá dois beijinhos)

M – (fingindo frieza) Oi. (acena)

Z – Oi. /NÃO TINHA NINGUÉM NA FESTA. QUASE QUE EU LIGUEI PRA MINHA MÃE E PEDI PRA ELA ME BUSCAR./ (pra Martinha) Ò. Eu trouxe isso aqui.

M – Maneiro. Vou colocar ali./QUE FOFO, ELE TROUXE SALGADINHO.

T – (tentando fazer passinhos) /IGNOREI O ZÉ SOLENEMENTE.

Z - /TENTEI ME ENTURMAR/ Bacana esse passinho.

T – Jura? Nem acho.

M – Vamos fazer aquele nosso Taty!

T – Ah, não!/A GENTE NEM TINHA ENSAIADO DIREITO!)

Z – Ah, faz sim.

M – (Pedindo ajuda à amiga) Vamos fazer Taty. Pôxa.../ELE TINHA QUE ME VER DANÇANDO/

T – Tá. Tá bom. /O QUE A GENTE NÃO FAZ POR UMA AMIGA?

M - 1, 2, 3 e (fazem uma coreografia juntas).

Z – Pó, chocante!/A MARTINHA DANÇAVA MAL À BEÇA!

M- /ARRASEI!

T - /PAGUEI O MAIOR MICO!

M – Você já estudou pra prova de Matemática? (PUXEI ASSUNTO)

Z – Ah, eu não sou muito de... de...

M – Que foi?

Z - /SOLTEI UM PUM. PRECISAVA DISFARÇAR. (vai pra pista – todo desajeitado)Acho que eu lembrei de um passinho. Vem cá fazer.

M – Você fazendo passinho? / ELE NUNCA FOI DE DANÇAR...

Z – Acho que é assim.. deixa eu ver. Ah, não lembro, deixa pra lá, vou comer um salgadinho. (sai de perto dela)

M – DESCOBRI QUE O ZÉ TAVA A FIM DE MIM. Taty! (cochicha).
Ele tá olhando pra mim?

T – MENTI PRA ELA FICAR FELIZ. Tá sim.

M – EU NÃO VIA A HORA DE TOCAR A MÚSICA LENTA.
(toca lenta clássica dos anos 80 tipo Lady In Red ou algo do tipo)

T – Ih! A música lenta!

(Zé vem na direção delas, grande suspense, parece que vai chamar a Martinha para dançar mas no final chama a Taty)

Zé – Quer dançar comigo?

T – (aceita surpresa). Hum – hum.

M – NÃO CONSEGUIA ACREDITAR NAQUILO. DISFARCEI MINHA DECEPÇÃO: (sorri amarelo).

T – ATÉ QUE ELE NÃO ERA TÃO METIDO ASSIM.

Z – Hum... ELA TAVA USANDO MAÇA VERDE, DO BOTICÁRIO.
(ele desce a mão e ela sobe)

T – ESPERTINHO!

M – EU PRECISAVA FAZER ALGUMA COISA. sai de cena e pega uma vassoura, cutuca a Taty SORRISO VINGATIVO e rouba-lhe o par).

T – SORRISO AMARELO (libera o par) ATÉ QUE EU TAVA ACHANDO LEGAL, MAS A MARTINHA ERA GAMADA NELE ENTÃO EU FIQUEI NA MINHA.

M – SERÁ QUE ELE SABE QUE EU SOU AFIM DELE?

Z – SERÁ QUE ELA NÃO PERCEBE QUE EU NÃO GOSTO DELA?

M – VOU APERTAR MAIS ELE. Hum.. ACHO QUE ELE TÁ CHUPANDO HAUSS.

Z – EU JÁ TAVA FICANDO SEM AR.

T – ELE DANÇA DOIS PRUM LADO, DOIS PRO OUTRO.

M – VOU RESPIRAR NO PESCOÇO DELE.

T - AH,NÃO. COMECEI A SENTIR UMA COISA ESTRANHA, NÃO QUERIA MAIS QUE ELES DANÇASSEM. / Vamos brincar de copo?

Z – GRAÇAS A DEUS! Vamos!

M – ELA ESTAVA DANDO EM CIMA DELE! Não, vamos brincar de salada mixta?

Z – Não, de copo é mais legal. Cadê o copo?

T – (TATY desliga o som e pega o copo.) Taqui.

Z – Vamos se concentrar. Agora coloca o dedo aqui. (as duas colocam) Tem alguém aí? (silêncio, expectativa)

T – Ai, eu tenho medo, você não tem medo não?

Z – Que nada. TAVA MORRENDO DE MEDO MAS NÃO PODIA MOSTRAR, NÉ. Eu sempre brinco de copo. Daqui a pouco vocês vão ver.

M – QUIS AJUDAR. Eu acho que tá tremendo.

Z – (frio) Claro, você tá empurrando ele como dedo. Tem que fazer direito, ele tem que vibrar sozinho. Tem alguém aí?

T – Ai,

Z – Que foi?

T - passou um vento esquisito aqui.

M – Ih, agora tremeu de verdade!

Z – Talvez seja melhor a gente parar./DISFARCEI (o medo)/ Eu não ligo mas vocês podem ficar impressionadas.

M – Não, agora eu quero saber quem é que tá aí.

Z - /EU TAVA ME BORRANDO TODO/ Agora eu acho melhor a gente parar porque o meu amigo disse que uma vez ele foi brincar com isso e a mulher de branco apareceu.

T – Mulher de branco?

Z – É. É uma assombração. Ela aparece no banheiro e ataca as pessoas.

M – TIVE UMA IDÉIA Vou ao banheiro.

Z – Você tá maluca, ela pode tá lá!

M – Se ela tiver lá você me salva. (vai até o banheiro – outra parte do palco) AGORA EU AGARRO ELE. Socorro! Zè! A mulher de branco! Socorro!

Z – FIQUEI APAVORADO! Manhê! Socorro! (sai correndo)

T – Peraí, a gente tem que salvar ela! NESSE MOMENTO TUDO FICOU MUITO CLARO PRA MIM. Martinha! (corre pro banheiro) ARROMBEI A PORTA!

M – DEU CERTO, AGORA VOU BEIJAR ELE!
(Se beijam e se olham, martinha se dá conta de que não era o Zé)

M – Taty! EU BEIJEI UMA MULHER!

T – FINGI SURPRESA! Martinha!

M – E EU GOSTEI. Foi você?

T – SORRI RECÉM-APAIXONADA. Foi.

M – Que loucura! DESCOBRI QUE ERA SAPATÃO
(beijam-se novamente, black-out).

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Do Amor de Cristina Fagundes
Música suave.
Um velho do lado esquerdo do palco e uma velha do lado direito, falam com a platéia. È tudo muito suave, num tom de intimidade.

VELHO: A primeira vez que eu vi a Maria Flor foi numa festa, na casa do Ernesto,. (música de bossa nova), ela tava dançando... Ela tava linda! Tava com os cabelos soltos, como ela usava naquela época.

VELHA: Eu estava com as sandálias francesas da mamãe...

VELHO: Eu fiquei hipnotizado por ela.

VELHA: Eu nem notei o Otávio.

VELHO: Fiquei observando-a de longe a noite inteira.

VELHA: Fiquei conversando com os meus amigos a noite inteira.

VELHO: Ela era o centro da roda. Sempre. Acho que era o sorriso dela. Seu sorriso era a luz e nós éramos as moscas.

VELHA: Eu tava tão feliz! Eu tinha acabado de dirigir minha primeira peça e tinha saído uma crítica maravilhosa justamente naquele dia.

VELHO: Tinha muita gente importante na festa, artistas, intelectuais... E todos os homens de olho nela. Chamavam-na pra dançar, traziam drinks, paqueravam.

VELHA: Mas eu só queria me divertir, eu tava leve.

VELHO: Eu queria me aproximar mas não tinha coragem. Na verdade eu não achava que nada em mim pudesse interessá-la. Eu era muito duro naquela época e se a grana era pouca, a auto-estima então, era menor ainda.

VELHA: A noite foi passando e os rapazes foram ficando mais insistentes e mais entediantes também.

VELHO: Lá pelas tantas eu desisti de vez de me aproximar e resolvi descontar a minha covardia na bebida. A bebida é a melhor amiga dos covardes. Bebi todas.

VELHA: Finalmente chegou a hora do violão. Sempre rolava uma rodinha de violão nas madrugadas do Ernesto. Ah, era tão bom! (seria legal a atriz cantar Chico ou algo de bossa nova)

VELHO: Meu Deus, ela ainda cantava! Puta merda e agora? Num impulso ébrio eu resolvi que ia pegá-la nos braços e levá-la comigo pra casa, cantando.

VELHA: O Otávio surgiu no meio da roda, me puxou pela mão e...

VELHO: Eu vomitei, vomitei toda a minha covardia misturada com cuba libre em cima dela. A roda parou, a festa parou, o violão calou e eu queria morrer.

VELHA: Ele ficou tão envergonhado, coitado. Pediu desculpas. Disse que só queria me conhecer e que...

VELHO: ... (pra ela ) eu não devia ter bebido tanto, mas você, você é linda demais, poxa, assim até ofende! E eu... e eu sou um Zé ninguém. Eu sou a mosca, compreende? A mosca! (volta ao presente) Falei pra ela o que me roía a alma.

VELHA: Ele enrolava a língua, guaguejava, tão frágil... e eu me apaixonei. Pela primeira vez na minha vida eu me apaixonei.

VELHO: Ela ficou ali me olhando e eu só queria sumir dali.

VELHA: Peguei o Otávio pela mão e o levei para o banheiro. Limpei-o com um cuidado apaixonado. Dei-lhe água para beber e dei-lhe também nosso primeiro beijo. Na boca. Naquela mesma noite começamos a namorar.

VELHO: Namorar a Maria Flor era o sonho de qualquer rapaz. E eu tinha sido o escolhido. Mas eu não conseguia entender o que ela tinha visto em mim.
Às vezes eu me pegava de boca aberta, olhando pra ela.

VELHA: Passado um mês eu descobri: Otávio era o homem da minha vida. Fui ter uma conversa franca com Otávio. (para ele) Eu quero me casar com você Otávio. Quero passar a vida ao seu lado.

VELHO: Mas por quê?

VELHA: Não sei. Eu simplesmente quero.

VELHO: E então eu compreendi. Não podia ficar com Maria Flor nem mais um dia. Ela era perfeita, perfeita demais pra mim. Ela era a luz e eu era a mosca. E sempre seria assim. Acabei tudo ali mesmo e me afastei.

VELHA: Emagreci a olhos vistos, não conseguia mais viver sem ele. O amor vicia.

VELHO: Me mudei para Belo Horizonte, queria ficar distante de qualquer notícia dela. De qualquer traço do seu perfume.

VELHA: Eu chorei, chorei meses, anos. E fiz o que todo mundo faz quando é abandonado. Pensei no que eu ia fazer no dia em que ficasse cara a cara com ele. Me imaginei linda, bem-casada, com filhos, eu ia sorrir e dizer que era a mulher mais feliz do mundo sem ele. Otávio me olharia triste, como um cão abandonado e me diria que tinha se arrependido. Mas agora era tarde.

VELHO: Todas as noites, antes de dormir eu me perguntava como ela estaria. Mais linda ainda, certamente, a cada dia mais linda, mais cheia de vida, mais cheia de admiradores. A esta altura já devia estar casada com algum doutor e talvez até com filhos.

VELHA: Planejei vinganças. Passaria direto por ele, nem o cumprimentaria. Canalha, como é que ele me deixava assim, como quem joga fora um lápis?

VELHO: Os anos foram passando...

VELHA: E eu vivi a minha vida...

VELHO: sem grandes alegrias nem tristezas...

VELHA: uma vida morna.

VELHO: Mas um dia, 40 anos depois daquela festa, eu fui ao Rio resolver um assunto de herança e na volta, ao me sentar no avião, um choque, quem estava na poltrona vizinha? Maria Flor. Ela dormia, dormia profundamente, na poltrona vizinha à minha.

VELHA: Eu tava muito cansada, tava voltando com toda a minha mudança de São Paulo. Assim que entrei no avião, adormeci.

VELHO: Passei a viagem toda olhando para ela. Ouvia sua respiração. Sentia seu perfume. O mesmo perfume de tantos anos atrás. Tantas vezes pensei em como seria encontrá-la novamente, imaginava-a ao lado de seu marido ou com amigos rindo ou cantando, como na festa. Nunca assim, dormindo, nunca assim desamparada. Tão abatida, tão frágil.

VELHA: Eu estava me separando de um marido que nunca amei.

VELHO: Maria Flor sempre foi para mim uma força da natureza, uma fortaleza, inexpugnável. Nunca imaginei, nem por um segundo, que pudesse vê-la assim indefesa, vulnerável. Nesse momento, o avião teve uma pequena turbulência e sua cabeça pousou suavemente em meu ombro, adormecida. Então, depois de todos esses anos, eu finalmente compreendi. Maria Flor precisava de mim.

(opcional) VELHA: E desse dia em diante, minha cabeça nunca mais saiu daqui.


Música bonita. Luz cai suavemente. Fim.


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Nova Novela – de Cristina Fagundes
Um autor sentado em frente a um computador e um executivo sentado numa cadeira ao lado. Quando o autor estiver escrevendo, uma atriz deverá fazer as ações que eles falam sobre a mocinha, ilustrando o que está sendo criado.

Autor: São 20 anos fazendo novela! Você sabe o que é isso?

Executivo: Eu sei que é delicado, mas não dá mais pra fazer novela como antigamente. A gente tem que se adaptar.

Autor: Isso não vai funcionar, eu já tenho o meu jeito de escrever e essas interferências...

Executivo: Não vamos chamar de interferências, são apenas direcionamentos...
E vai ser muito estimulante, você vai ver. O grupo opinativo tem gente de todas as classes sociais.

Autor: Tem de tudo, é a casa da mãe Joana!

Executivo: Olha o lado bom: na Nova Novela todo mundo vai participar.

Autor: Nova Novela... tá... Então, podemos começar?

Executivo: Deixa só eu testar o canal participativo. Alô, alô testando Juarez, Juarez você tá me ouvindo?

Juarez: (em OFF) Alô, Dr Carlos, to ouvindo sim. Juarez na escuta.

Executivo: Ótimo! Então vamos iniciar o primeiro capítulo. O grupo opinativo está pronto?

Juarez: Positivo e operante, estão todos aqui na salinha de criação. Tem uma mulher que trouxe o cachorro, devo mandar ela sair?

Executivo: Não, deixa, talvez o cachorro queira participar também. (pro autor). O senhor pode começar.

Autor: Eu tenho mesmo que falar em voz alta?

Executivo: Isso, eles têm que ouvir pra poder opinar.

Autor: Muito bem vamos lá. (toda vez que um dos integrantes do grupo opinativo for falar ouve-se uma campainha tipo Péin, como uma buzina que censurasse o que o autor criou)

Mulher: (Off) Peín – Não se começa um capítulo com Muito Bem, vamos lá.

Autor: Mas o que é isso? Eu ainda nem comecei!

Mesma Mulher: Péin! Também não se começa com Mas o que é isso.

Executivo: Alô, atenção grupo opinativo, calma, não fiquem ansiosos, vamos ver o que o autor tem a dizer antes de darem sua contribuição, ok? E por favor se identifiquem ao falar. Digam seu nome e sua ocupação. (pro autor) Desculpa, pode continuar.

Autor: (começa a teclar e vai falando em voz alta o que escreve, uma atriz ilustra o que ele está criando) Capítulo 01: Helena, a mocinha da história está.../

Shirley: Péin! Helena não é nome de mocinha. O nome dela é Shirley Maria. Meu nome é Shirley Maria e eu sou dona de cada e desocup.../

Autor: (cortando) Mas todas as minhas heroínas sempre foram Helena...

Executivo: Hora de mudar. Você ouviu.

Autor: Mas...

Executivo: Ta no contrato.

Autor: (suspira) Shirley Maria, a mocinha da história, é uma linda mulher, uma modelo internacio.../

Mara: Péin! Ah, Bota uma mulher normal pô! Bota uma negona gorda! (se identifica) Mara – Vendedora de Acarajé.

Autor: Eu não to escrevendo Betty a Feia.

Executivo: O senhor está sendo reativo. E isso fere as Regras da Nova Novela.

Autor: Eu sei, mas eu não tenho sangue de barata!

Executivo: Tem que ter. Ta no contrato. Item 7 cláusula 3. Olha aqui: O autor da Nova Novela deve ter sangue de barata e acatar as sugestões do grupo opinativo.

Autor: (suspira) Shirley Maria, a mocinha da estória, uma negona gorda.../

Mara: Peín! Bota aí! Vendedora de acarajé!

Autor: Shirley Maria, a mocinha da estória, uma negona gorda, vendedora de acarajé é uma modelo internacional que desfila para.../

Tânia: Péin! Gente, pára tudo! A mulher é uma gorda, vai ser modelo de quê gente? Cadê a coerência dessa história?

Autor: Finalmente! Alguém que pensa!

Tânia: Presta atenção, Shirley Maria, não é modelo. Ela é representante da Avon. Ela vende desodorante de porta em porta em Copacabana. Eu sou Tânia, gerente regional da Avon e eu queria dizer que to recrutando mulheres com garra e.../

Autor: (cortando) Ta bom! Shirley Maria, uma negona gorda, vendedora de acarajé e da Avon, vive batendo de porta em porta, numa vida muito dura e.../

Bruna: Pein! Aí ela vira puta pra completar o orçamento. Bruna Surfistinha, é...recepcionista.

Autor: Shirley Maria, uma negona gorda da Avon e prostituta reflete sobre seu preço na varanda de sua linda mansão de verão em angra.

Jorge: Pein! Perái! Tem alguma coisa erra com isso tudo... como é que ela é vendedora da avon se ela tem uma mansão em Angra?

Autor: Então, é isso que eu to querendo dizer.../

Jorge: Pein! Maricá, pronto! Ela mora é num quiosque em Maricá! Jorge Do Côco – dono do Côco Maricá

Autor: Meu Deus, mas como é que ela vai conhecer o mega empresário Ricardo Valadares num quiosque em Maricá? Pensa!

Executivo: Não pode pensar. Olha aqui: Cláusula 10, item 69: está terminantemente proibido fazer uso da lógica durante o processo criativo da Nova Novela. (explica) Quebra o fluxo.

Autor: (muito deprimido) Shirley Maria, a mocinha da estória, uma negona gorda, vendedora de produtos da Avon, de acarajés e do próprio corpo, resolve sair para dar uma volta em seu iate particular.

Bruna: Banana Boat. Ela vai é de banana boat. Ela se amarra numa banana! (gargalha) Bruna Surfistinha– é... modelo.

Autor: (interrompendo) Então, ao descer da banana, Shirley Maria, a mocinha.../

Zé: Pein! Mocinha, (gargalha) mocinha onde? Isso aí é mais veia que o ronco! Parece um maracujá! Ai, ai.. Zé das Couve – feirante.

Autor: Ok. Shirley Maria, nossa mocinha, uma velha, contempla a praia, fazendo tricô enquanto relembra sua juventude e sorri.

Selma: Pein! Ela chora! Shirley Maria chora baldes! Ela ta com a espinhela caída! Ela deu um jeito na banana! Selma Má – irmã gêmea de famosa.

Autor: Shirley Maria chora porque sente um profundo remorso por tudo que tem feito e.../

Juciara – Pein! Ela morde seu novelo de lã para não gritar. E é aí que ela percebe que tem alguma coisa escondida dentro do novelo: um vidro de perfume! Ela percebe que engoliu metade do vidro e percebe também que não era perfume, era loló! ÒHHH! Shirley Maria fica completamente alucinada e sobe num palcão de lambaeróbica dançando e pulando até desmaiar! Juciara – anestesista.

Autor: (cortando) Então, cansada, culpada, desmaiada e drogada, Shirley Maria sente uma mão segurando a sua. Será que é o Mega Empresário Ricardo Valadares, que finalmente chegou para mudar completamente seu destino?

Bira: É nada! É a língua dum vira-lata que ta passando. Ele lambe a mão de Shirley Maria e ela então se apaixona por ele.

Autor: Pelo vira-lata?

Bira: Isso. Shirley Maria pratica sexo com animais! Bira Coelho – Zoófilo

Cachorro: Péin! Au, Au, au! Toby – cão de guarda concordando.

Autor: Ah não, assim já é demais! Pra mim chega! Eu não posso aceitar isso.

Bira: zoofilia?

Autor: Que o mocinho seja um vira-lata. Se é mocinho tem que ter pedigree.

Bira: Ele é vira-lata!

Autor: Isso é uma novela das oito.

Bira: É vira-lata!

Autor: Sem pedigree eu não posso aceitar.

Executivo: Pode sim. Cláusula 12 – item 9 : o autor deverá aceitar tudo, inclusive o casamento da heroína com um vira-lata sem pedigree.

Autor: Meu Deus! Mas que absurdo!

Executivo: São as regras da nova Novela.

Autor: Ok. São as regras. O que vale são as regras né? Pois bem. Mesmo ciente que seu par romântico é um vira-lata sem pedigree, Shirley Maria, cega de amor, decide levar a relação adiante e paparica seu amado de todas as formas: dando tapinhas na cabeça, dando ração importada, dando brinquedinhos, dando de 4. E dá `então à luz a 9 filhotes. Todos de uma vez e, é lógico, morre de parto. Fim.

Cachorro: (uiva – triste) Auuuuuuuu! Cão de guarda – chorando.

Executivo: Mas o que você fez? A gente tá no primeiro capítulo.

Autor: No contrato não há nada escrito sobre a quantidade de capítulos que a Nova Novela deve ter.

Executivo: Mas você não pode fazer isso, nós temos obrigações, patrocinadores. Temos que fazer pelo menos mais 200 capítulos. O que que eu faço agora?

Autor: Se vira. (sai)

Executivo: Ai meu deus... Eu não tenho condições de lidar com isso...

Voz em off: Tem que ter. Ta no seu contrato. Cláusula 9 item 3: na desistência do autor, o executivo da Nova Novela deverá se virar nos 30 para manter a trama no ar. Ordens da Direção.

Executivo: Ai Jesus...(o executivo o computador, e meio relutante acaba se sentando na frente dele): Helena acorda e vê que tudo não passou de um pesadelo, na verdade ela é uma linda e rica socialite que.../

Zeca: Pein! Não! Ela é passista da mangueira e assassinou o marido com golpes de plataforma na cara para ficar com a sua herança e.../

Executivo: Mas não sem mata alguém assim com sapatadas e..../

Voz em off: Não discuta. São as regras.

Luz vai caindo.

Bete: Pein! E aí ela vai montar uma escola de samba no Pólo Ártico. Ela vai criar uma ala de focas adestradas que rebolam e...



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Haja Fé de Cristina Fagundes

Música de casamento. Noiva e noivo no altar, padre celebrando a união.

Padre: Você José Antônio de Mattos aceita Aparecida Marinho como sua legítima esposa?

Noivo: Aceito.

Padre: Aceita ficar com ela na alegria e na tristeza, na fartura e na pobreza, na saúde e na doença?

Noivo: Aceito.

Padre: Aceita ficar com ela quando ela engordar?

Noivo: (pensa um pouco) Acho que sim.

Padre: Acha?

Noivo: Não. Aceito.

Padre: Não aceita?

Noivo: Não, eu disse que aceito. Sim, eu aceito ela assim mesmo, gorda.

Noiva: Gorda? Eu to gorda?!

Noivo: Ah, bebê, você deu uma engordadinha sim, olha aqui, ó... (aponta)

Noiva: (dá um tapa na mão dele) Que isso?

Padre: Pelo menos ele é sincero. E você, Aparecida Marinho aceita José... José... José de quê mesmo?

Noivo: José Antônio de Mattos

Padre: Claro! Desculpe. Desculpe. Você Aparecida Marinho aceita José Antônio... Antônio de quê mesmo?

Noivo: De Mattos.

Padre: Ah perdão. Aceita José Antônio de Mattos como...como.... (muda o como e vira pergunta) Aceita como?

Todo mundo sem entender.

Padre: Aceita como se ele te chamou de gorda? E Aceita pra que, minha filha? Pra quê? Pra se separar depois?

Espanto maior de todos.

Padre: Porque você ta gorda mas ele vai ficar careca, minha filha! Vai ficar careca!! Olha aí as entradas! Olha aqui ó...

Noivo: Me larga! (padre engalfinhado no noivo tentando mostrar as entradas dele para todos)

Padre: Taqui! Penteou pra cobrir a careca, mas olha aqui atrás, olha o buraco! (pra noiva) Ainda vai querer casar? Pensa bem.

Confusão. A noiva chora.


Padre: (cai em si e desabafa) Desculpa, desculpa, eu fui longe demais. Eu não devia ter feito isso. Mas eu não posso mais, entende? Eu não acredito mais em casamento! Eu perdi a fé! Perdi a fé!

Noiva: Que isso padre, você não pode fazer isso comigo...

Padre: Não posso? Vocês é que não podem! Tá pensando o quê? A culpa é de vocês, de vocês! A gente marca o casamento, eu gasto todo meu latim, vocês se comprometem a ficar juntos e pra quê? Pra quê? Daqui a um ano ta todo mundo separado!

Noivo: Não, mas com a gente não vai ser assim padre...

Padre: Mentira! Tudo mentira! Vocês são um bando de mentirosos, ficam aí me iludindo! Dizendo que vão se amar e se respeitar. Que vão morrer juntos. (ri debochando) Só se for em queda de avião. Hoje em dia só em queda de avião! E eu me envolvo, Ta me ouvindo, eu me envolvo! Eu acredito, eu faço planos, projeto filhos, projeto netos e nada. Nada! O casamento hoje em dia não dura um espirro.

Noiva: (pro Noivo) Zé faz alguma coisa!

Padre: Olha aí! Ta vendo? Nem casou e já ta cobrando. Não há mais respeito entre vocês, o respeito faliu! Bem-casado hoje em dia só o doce! Só o doce!

Noivo: Cadê a mulher do cerimonial?!

Noiva: Ai, os docinhos foram uma fortuna...

Padre: Olha ai! Nem casou e já tá pensando em dinheiro. Eu to falando, agora tudo é dinheiro, dinheiro! Não há mais amor. O amor faliu!

Noiva: O que que os convidados vão pensar?

Padre: Pensar? Ninguém mais pensa hoje em dia, não, minha filha, se pensasse não casava! Quem pensa não casa!

Noivo: O senhor está alterado!

Noiva: Ai, que vergonha, o meu ex-namorado ali vendo isso tudo...

Noivo: (puto) Que isso agora Aparecida?

Noiva: (sem graça) Não, nada. Ai padre vamos logo com isso!

Padre: Olha aí! Nem casou e já tá pensando no outro! Não há mais fidelidade hoje em dia!

Noiva: Mas eu sou fiel! Gente, eu sou fiel!

Padre: Mentira! A fidelidade faliu!

Noivo: (cochicha) Aparecida, eu só te traí uma vez.

Noiva: Que isso agora?

Padre: (num discurso pra platéia) Todos traem!

Noivo: Foi com a sua prima.

Noiva: Que prima?

Noivo: (aponta alguém da platéia) Aquela madrinha ali... de peitão.

Padre: A infidelidade ta no seio da família!

Noiva: Piranha!

Padre: A família faliu!

Noivo: Eu quis te contar a verdade antes da gente casar.

Noiva: Eu também.

Noivo: Também o quê?

Noiva: Te traí. Com o meu ex-namorado.

Noivo: Com ele?! (aponta)

Noivo: É, e o dele é maior que o seu! Pronto falei!

Padre: (pros noivos) Escuta! Hoje mesmo pela manhã, eu vinha vindo para a Igreja e com quem eu me deparo? Dona Rosilda, a mais pura das mulheres, a mais casta. Nunca gemeu na vida.

Noivo: E o que que essa Dona Rosilda tem a ver com/...


Padre: (interrompendo) Escuta: Dona Rosilda casou virgem, ta me ouvindo, virgem e aos 16 anos, com o meu companheiro de escola, o Adamastor.

Noiva: Pelo amor de deus Padre, ta todo mundo olhando, o senhor/

Padre (interrompendo): Dona Rosilda estava na calçada, oposta mas eu a vi. E o que que ela estava fazendo? Pois bem, Dona Rosilda, a última bem casada da Tijuca estava beijando o rapaz da padaria. E beijava de língua em plena luz do dia!

Noivo: (pra noiva-baixo-aponta o ex-namorado dela) Mas o dele é grande assim?

Padre: Eu não podia acreditar, atravessei a rua, tinha que me certificar. Foi então que eu ouvi. Ela gemia! Sim, Dona Rosilda gemia com o rapaz vesgo da padaria!

Noiva: (tempinho) Foda-se a Dona Rosilda padre! Eu quero me casar!

Padre: Escuta! Dona Rosilda gemia enquanto traía! Com o marido nunca deu um ai! Ta me ouvindo, nunca soltou um ai! Mas com o rapaz da padaria se desmanchava em ais. Ais, aisssss. Dona Rosilda virou ela toda um gemido.

Noiva: Padre, o senhor tem que terminar esse casamento! Começou agora tem que acabar!

Padre: Não posso mais. Vocês não entendem? Os gemidos da Dona Rosilda sepultaram minha fé! Hoje de manhã, com aquele gemido, o casamento faliu! Não consigo mais. Agora pode ir embora todo mundo. Vai! Podem espalhar a notícia, a partir de hoje o casamento faliu! (entra som de sinos e música de casamento) O casamento faliu! Tão me ouvindo? Faliu! (luz cai)



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De amor e de Trevas de Cristina Fagundes
Mulher abraça rapaz.

Ela: Parabéns meu filho!

Ele: É,18 anos, mãe.

Ela: (olha pra ele com um misto de ternura e tristeza)É, 18 anos... quem diria, o meu caçulinha, como passa rápido! (muda o tom, prática) Agora você já ta um homem. Já pode caminhar sozinho. Peraí que eu tenho uma coisa pra você (sai).

Ele: (alto – pra ela que saiu pra coxia) Que milagre essa casa vazia. È o meu presente?

Ela: (da coxia) Mais ou menos.

Ele: Cadê todo mundo?

Ela: (voltando) Já devem ta chegando.

Ele: Que isso mãe?

Ela: As suas coisas. Ta na hora de você seguir seu próprio caminho meu filho.

Ele: ....!

Ela: Ta tudo aí, o Playstation, aquela sua cuequinha.../

Ele: (ela a corta)/ Mãe, você mexeu nas minhas coisas?

Ela: E é melhor a gente se apressar que seu vôo sai daqui a pouco. Vem.

Ele: Mãe, que história é essa?

Ela: Você deve ta chegando em Brasília às onze horas e aí você tem que seguir direto pra esse endereço aqui ó. (dá um papel pra ele) Não vai perder esse papel, hein menino? Pelo amor de Deus! Agora vamos.

Ele: Eu não vou.

Ela: Como assim?

Ele: Como assim pergunto eu. Que maluquice é essa mãe? Hoje é o meu aniversário.

Ela: Por isso mesmo. Você tem que ir embora agora mesmo. Você ta me ouvindo?

Ele: Eu já disse que não vou. Vou viajar pra quê?

Ela: Mas você tem que ir! Tem que ir, ta me entendendo? Vambora, menino!

Ele: Mãe, que que ta acontecendo?

Ela: (ela olha pra ele intensa - tempo) Meu filho, você é um lobisomem.

Ele: Quê?

Ela: Você é um lobisomem. Hoje à meia noite você vai sofrer sua primeira transformação. Você vai vai virar lobisomem.

Ele: ....!

Ela: Eu sinto muito.

Ele: Você tem certeza?

Ela: (faz que sim com a cabeça).

Ele: Um lobisomem...

Ela: Você nunca desconfiou?

Ele: Não... se bem que eu sempre fui muito peludo, né?... pelo menos aqui embaixo(aponta virilha). Mas por que logo eu mãe?

Ela: Porque você é o nosso sétimo filho varão. (lamenta meio culpada) Eu achei que você fosse ser uma menina... devia ter feito ultra-som...

Ele: E agora?

Ela: Agora você vai ter que ir embora.

Ele: Mas eu não quero ir embora mãe.

Ela: Você vai viajar pra Brasília e vai procurar o Lula.

Ele: O presidente?

Ela: Isso, ele vai te ajudar. O Lula também é um Lobisomem.

Ele: Caramba!

Ela: Por isso que ele apóia o Sarney.

Ele: O Sarney também.../

Ela: (cortando ele) O Sarney é o líder Lobisomem no Brasil. Ele tem muito, muito poder. Ele tem poder até mesmo pra te proteger da gente.

Ele: Me proteger de vocês?

Ela: A partir de hoje nós somos inimigos mortais.

Ele: Mas mãe, vocês são a minha família, a minha casa é aqui...

Ela: Lobisomens e vampiros não podem dividir a mesma casa.

Ele: (tempo) Mas eu vou me comportar.

Ela: E eu não quero de ter bicho em casa!

Ele: Mas vai ser só nas noites de lua cheia!

Ela: Eu não quero você espalhando pêlos pelo sofá. Você não entende? Eu sou alérgica!

Ele: Mas a gente pode construir um canil e ai quando for lua cheia eu/

Ela: (corta) Não!

Ele: Você ta sendo fria comigo!

Ela: Você queria o quê? Eu sou uma vampira!

Ele: A gente pode estabelecer umas regras de convivência.

Ela: Tipo?

Ela: Tipo dividir a comida: eu fico com a carne e vocês com o sangue.

Ela: Não. No primeiro estresse você e seu pai vão acabar se matando.

Ele: (implica) Se matando como? Se a gente é imortal?

Ela: (suspira)

Ele: E a minha namorada?

Ela: Acabou. Lobisomens não namoram vampiras, isso só acontece em filme.

Ele: Mas eu gosto dela!

Ela: Ela vai acabar te sugando.

Ele: (malicioso) Até que não ia ser mau.

Ela: Meu filho, eu to falando sério. Eu sei que é difícil, é como se uma estaca de madeira partisse meu coração mas é preciso que você vá embora.

Ele: Mas eu não to preparado ainda mãe.

Ela: Mas ninguém nunca ta preparado pra vida não meu filho. Você vê, quantos anos eu tô? 715 e ainda não sei de nada.

Ele: Queria ver se fosse com você.

Ela: Olha, você vai ver como vai ser bom, você ainda tem tanta coisa pra conhecer, tanto cemitério, tanta encruzilhada. Tanto pra viver. A eternidade...

Ele: Eu não quero viver exilado.

Ela: E hoje é lua cheia, tá uma noite linda pra você se transformar...

Ele: Vocês são a minha família mãe.

Ela: Tá na hora de você começar a sua própria família, Nosferatus. Você não viu o seu primo, Venture, ele saiu de casa não tem nem 200 anos e já começou toda uma nova linhagem de vampiros, uma beleza. E você? Quando é que você vai fazer seu próprio clã?

Ele: Lobisomem não faz clã, faz matilha.

Ela: É. Você é diferente mesmo. É melhor ir embora.

Ele: Mas nós temos o mesmo sangue, mãe!

Ela: (nega) Tsss, tsss, tssss. Isso depende muito. Hoje por exemplo, o meu sangue é o sangue do Fluffy.

Ele: Mãe, você atacou o meu gato?!!! Você bebeu o sangue do Fluffy?

Ela: Ah, meu filho você ia viajar mesmo...

Ele: Eu não acredito!

Ela: Ele soltava tanto pêlo e além disso ele não ia se adaptar a Brasília. Gato não se adapta.

Ele: Eu te odeio!

Ela: Não grita comigo! (eles se estranham por um pequeno tempo – leves influências vampirescas e de lobisomem – eles ouvem um barulho) Escuta, deve ser seu pai! Ele foi comprar bala de prata pra te pegar! Anda! Vai embora! vai! (sentindo sua própria agressividade) Vai embora antes que seja tarde! Procura o Lula! (ele pega a mala e sai preocupado).

Ela: (suspira- exausta –fala sozinha). Anda meu filho, vai pra bem longe, se afasta da gente... ai, como é difícil se separar de um filho... (música estilo tango ou algo bonito e quase estranho.)



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Cinevida
Em meio a uma discussão:

Mulher: Como é que você foi fazer isso?! Quantas vezes a mamãe falou que não podia dormir assistindo à TV? Não pode dormir assistindo à TV!!

Homem: Mas eu não ia dormir.

Mulher: Desde pequeno que você sabe disso. Ninguém na família pode!

Homem: Mas eu não ia dormir, eu juro, deve ter sido o anti-alérgico que eu tomei.

Mulher: Você se lembra do que aconteceu com a Tia Selminha quando ela dormiu vendo Contatos Imediatos?

Homem: Não começa.

Mulher: Ela sumiu, ninguém nunca mais viu. Foi pro espaço.

Homem: Isso ninguém sabe. Você ta supondo.

Mulher: Ah, é? E o Vovô Noberto que dormiu vendo Titanic e acordou afogado?

Homem: Dá pra parar?

Mulher: Você ta cansado de saber do nosso problema com os filmes!

Homem: Eu não fiz por querer eu juro.

Mulher: A mamãe ta sabendo?

Homem: Eu ainda não contei pra ninguém.

Mulher: (numa súbita urgência) O que que você tava assistindo?

Homem: Um filme.

Mulher: Que filme?

Homem: Minority Report.

Mulher: É isso! É por isso que você ta tendo essas visões. Você ta fazendo o que os precogs fazem no filme, você ta adivinhando os crimes que vão acontecer no futuro.

Homem: Você já viu esse filme?

Mulher: Não mas me contaram a historia. O que que acontece com os Pregocs no final?

Homem: Não sei, eu dormi. Ai, ta acontecendo de novo: tem um cara... ele ta ta armado... Ele ta assaltando um banco, em Copacabana... É o meu banco! Ai, eu tenho que avisar a minha gerente!

Mulher: Carlos, pára! Pára e presta atenção. Desde quando isso ta acontecendo? Essas visões?

Homem: Desde que eu dormi vendo o filme, há uma semana. Mas elas tão ficando cada vez mais freqüentes. Hoje eu já vi 7 subornos e 12 desvios de verba. Isso só no Congresso. Mas tem outros crimes/

Mulher: (cortando ele)Ai meu Deus! Sua cinesensibilidade de prever crimes ta se mostrando muito forte! E com você morando no Rio de Janeiro, essas visões só tendem a aumentar.

Homem: E agora?

Mulher: Agora fudeu! A gente tem que fazer alguma coisa!

Homem: Fazer o quê? A cinesensibilidade não tem reversão! Depois que o processo começa não tem mais volta.

Mulher: Mas deve ter um jeito. Você não consegue ver nenhuma saída?

Homem: Não. Eu só vejo crimes. (tempo) Peraí, eu tive uma idéia! E se a gente cruzasse a Grande Linha?

Mulher: Ficou maluco? Você sabe que é proibido fazer isso. Ninguém nunca cruzou a Grande Linha.

Homem: Mas isso hoje vai mudar.

Mulher: Carlos, não faz isso! A gente jurou...

Homem: Hoje eu vou saber o que tem por trás da grande linha.

Mulher: Carlos! É perigoso! Volta aqui! Carlos! (ele vai até a beira do palco até a grande linha e sente como se fosse uma parede invisível que o impede de prosseguir, ele fica tentando,mas não há como cruzar essa parede.)

Homem: (pensativo) Não dá pra passar...

Mulher: (verificando também) É mesmo...

Homem: Por isso que é proibido vir até aqui. Pra gente não descobrir isso.

Mulher: O que será que tem lá do outro lado? Que esquisito. Parece até coisa de filme.

Homem: É isso! Por isso que a nossa família é tão estranha! Por isso essas coisas todas sem sentido. Como é que eu não descobri isso antes? Isso tudo é um filme. A gente vive dentro de um filme Mônica!

Mulher: Um filme...?

Homem: É, é por isso que a gente não consegue passar pro lado de lá. A Grande Linha é o que nos separa da realidade.

Mulher: Mas e essas suas visões?

Homem: Elas fazem parte do filme. A gente deve tá num filme de mistério.

Mulher: Deve tá mesmo, porque eu não to entendendo nada.

Homem: Presta atenção: Em todo filme tem sempre um herói que ta levando sua vidinha normal até que alguma coisa acontece e ele é obrigado a agir. É o que os roteiristas chamam de ponto de virada. Essas minhas visões são o ponto de virada do nosso filme.

Mulher: E você é o herói?

Homem: É, e agora eu vou tenho que agir pras fazer as coisas voltarem ao normal, entende? É assim que acontece nos filmes.

Mulher: Então eu sou a coadjuvante?

Homem: A gente tem que descobrir como reverter esse processo das visões. Mônica, você ta me ouvindo?

Mulher: Poxa, mas por que logo a coadjuvante?

Homem: Porque é assim que o filme foi feito, merda!

Mulher: Quem disse? E se a gente tiver dentro de um filme que ainda não foi feito? E se a gente tiver dentro de um roteiro, por exemplo?

Homem: Qual a diferença?

Mulher: É que num roteiro tudo ainda pode mudar. Até os personagens.

Homem: Hum... é uma hipótese.

Mulher: Nesse caso eu poderia virar a heroína por exemplo.

Homem: Mas heroína por que, se fui eu que tive as visões e não você? Se fosse você a heroína era para ter acontecido alguma coisa com você e não comigo.

Mulher: Mas aconteceu. Você começou a ter visões, me chamou e eu tive que agir.

Homem: Agir? Você não fez nada, Mônica. Fui eu que descobri tudo: o segredo da grande linha, que estamos dentro de um filme... E você? O que que você fez?

Mulher: Descobri que nós estamos num roteiro e não num filme.

Homem: Grande coisa. E daí?

Mulher: E daí que isso me deu ferramentas para mudar a história.

Homem: Como assim?

Mulher: Quando um roteiro tá sendo escrito, às vezes uma personagem vai ficando tão forte, mais tão forte, que passa a ditar o que o autor escreve. Ela adquiri vida própria e passa a apontar seus próprios caminhos, chegando a mudar completamente a história.

Homem: Do que você está falando?

Mulher: Do que ta acontecendo exatamente agora. Eu to mudando a história. O nosso filme agora não é mais de mistério. Agora ele é de terror.

Homem: De terror?

Mulher: É. È um filme B. Bem trash. É a historia de uma irmã que mata o irmão só para virar a personagem principal do filme.

Homem: (se sentindo mal). Perái, o que você está fazendo? Pára com isso Mônica! Ahh!!!

(ele cai morto)

Mulher: The end.


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Como a Vida É de Cristina Fagundes
Homem sentado em mesa de bar, toma algo e aguarda ansioso por alguém. Mulher entra no bar o vê e leva um susto, vira de costas para ele. Ele não a vê, entretido em arrumar uma flor margarida que está em seu bolso. Os dois estão com roupas de cor igual, tipo toda verde ou toda vermelha dos pés à cabeça, e ela segura uma margarina da mão, para facilitar o reconhecimento. Ele a vê de costas e a chama:

ELE: Lídia?...

ELA: (ainda de costas) Arthur?

ELE: (sorri, solicito, se levantando e puxando a cadeira)
Oi, você não quer sentar? (ela suspira fundo e se vira de frente pra ele – é a vez dele ficar surpreso).

ELE: Márcia!...

ELA: Bruno...

OS DOIS FALAM AO MESMO TEMPO
ELA: Então era você?
ELE: Caramba!

ELA: Gente...

SE SENTAM EM SILÊNCIO, SE OLHANDO AINDA SOB O CHOQUE. TEMPO.
ELA: Gente....que isso...

ELE: Então na verdade...

ELA: ... era você...

ELA: Gente, essas coisas só acontecem comigo. (lembra) E você ainda me disse que era bonito!

ELE: Ué mas eu sou. Não sou não?

ELA: (observa e nega) hum, hum.

ELE: Não?

ELA: Nunca foi.

ELE: Eu não sou bonito? (brinca penteando o cabelo de outro jeito, faz graça) E agora?

ELA: (ri dele) Ai, Bruno, só você. Aí, a margarida.

ELE: (mostra a dele) quer trocar?
OS DOIS RIEM

ELA: E só eu mesma pra marcar um encontro com meu próprio irmão.

ELE: Eu nunca pensei que você freqüentasse sala de bate-papo. Que engraçado.

ELA: Pois é, pra você vê como tá difícil encontrar alguém legal...

ELE: É, mas você devia tomar mais cuidado, antes de sair marcando um encontro assim, ta cheio de maluco na internet. E seu fosse um maluco? Um psicopata?

ELA: È, mas você não é maluco, você é o meu irmão, professor de física, certinho, casado/(se dá conta). Aliás, a Fernanda sabe que você fica marcando encontro com mulher pela internet?

ELE: Ah, eu não fico marcando encontro...

ELA: Ah, não? E isso aqui é o quê?

ELE: Ah, Márcia...

ELA: Você ia chifrar a Fernanda, Bruno? Com uma mulher linda em casa você fica catando mulher na internet? Pra quê?

ELE: ...

ELA: Eu sempre pensei que você fosse apaixonado pela Fernanda. Mas é tudo mentira então. O seu casamento é um mentira.

ELE: Não, não é mentira. Eu sou apaixonado pela Fernanda.

ELA: Então pra quê esses encontros? Que esse não é o primeiro, Bruno, pelo jeito como você fez as coisas, esse lance das margaridas, vocês já fez isso outras vezes.

ELE: Já fiz sim. Pronto. Você quer mesmo saber? Eu saio com outras mulheres sim. Eu saio, e daí?

ELA: Bruno, não fala isso, pelo amor de deus, que toda vez que alguém me fala que não tem homem fiel, eu digo: mentira, tem sim, tem sim que meu irmão é casado há 10 anos e ainda é apaixonado pela mulher dele. Nunca traiu a Fernanda, nunca traiu.

ELE: Márcia, você não sabe o que é ta casado com a mesma pessoa por 10 anos. As coisas mudam, o desejo diminui.

ELA: Mas não dá pra trabalhar isso? Não dá pra cultivar a relação?

ELE: A gente tenta, todo mundo tenta fazer isso, mas o desejo vai indo embora e aí quando você vê, você tem aquela mulher linda do teu lado, que você ama e que é tua companheira mas você não sente mais tesão por ela. É cruel mas é isso o que acontece.

ELA: Como assim não sente mais tesão? A Fernanda é linda. É um mulherão. Até eu quase sinto tesão por ela.

ELE: A Fernanda é linda sim, Márcia, mas mesmo que ela fosse a mulher mais linda do mundo, depois de 10 anos, ali ó, todo dia, todo dia, com a mesma mulher, não tem santo que agüente. Você começa a bater ponto. E bater ponto em sexo é o fim da linha pra um homem. È a morte.

ELA: Nossa Bruno, que exagero!

ELE: Sabe aquele fogo das primeiras trepadas? Esquece, se você for fiel mesmo, você nunca mais vai saber o que é isso.

ELA: Como não?

ELE: Uma milésima trepada, nunca vai ser igual a uma primeira trepada. È um fato.

ELA: Mas vai ser um puta trepada, você já conhece a pessoa, já sabe do que ela gosta...

ELE: Então, é justamente isso, você já sabe tudo. Então nem precisa mais trepar, você já sabe.

ELA: Mas então me explica como é que as pessoas passam 40, 50 anos casadas?

ELE: Abrindo mão do sexo.

ELA: Mas eles continuam transando.

ELE: Mas não é mais o sexo em tudo o que ele pode dar, sexo pra valer, é uma coisa diferente. Amor, talvez.

ELA: Mas deve ter um jeito de resgatar esse fogo do início.

ELE: Aí é que entram esses encontros pela internet.

ELA: Deve ter outro jeito.

ELE: Tem. Se separar. Conhecer outra pessoa e começar tudo de novo.

ELA: O sexo não pode ser assim incompatível com o casamento.

ELE: Pra começar, o casamento nunca teve associado ao amor ou ao sexo, de uns tempos pra cá é que a gente inventou isso. Ao longo da história o casamento sempre teve uma função muito mais política, de unir reinados, de evitar guerras, de criar sociedades. E era melhor assim, porque antes você não tinha essa obrigação de viver eternamente de pau duro pela mesma mulher.

ELA: que isso Bruno!

ELE: É a ditadura do pau duro!

ELA: Bruno, você virou um homem frio.

ELE: Realista.

ELA: Um iceberg.

ELE: Não dá pra ter o mesmo tesão pela mesma pessoa durante 10 anos, Márcia. Põe isso na tua cabeça.

ELA: Então você não gosta mais da Fernanda.

ELE: Gosto. Gosto sim. Mas sexo é outra coisa. Por isso que eu saio com outras mulheres, eu sinto falta de sexo. É isso. Sexo. Sabe sexo? Agora isso não tem nada a ver com o meu casamento, eu amo a Fernanda. Sou apaixonado por ela.

ELA: (suspira) Ai, Bruno, então o seu casamento é um mentira...

ELE: Se você quer pensar assim...

ELA: Agora já nem sei se eu quero mais conhecer alguém. Depois dessas coisas todas que você me falou, acho que eu não tava preparada pra ouvir/...

ELE: (cortando ela) Mas é bom ficar, é bom ficar, porque isso é a vida, Márcia. Como ela é. Agora deixa eu ir que eu ainda tenho que pegar o bolo e a Fernanda já deve ta me esperando. Taqui minha parte, ó. Tchau! ( se levanta e vai saindo) Você vai passar lá em casa mais tarde?

ELA: Claro, eu vou, Bruno, eu vou sim. Afinal não é todo dia que se comemoram 10 anos de casamento né?

FIM



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Visita da Morte – de Cristina Fagundes

Mulher no quarto, sentada na cama, na frente dela, a Morte, sentada numa cadeira, observando-a. Tempo. A mulher está estatelada olhando a Morte, não ousa fazer um movimento.

Morte: Você vai ficar assim, parada?

Mulher: Hum?!

Morte: Vai ficar me olhando?

Mulher: Desculpa, mas é que é a primeira vez que eu vejo a morte assim de frente.

Morte: E a última. (tempinho – cai na gargalhada) Brincadeira.

Mulher: Eu vou morrer?

Morte: Claro. Todo mundo vai.

Mulher: Você veio me buscar? Mas eu nem to doente. (espirra)

Morte: Viu? Isso é início de gripe suína.

Mulher: Ah, não, pelo amor de deus! Me leva pro hospital agora!

Morte: Se eu te levar não vai ser pro hospital. Quer mesmo que eu te leve?

Mulher: Me levar? Ah, não, não, pode me deixar aqui... não precisa me levar não... se bem que eu ando tão deprimida depois que o Miguel acabou comigo, até que não ia ser uma má idéia ir com você...

Morte: Raras vezes eu vejo alguém querendo a minha companhia.

Mulher: Olha, querer, querer, assim de verdade, eu não quero mesmo não, mas é que tá tudo tão difícil, ta tudo cinza depois que meu namoro acabou. E essa tristeza não passa! Será que eu vou ficar sofrendo assim até morrer?

Morte: Escuta uma coisa, você não vai morrer, não agora. Você vai ficar doente, muito doente, mas vai sobreviver. Então eu não vim aqui te buscar. Não dessa vez.

Mulher: Que que você veio fazer aqui então?

Morte: Vim trazer a gripe suína pra você. Eu preciso dessa gripe pra que você entenda certas coisas.

Mulher: Entender o quê?

Morte: Que essa cama ta ocupando um espaço grande demais na sua vida. Que já é curta.

Mulher: Curta? Ué, mas você acabou de me dizer que eu não vou morrer agora...

Morte: Agora não, mas você não vai viver assim... até ficar velhinha, se é que você me entende.

Mulher: Eu não vou ficar velhinha? Eu vou morrer quando?

Morte: Falar a idade certa seria uma indiscrição da minha parte, você não acha? Bom, digamos que antes dos 60. Sinto muito. Você vai morrer jovem. Por isso eu trouxe essa gripe pra você.

Mulher: Não to entendendo nada.

Morte: Todo mundo que sobrevive a uma doença grave passa a dar mais valor à vida. È ou não é? Com a morte por perto, a vida grita. Pois bem, de uns anos pra cá eu desenvolvi esse método, o método DGDV: doença grave didática para a vida. Eu visito as pessoas que vão viver menos de 60 anos e trago uma doença grave, aí vocês ficam doentes, acham que vão morrer e imediatamente passam a aproveitar melhor as suas vidas.

Mulher: Mas, gente, era só me falar: ei, garota, hello! Levanta dessa cama! Ò o sol lá fora!

Morte: Tss, Tss. Adoecer faz parte do método. E é didático. E eu gosto. Agora conta pra mim: qual é o mel da vida?

Mulher: Como assim?

Morte: O que que você gosta de fazer?

Mulher: Ah, sei lá, eu ando tão pra baixo, (pensa um pouco) ah, eu gosto... eu gosto do imponderável, sabe? Dessa coisa de acordar de manhã e não saber o que vai acontecer - (medo súbito) eu não vou morrer de morte anunciada não, né? Não, é que uma vez eu li um livro sobre um alpinista, uma história real, um desses caras que resolve subir o Everest. O cara subiu mas teve uma tempestade de gelo e ele despencou lá de cima e ficou pendurado no alto de um precipício, num lugar impossível de resgate. Então ele já sabia que ia morrer, estava consciente disso, ele não tinha mais água nem comida e tava muito frio.

Morte: Ah, eu me lembro disso...

Mulher: Então? Sabe o que ele fez? Ele pegou o celular e ligou para a família. Ele foi se despedindo de um a um até acabar a bateria do celular. Eu não quero morrer assim! Não quero ir me despedindo até acabar a bateria!

Morte: Ta, mas antes disso, você pensa em se casar, ter filhos?

Mulher: Ta difícil. O homem da minha vida era o Miguel, mas ele resolveu se casar com outra... legal né? (tempo) ah, tem um cara aí, ele é inteligente, sabe? È cheio de vida! Mas já é casado.

Morte: O Bruno é casado mas vai se separar assim que vocês começarem a namorar. E vocês vão começar a namorar hoje. Assim que eu for embora, você vai ligar para ele. Vai contar que ta gripada, ele vai te fazer rir e vai cuidar de você. O Bruno sempre gostou de você. Vai te enviar filmes do Wood Allen para te divertir, além de bilhetes espirituosos e aí quando você ficar boa, daqui há 10 dias, vocês vão sair pra passear na Lagoa, vão perceber que estão apaixonados, vão namorar, se casar e ser muito felizes. Vão ter um filho.

Mulher: Eu vou ter um filho? Mas como se o Bruno é estéril?

Morte: Ele não é estéril. A mulher dele é que é e põe a culpa nele, aliás, além de você, essa mentira vai ser o outro grande motivo da separação deles. Ah, vocês vão ter uma filha também. Daqui há 3 anos. Melissa.

Mulher: Melissa! É o nome da minha avó!

Morte: Vai ser uma homenagem, ela vai nascer com os mesmos olhos azuis-turquesa dela. Sua avó vai ter falecido uma semana antes disso.

Mulher: Que horror! Como é que você pôde fazer isso com a vovó?!

Morte: Vou levá-la dormindo. Ela nem vai sentir.

Mulher: Que bom/não, quer dizer/Mas como é que você pode saber disso tudo? Isso ainda nem aconteceu.

Morte: Tá escrito. Nos prontuários. Tudo anotado, minha filha, meu método é cientifico, eu nunca falho.

Mulher: Ai, mas eu vou ficar tendo um filho atrás do outro assim, que nem uma coelha? E o meu MBA?

Morte: MBA pra quê?

Mulher: Ué! Eu prometi ao meu pai, além disso ser atriz é muito incerto.

Morte: Incerta é a vida. Não perde tempo estudando o que não lhe diz nada, estuda shakeaspeare, Moliére, faz canto, faz dança, ri, anda de pedalinho, sonha, que a vida é curta Fabiana.

Mulher: Mas eu tenho que estudar se eu quiser...

Morte: Estuda a tua alma e vê o que ela ta pedindo. Agora eu tenho que ir, ainda tenho um monte de gente pra visitar na África hoje.

Mulher: Você visita todo mundo que vai morrer cedo?

Morte: Não, só os jovens deprimidos, mas vocês agora são tantos, to ficando com estafa.

Mulher: Você não vai me dizer mesmo quando é que eu vou morrer?

Morte: Você quer mesmo saber isso? Sua vida vai virar uma contagem regressiva. Aliás, de que ia adiantar eu te contar isso? Quando eu cruzar aquela porta ali, você não vai mais se lembrar de nada dessa nossa conversa. E é melhor assim. Você vai esquecer de tudo, mas vai começar a sentir uma vontade louca de viver e vai achar que foi por causa da gripe. Eis o método DGDV. (vai saindo)

Mulher: Ei! Então quer dizer que o Bruno sempre gostou de mim?

Morte: (confirma) Hum rum.

Mulher: E eu vou voltar a ser feliz?

Morte: Hum rum. A tristeza assusta, mas na verdade, ela é quase sempre mais tênue e breve do que parece. Vai por mim, disso eu entendo.

Mulher: Bom, obrigada pelos toques.

Morte: De nada. Liga pra ele. Tchau.

Mulher: A gente ainda vai voltar a se ver, né?

Morte: Ta com pressa?

Mulher: Não, não! de jeito nenhum... não mais....tchau, thau mesmo. (a Morte sai e a mulher sorri e adormece, mas acorda no mesmo instante, com uma vontade súbita – liga para alguém) Alô, Bruno? (ele fala alguma besteira – ela ri) Você reconheceu a minha voz! Desculpa eu te ligar assim, mas é que me deu uma vontade de falar com você... (música suave, ela rindo, luz caindo).

FIM


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MÚSICA SUAVE E BONITA – de Cristina Fagundes
Música suave e bonita, cena clássica de família, a dona de casa de avental entrando e saindo de cena colocando a mesa para o jantar, 3 lugares, o filho brincando com 3 carrinhos. Ela gosta do filho. Ela leva uma tigela de salada para colocar na mesa mas pára, de repente, no meio da ação. Silêncio, fica pensativa olhando a salada, não se mexe. Depois de um tempo, o filho estranha, olha a mãe parada, fala.
JOÃO: que foi mamãe? (ela não responde) Mamãe? (ela vai lentamente até a mesa e coloca a tigela de comida lá, limpa as mãos no avental lentamente e tira vai tirando o avental e dobrando, ri sozinha, solta os cabelos lentamente em silêncio, somente aí parece se dar conta do filho – se volta pra ele e diz)

ADELMINHA: Mamãe vai embora. Mamãe vai embora. Hoje. Agora. Ta? Mamãe vai embora. Quando seu pai chegar, pede pra ele passar o bife pra você. So falta passar o bife, já ta tudo pronto. (tempo – ela olha a casa como uma estranha) só falta passar o bife. (pra si) Passar o bife é fácil, difícil é casamento.

JOÃO: Papai já ta chegando?

ADELIMINHA: Vai chegar mas só daqui a pouco. Escuta João, eu acho que o papai hoje vai ficar nervoso, muito nervoso, mas isso passa viu?

JOÃO: Papai vai xingar?

ADELMINHA: Vai vai xingar muito, vai falar um monte de palavrão...

JOÃO: Que nem quando ele assiste futebol?

ADELMINHA: Pior, dessa vez vai ser pior. Ele vai falar mal da mamãe, mas você não acredita não, meu filho, é porque ele ta nervoso. Escuta aqui João, não importa o que o seu pai disser, o que a sua avó disser, o que o porteiro disser, eu te amo viu meu filho? muito muito muito. E escuta, amor de mãe é maior que a própria mãe, é maior que o universo é...

JOÃO: é maior que o campo de futebol lá da escola?

ADELIMINHA: É. É maior. E é eterno, amor de mãe é pra sempre. Então, não importa onde a mamãe vá, você vai ta sempre junto comigo. (aponta a cabeça e o coração) Aqui ó, e aqui. Não esquece isso ta?

JOÃO: Ta. Mas você vai pra onde mamãe?

ADELMINHA: Vou ser feliz meu filho. Sabe, todo mundo tem um sonho e sonho é uma coisa muito forte, sonho é que nem comida pra quem tem fome. Mais cedo ou mais tarde você tem que resolver. Senão você murcha, vai diminuindo, diminuindo até sumir.

JOÃO: Eu também tenho um sonho mamãe?

ADELIMNHA: Claro que tem, todo mundo tem, só que vc ainda não sabe qual é, mas um dia, você vai saber e aí meu filho, você vai ter que realizar, porque senão sua vida não vai ter mais graça. Ou você vai querer ser uma daquelas pessoas café com leite que nem sabem porque se levantam de manhã? Que só vão da casa pro trabalho e do trabalho pra casa, sem um sonho, sem nem saber porquê?

JOÃO: Você ta falando da tia Selminha?

ADELMINHA: Isso, da tia Selminha e de metade da humanidade, você quer ser assim?

JOÃO: Não né mãe.

ADELMINHA: Pois é, eu também não. Então eu tenho que ir embora.

JOÃO: Mas qual é o seu sonho mamãe?

ADELINHA: (ela pensa em como explicar e vai até os brinquedos dele) Você ta vendo esse carrinho João? É o seu preferido não é? Você adora brincar com ele não é? Adora, mas, você também gosta desse aqui e desse outro não gosta? Esse aqui é mais leve, já esse aqui faz um barulhinho gostoso quando roda né?. Mas e se você só pudesse brincar com esse? Você ia sentir falta dos outros dois não ia? Ia até enjoar de brincar com ele não ia?

JOÃO: Ia ficar de saco cheio!

ADELINHA: Então meu filho, comigo também é assim. Eu amo o seu pai, mas eu também quero conhecer outros carrinhos. Olha, a vida é muito curta viu? E é uma só. Se na minha única vida, que ainda por cima é curta, eu só conhecer o seu pai, eu não vou saber nunca como é que é brincar com os outros carrinhos. E se for legal? Até hoje eu só brinquei com o seu pai, ta na hora de eu experimentar outros carrinhos. Você ta entendendo o que eu to te dizendo meu filho?

JOÃO: Claro mamãe, cada carrinho é bom de um jeito né?

ADELINHA: Isso. Você entendeu. Agora, pro seu pai vai ser mais difícil entender. E sabe por quê? È que inventaram esse negócio chamado casamento que é como se fosse um contrato que diz, imagina só, que você só pode brincar com um único carrinho de cada vez.

JOÃO: Esse casamento é um saco mamãe! Por que que ele não deixa você brincar com o papai e com os outros carrinhos também?

ADELINHA: Porque ele é mau. O casamento é mau, aprende isso. Eu não consigo entender porque toda mulher quer ser casar. As mulheres nesse assunto são meio dementes. Mas eu não, eu sempre soube que o casamento é que nem circo do interior, quem ta fora quer entrar mas quem ta dentro quer sair. Só que a minha mãe era muito tradicional.

JOÃO: A vovó?

ADELINHA: Tradicionalíssima. Fazia questão que eu me cassasse de véu e grinalda: “a mulher só é decente na Igreja!” Ela dizia e me olhava de um jeito... Entrei na igreja como um boi entra num matadouro. Eu não caminhava na nave, eu me arrastava, porque eu sentia, a cada passo que eu dava, o meu sonho ficando nublado, por trás daquele tule branco. Eu também fui ficando nublada. Fui uma noiva-zumbi, letárgica, fantasmagórica. Naquele dia, naquele vestido branco apertado eu sufoquei meu sonho de ter vários carrinhos e nesses 10 anos nunca mais pensei nisso. Até hoje, quando eu olhei pra essa salada. Que coisa! São tantas folhas diferentes, cada uma de uma cor, e tão cheias de vida, e tão misturadas, molhadas...

JOÃO: Mas será que ainda dá tempo mamãe?

ADELINHA: O quê?

JOÃO: Ainda dá tempo de você conhecer outros carrinhos?

ADELINHA: Dá meu filho, se deus quiser ainda dá. Mas agora tem uma coisa importante que eu preciso explicar pra você antes de ir embora. O meu sonho não é tão simples assim. Ele é um sonho um pouco mais difícil de entender. È o seguinte, no meu sonho, os carrinhos, eles pagam para ficar comigo. Eu só topo brincar com os carrinhos que me pagam.

JOÃO: Mas e se eles não quiserem pagar mamãe, você fica sozinha?

ADELINHA: Ah, meu filho, sempre vai ter um que vai pagar. Ah vai. (tomada) Desde pequena que eu sonho com isso, eu parada numa esquina, toda bonita, numa esquina, os homens passando, os carrinhos, me olhando, eles me olham de cima a baixo, sentem o meu perfume, um perfume doce, almiscarado e me perguntam quanto custa , e aí eu sorrio maliciosa e dou meu preço e então eles pagam, meu filho, eles pagam só para estar comigo, só para desfrutar da minha companhia por uns poucos minutos. Só irei com quem me pagar! A partir de hoje, só pagando entende?

JOÃO: Mas é caro mamãe?

ADELINHA: Não, é barato, serei uma companhia barata, faço questão. Sou marxista. Mesmo assim vão me acusar de cobrar, de vender minha companhia, mas todo mundo não vende idéias, não vende suor, não vende a alma? Cada um vende o que pode ué. Mas você meu filho, você eu faço questão, você eu preciso, você vai me entender não vai? Uma mulher tem a obrigação de ser feliz você não acha?

JOÃO: Eu acho mamãe. Mas e se o papai quiser te ver?

ADELINHA: Agora só pagando. Mas escuta, meu filho, ta ficando tarde, eu tenho mesmo que ir.

JOÃO: Mas você não vai levar nenhuma roupa mamãe?

ADELINHA: Pra quê? Não quero roupa nenhuma me sufocando mais, nunca mais. Olha escova os dentes antes de dormir hein?

JOÃO: Você vai voltar?

ADELINHA: Passar bife é fácil, você vai ver. Difícil é casamento. Adeus. (música)


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RICARDÃO TERÁ QUE INDENIZAR MARIDO TRAÍDO
Humilhado pela infidelidade conjugal, um morador da Zona Oeste resolveu pedir indenização ao Ricardão. O processo correu em segredo de justiça.
EXTRA – CAPA – 26 de março de 2010
Saia Justa de Cristina Fagundes

OFICIAL DA JUSTIÇA: Bom, antes de concluir o processo nós vamos deixá-los a sós para que vocês possam conversar e tentar chegar a um acordo. (SAI)
MARIDO MULHER E AMANTE EM SALA RESERVADA DE TRIBUNAL, TENSOS.
SILÊNCIO CONSTRANGEDOR
AMANTE: 150 mil é muito.
MARIDO: Vc acha?
AMANTE: Pro que foi, eu acho.
MARIDO: Vc acha por quê?
AMANTE: Ah, porque já acabou e além disso a gente não fez tanta coisa... pra ser caro assim.
SILÊNCIO
AMANTE (para mulher): A gente fez alguma coisa de mais? Hã? Fala pra ele.
MULHER: (numa saia justa – O COMEÇO TODO DA CENA ELA FICA NUMA SAIA JUSTA ENTRE OS DOIS – a graça vem desse constrangimento): ... não...
AMANTE: viu?
MARIDO: 150 mil. É o que você vai me pagar.
AMANTE: Fala sério. (p mulher) Vc acha que o que a gente fez vale isso tudo?
MULHER: não...
AMANTE: Ah, então vc não achou bom?
MULHER: não, achei, achei.
MARIDO: Ah, vc gostou?
MULHER: Não...
AMANTE: Por que que vc pedia mais então?
MULHER:eu?
MARIDO: Vc pedia mais?!
AMANTE: Pedia repeteco sim. Toda vez. Mesmo assim, a gente trepou o quê, Flávia? Umas 150 vezes?
MULHER: ...
MARIDO: 150 VEZES?
AMANTE: Foi mais não foi não? Fala!
MULHER:..é ... por aí...
AMANTE: então, faz as contas, 150 mil, dá o quê? 10 mil por trepada. (pra ela) Vc não acha que é injusto?
MULHER: é, pensando assim...
MARIDO: O quê? Vc acha que eu to sendo injusto?!
MULHER: não...
AMANTE: ah, então você acha que eu tenho que pagar 150 mil?
MULHER: não... (enxuga suor do rosto).
MARIDO: Vc acha que eu não devia cobrar nada dele? È isso?
MULHER: não, cobra, pode cobrar.
AMANTE: (pra mulher) Vc ta mandando ele me cobrar?
MULHER: Não...
AMANTE: Vc quer que eu pague 150 mil?
MULHER: Não...
MARIDO: Ah, vc não quer que ele me pague?
MULHER: não...
AMANTE E MARIDO JUNTOS: Você quer o que Flávia?!
MULHER: TEMPO (enxuga mais suor da testa)
AMANTE: Eu nunca gozei.
MARIDO: Oi?
AMANTE: Eu nunca gozei com ela, então ta caro. 150 mil ta caro.
MULHER: Como assim?
AMANTE: Nunca gozei! Então não acho justo pagar essa indenização. Pronto, falei.
MULHER: você fingiu?
AMANTE: Homem Tb finge minha filha,( imita gemido) oh, uh!
MULHER: você...
AMANTE: Menti, menti e daí?
MULHER: Mas eu pensei que voc/
AMANTE: Pensou errado.
MULHER: Mas e tudo aquilo que vc fez comigo?
AMANTE: Fiz por fazer.
MULHER: Como assim?
AMANTE: Sou hiperativo. Eu preciso fazer coisas. È a vida.
SILÊNCIO – ela chora decepcionada - TEMPO
AMANTE: André, escuta. Isso foi um erro, cara. Não era pra ter acontecido. A gente sempre foi camarada, eu to arrependido. Ó, nunca mais eu vou olhar pra cara dela, se ela tiver num lugar eu saio, mudo até de calçada, te juro. Agora esquece essa indenização, cara, tu sabe que eu não tenho essa grana. Vamos deixar isso pra trás. Olha, a partir de hoje, a Flávia pra mim é homem.
MARIDO: (tempo) Por que que vc ta fazendo isso ?
AMANTE: Isso o quê?
MARIDO: Não trata a minha mulher assim.
AMANTE: que que eu to fazendo?
MARIDO: Vc ta desprezando ela. Ela não merece isso.
AMANTE: Não merece? Essa mulher te chifrou.
MARIDO: Acontece.
AMANTE: 150 vezes!
MARIDO: Você nunca se apaixonou?
AMANTE: Já mas/
MARIDO: Ela se apaixonou por vc.
AMANTE: Tá mas agora/
MARIDO: A minha mulher mudou por sua causa, Afrânio, a Flávia ta diferente. Tá mais bonita. Mais disposta... Sabe há quanto tempo eu não via minha mulher feliz assim? E agora vc quer ir embora?
AMANTE: Mas eu não tenho mais nada com el.../
MARIDO: Agora você vai ficar, ta me ouvindo?
AMANTE: Ficar?
MARIDO: Isso, o nosso acordo vai ser esse. Todo dia quando eu for trabalhar você vai ficar fazendo companhia pra flávia.
AMANTE: Mas eu não gosto mais dela.
MARIDO: Cala a boca.
AMANTE: Eu to afim de outra mulher.
MARIDO: Cala a boca e escuta: a partir de hoje não tem mais mulher nenhuma na sua vida, só a Flávia.
AMANTE: Mas eu...
MARIDO: Só a Flávia ta me ouvindo?
AMANTE: Mas eu não...
MARIDO: Ela gosta de vc.
AMANTE: Eu não posso continuar fazendo isso. Eu to saindo com a irmã dela cara. Com a Cleonice!
MARIDO: (fala lenta e ameaçadoramente) Vc quer me pagar 150 mil?
AMANTE: Pagar como? Tu sabe que eu não tenho esse dinhe/...
MARIDO: Então almoça amanhã com a minha mulher.
AMANTE: Mas e o dinheir.../
MARIDO: Vc agora almoça com a Flávia todo dia, ta me ouvindo? Todo santo dia.
AMANTE: E os 150 mil?
MARIDO: 150 mil? Que 150 mil? Não lembro...
MULHER: (TEMPO) (bem lasciva) Amanhã eu vou fazer tutu...
MARIDO: Amanhã às 11 em ponto, vc vem na minha casa comer o tutu. Vc vem comer o tutu da Flávia. Entendeu Afrânio?
AMANTE: ... (ainda impactado)... Tá, o tutu da Flávia, amanhã... pode deixar... (vai saindo).
MARIDO: Espera! Tem mais uma coisa. Vc vai comer o tutu da irmã dela também.
AMANTE: O tutu de quem?
MARIDO: O tutu da Cleonice Afrânio. Você vai comer o tutu da Cleonice também.
MULHER: (numa ternura rodrigueana) Cleonice é muito só. Ela vem me ajudar amanhã.
MARIDO: E eu vou assistir. Vou assistir de camarote! Amanhã Afrânio às 11h! Compreendeu? Esse é o nosso acordo.
AMANTE: amanhã, ta, ta certo... amanhã... (sai atordoado).
MARIDO: Liga pra Cleonice.
MULHER: (susurra amorosa) Posso chamar a prima Lurdes também? (pegando o celular)
MARIDO: chama! Chama a família toda! Chama que amanhã vai ter tutu pra dar e vender! (ele com um sorriso satisfeito )sobe um tango enigmático (que relação é essa gente?) – cai a luz)


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PREPARAR HERDEIRO EM VIDA REDUZ CHANCE DE PERDA DE PATRIMÔNIO FOLHA DE SÃO PAULO – IMÓVEIS - 11 DE ABRIL DE 2010
VOCAÇÃO, DE CRISTINA FAGUNDES

PAI: Então meus filhos, depois de 50 anos construindo nosso patrimônio, chegou a hora de passar o bastão. É. Seu pai tá cansado e alguém precisa começar a tocar os nossos negócios pra mim. Nós temos minas, indústrias, usinas atômicas, empresas de telecomunicações, de metereologia, de naves espaciais, de bonecas infláveis, mais que isso, temos franquias de cones e frozen yogurt que precisam ser geridas. Ah, em breve, vamos relançar também os Menudos. Bem, para administrar isso tudo eu conto com vocês. Sim. Vocês meus dois únicos filhos, que estudaram nas melhores universidades, moraram fora, falam línguas, enfim, que já estão mais do que preparados para assumir o meu lugar. Aliás,parabéns Beatrice Alcântara, pela conclusão de seu doutorado em bussiness em Harvard. Soube que você defendeu sua tese com louvor. A banca aplaudiu de pé. Em cima da mesa. Soube que contrataram até cheeleaders. Nunca vi uma banca tão efusiva. Você é Incrível. Parabéns minha filha, esse novo doutorado deve ter sido muito duro pra vc.
FILHA: Ah, papai, foi tão fácil...
PAI: Você também disse isso quando conquistou seu PhD em física quântica em Oxford.
FILHA: Ah, papai...
PAI: E quando aprendeu esperanto, sua décima segunda língua.
FILHA: ah, papai, depois de 10 linguas fica automático...
PAI: E quando foi a trapezista destaque do circo de soleil.
FILHA: Sempre gostei de ginástica...
PAI: Saltando em dupla com a Baleia Free Willie.
FILHA: Mas ela saltava tão bem...
PAI: Modesta. È o que você é minha filha. Modesta. Mas chegou a hora de você ter um cargo `a sua altura. A partir de hoje você ficará à frente das nossas 10 principais holdings de telecomunicações do sudeste asiático. Você será Vice-Presidente da Giga Asian Corporations.
FILHA: (meio decepcionada sem querer demonstrar) Vice-Presidente?
PAI: Sim.
FILHA: Da Giga Asian?
PAI: É. Que foi? Não gostou?
FILHA: Ah, papai, imagina, eu gostei sim, obrigada! Vai ser tão... desafiante. Vou ligar agora mesmo para os dirigentes mundiais. Vou marcar um coquetel na ONU pra comemorar!
PAI: ótima idéia filha! Chama o Obama e providencia bastante champanhe que o Lula bebe bem, você sabe.
FILHA: é verdade! Todo mundo sabe!
FILHA CORRE PARA O TELEFONE, SAI DE CENA. FICAM PAI E FILHO
PAI: Meu filho, eu deixei para falar com você por último porque, apesar de muito talentosa e dedicada, sua irmã não chega a seus pés em brilhantismo. Você sempre foi um talento, um gênio.
FILHO: (modesto) Que isso pai...
PAI: Pensa que eu não sei que foi vc quem deu deu aquele toque no Bil Gates... aquilo de fundar a Microsoft? Hein? E olha que vc ainda era um bebê. Você é um visionário meu filho.
FILHO: Ah, pai, também não é assim.
PAI: Não, me deixa falar, eu tenho muito orgulho de você meu filho. Vocè é um verdadeiro gênio. Isso não acontece sempre.
FILHO: Obrigado papai.
PAI: Pois bem, agora chegou a hora da minha sucessão e eu gostaria muito de aproveitar esse seu talento. E pensei que a melhor forma de fazer isso seria deixar que você mesmo escolha seu cargo. É. Que cargo você vai querer nas nossas empresas meu filho? Presidente da Mega Motors?
FILHO: Não pai, é um cargo realmente muito estimulante mas não é isso que eu quero.
PAI: Ambicioso você hein? Que tal Vice-Presidente de lançamentos da Apple?
FILHO: Não pai, é muito desafiador mas eu não quero, obrigado.
PAI: Então, diga você, meu filho, o que você quer ser?
FILHO: Ascensorista.
PAI: Oi?
FILHO: Ascensorista.
PAI: Não entendi.
FILHO: É o que eu sempre quis ser. Ascensorista.
PAI: Não ouvi bem.
FILHO: Quero ser ascensorista.
PAI: Como assim?
FILHO: Meu sonho é fazer o elevador subir e descer.
PAI: Seu sonho é o quê?
FILHO: Operar um elevador. Fazer ele subir e descer. Sabe? Sobe? Desce?
PAI...??
FILHO: É uma profissão tão linda... E todos aqueles botões? Hein? 1°, 7°, 13°, 25°, emergência! O que é aquele botão da emergência gente! È vermelho pai! Vermelho! Diferenciado! (num crescente) E vc fica lá sentado o dia todo. (tempinho) E as pessoas entram e saem. A porta abre e fecha... você vê os andares no mostrador! Ás vezes a porta vai fechar em cima da pessoa e vc tem que salvar!
PAI: o quê?
FILHO: (emocionado) Na verdade eu sempre senti que faltava alguma coisa sabe? Mesmo quando que ganhei meu primeiro Nobel de ciência pai, lembra, eu tava na high school, então? Mesmo naquele momento, com o Nobel na mão, eu senti que era algo maior o que eu queria. E aí há pouco tempo caiu a ficha. (tomado) Minha missão nesta vida é ser ascensorista. Eu nasci pra isso pai! (com medo) Mas eu não sei se eu dou conta... Eu tenho medo de não corresponder sabe? Será que eu... ai não sei, é que eu fico vendo o seu Malaquias lá da United Press e...
PAI: Seu Malaquias?
FILHO: É, (reverente) o seu Malaquias, o principal ascensorista da United pai. Ele trabalha lá há uns 15 anos, como é que você não sabe disso? O cara é foda! Vc acredita que ele só aperta o botão com o polegar? Podia ser qualquer outro dedo, mas não, é polegar! Que estilo cara! Que estilo! E o Juquinha, hã?
PAI: Juquinha?
FILHO: É. O Juquinha la do Manhatan Building! Pô tem que ver, o cara é bom naquilo, o cara é o melhor pai, e tem classe, tem que ver ele fazendo palavra cruzada. E ele faz uma cara neutra pai, mas uma cara tão neutra... Sobe. Desce. Não mexe um músculo. O cara é brilhante pai! Mas eu não quero ser que nem eles não...
PAI: Claro que não meu filho.
FILHO: Eu quero ter a minha própria assinatura de ascensorista entendeu? Meu próprio estilo.
PAI: ... (tempo – em estado de choque) ascensorista... (começa a se coçar)
FILHO: Ascensorista do Edifício Central.
PAI: Oi?
FILHO: Eu quero trabalhar no elevador do Edifício Central pai. Na carioca. Eu fiquei sabendo que vai abrir uma vaga lá esse mês pai.
PAI: No elevador do Edifício Central?
FILHO: É. O elevador de lá é antigo e vive quebrando! Vai ser um desafio pai. Um elevador que vive quebrando! Já pensou?! O senhor guarda essa vaga pra mim pai?
PAI: Guardar essa vaga?
FILHO: È. Por favor pai. Eu preciso dessa vaga. Mas não conta pra ninguém que foi você que me colocou lá, hein? Nem que você é meu pai. Que você sabe como é né? Eu não quero ninguém dizendo por aí depois que eu só consegui virar ascensorista por sua causa.
PAI: (tempo) Ai... ai meu peito.
FILHO: O que foi pai?
PAI: Eu não to me sentindo muito bem.
FILHA ENTRA: O que houve papai?
PAI: nada minha filha, foi o seu irmão.
FILHA: O que que ele fez?
PAI: Ah, minha filha, o seu irmão acabou de me contar aqui que quer ser... ascensorista.
FILHA: (pra o irmão) Vc contou para ele? !
FILHO: Contei.
FILHA: Como é que você teve coragem de fazer isso?
FILHO:...
PAI: Ascensorista...
FILHA: Ah, papai, não fica assim, toma, bebe essa água, vai te fazer bem. Isso agora senta aqui. Pronto, ta melhor?
FILHO: Tô, graças a Deus minha filha.
FILHA: Que bom papai, porque eu queria ter falar uma coisa.
PAI: O que minha filha?
FILHA: è que eu não queria ser Vice-Presidente da Gigal Corporations sabe?
PAI: Você não quer ser vice-presidente da.../
FILHA: Não papai. Na verdade, eu quero ser gari. Na Comlurb. É o que eu sempre quis ser papai. Gari. Acho tão lindo varrer, sabe, varrer? Só varrer? (continua a falar de como é bom ser gari, a luz vai caindo).
FIM.


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SEGREDOS Virou uma mania contar tudo que nos acontece; mas as mais graves, mais sérias, essas não se conta a ninguém
FOLHA DE SÃO PAULO – COTIDIANO – DOMINGO 04 DE ABRIL DE 2010
Cristina Fagundes

Menino sentando em frente a um Mickey, fala com ele. OBS- o Mickey deve ser um boneco mesmo, eu tenho para emprestar.
MENINO: ah... vc quer dormir comigo é? Quer dormir na minha cama é? Então tá. Mas eu acho que eu acho que vou ficar acordando com você lá na minha cama. Ò, só se você ficar bem quietinho. Você vai ficar quietinho?
ENTRA A MÃE:
MÃE: Que isso meu filho? Falando com esse Mickey de novo? Hein? Eu te fiz uma pergunta.
MENINO: Não to não mamãe.
MÃE: Tava falando sim que eu ouvi. Não mente pra mim Diguinho. Que é pior!
MENINO: ...
MÃE: Quantas vezes a mamãe já falou para você não conversar mais com esse boneco? Hã?
MENINO: Foi ele que puxou assunto mamãe.
MÃE: Ele fez o quê?!
MENINO: Ele puxou assunto mamãe.
MÃE: Ah ta, o boneco puxou assunto...
MENINO: Puxou. É que ele queria conversar comigo...
MÃE: Conversar? Ele queria conversar sobre o quê?
MENINO: Ele falou que ele queria dormir na minha cama...
MÃE: Dormir na sua cama?
MENINO: È, ele falou que ta muito sozinho lá no armário e que ele quer dormir comigo.
MÃE: Ele falou isso?
MENINO: Falou.
MÃE Ai, só me faltava essa agora! Um boneco carente!
MENINO: Ele pode dormir lá na minha cama comigo?
MÃE: Lugar de boneco é no armário Rodrigo. Eu já te falei isso. Mas que coisa!
MENINO: (tempinho – o menino não resiste e insiste) O Mickey disse que se eu deixar ele dormir comigo, que ele vai me fazer um carinho...
MÃE: Um carinho?
MENINO: é. Ele vai me fazer um sexo oral.
MÃE: Sex/ Que isso meu filho?!
MENINO: Então mamãe eu não sei. O que que é um sexo oral mamãe?
MÃE: Um sexo oral?
MENINO: É mamãe? E ereção? O que que é ereção mamãe?
MÃE: Quem te falou essas coisas meu filho?!
MENINO: O Mickey, ele me disse que tava com ereção mamãe.
MÃE: Ele te falou isso?
MENINO: Falou. Ele ta doente?
MÃE: Agora chega Rodrigo.
MENINO: Ele vai morrer?
MÃE: Chega!! Eu não quero mais você perto desse boneco você ta me ouvindo? Chega dessa brincadeira. Bonecos não falam. Vc ta ouvindo? Não falam! Isso tudo é maluquice da sua cabeça, é criancice! Agora vai já pro seu quarto! Tá de castigo anda!
MENINO: Posso me despedir dele?
MÃE: Já pro quarto!
MÃE FICA ABORRECIDA PENSANDO EM QUEM PODE TER FALADO ESSAS COISAS PARA O SEU FILHO. OLHA PRO BONECO. TEMPO.
MÃE: Boneco idiota. Você vai pra lixeira! Você ta me ouvindo?! Lixeira!
BONECO: Não grita.
MÃE: Que isso?
BONECO: Não precisa gritar, eu já ouvi.
MÃE: Meu deus! Você fala! Você fala mesmo!!!
BONECO: Você devia acreditar mais no seu filho.
MÃE: Você fala! Meu deus, é um monstro, é um erê! Foi você não foi? Foi você que falou aquelas barbaridades pro meu filho? Fala! Seu Mickey tarado. Eu vou tacar fogo em você, você vai ver, não sobrar nem o enchimento.
BONECO: Se eu fosse você eu não faria isso...
MÃE: Ah, é? E eu posso saber por que não?
BONECO: Eu sei de tudo.
MÃE: Sabe o quê?
BONECO: Do seu segredo.
MÃE: Eu não tenho segredo. Nunca tive.
BONECO: (ameaçador) Eu sei o que você faz quando o seu marido sai de casa.
MÃE: Como assim?
BONECO: Você pede pizza, delivery.
MÃE: E daí? Hã? Qual o problema de comer pizza?
BONECO: Nenhum. Só que não é bem a pizza que você come.
MÃE: Do que que você ta falando?
BONECO: Todo dia, quando o seu marido sai pro trabalho você pede uma pizza. Eu sei. Eu sei de tudo.
MÃE: Sabe do quê?
BONECO: Todo dia a pizza varia mas o entregador... ah o entregador é sempre o mesmo... sempre aquele negão.
MÃE Que negão?
BONECO: você sabe muito bem...
MÃE: Para com isso, pára...
BONECO: O negão da calça de couro...
MÃE: Não! Eu não...
BONECO: Sua taradinha, sua papa-negão!
MÃE: Shhh, fala baixo, por favor...
BONECO: Vocês mulheres não valem nada!
MÃE: Não fala assim.
BONECO: As bonecas é que são fiéis.
MÃE: Claro! Como é que elas iam pode ser infiéis se elas nem tem (ia falar xoxota mas ele corta)...
BONECO: Não muda de assunto. Todo dia hein? Nesse sofá!..
MÃE: Shh, pára com isso, por favor.
BONECO: Com o negão da calça de couro...
MÃE: Shhhh! Pára. Eu faço qualquer coisa, mas não conta isso pra ninguém eu te imploro. O que você quer? Fala!
BONECO: Fica de joelho. (a mulher vai fazendo o que o Mickey manda) . Fica de joelho. Isso. Agora vem cá. Isso, chega aqui pertinho. Agora alisa a minha cabeça. Isso, agora, desce, desce mais, aí... (ela vai fazendo sem graça- ela se depara com algo duro)
MÃE: nossa!
BONECO: È uma ereção.
MÃE: Poxa...
BONECO: Agora me beija.
MÃE: O quê?
BONECO: Me beija.
ELA BEIJA ELE NA BOCHECHA RÁPIDA E TIMIDAMENTE
BONECO: Na boca.
MULHER BEIJA O MICKEY NA BOCA A PRINCÍPIO A CONTRA GOSTO MAS COMO NOS FILMES ELA ACABA SE ENTREGANDO E... GOSTA MUITO. SENTA DO LADO DELE APÓS O FIM DO BEIJO IMPACTADA.
MULHER: Nossa....
BONECO: Gostou?
MULHER: Muito... (acende um cigarro e fica fumando olhando pra ele, sorri às vezes, recém-apaixonada! Música romântica - tempo...olhos nos olhos).
BONECO: E agora? (pensam no que vão fazer com esse amor todo que surgiu? – ela tem uma idéia)
MULHER: ...Quer dormir na minha cama?
Música romântica ou música do Mickey sobe. Luz cai. Fim.



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“NÃO SABIA QUE NÃO PODIA MAIS VENDER DROGAS NO MORRO” A declaração é de Darlan Barbosa, preso no Pavão-Pavãozinho, onde funciona uma UPP. Ele disse que não sabia porque saiu da cadeia há cinco dias.
Rio – O GLOBO – quinta-feira, 18 de março de 2010
SE VIRA MALANDRO de Cristina Fagundes
3 homens jogam cartas, são 3 bandidos, roupa velha, short, chinelo. Estão muito entediados. Passa senhora com roupa de piscina toda animada.
SENHORA: Fui! (cruza o palco e sai para a coxia do camarim).
HOMEM 1: Perái mãe, pronde é que tu vai?
SENHORA: Pra hidroginástica.
HOMEM1: Pra onde?
SENHORA: Pra hidroginástica.
HOMEM1: Que porra é essa agora?
SENHORA: è a UPP.
HOMEM1: Que que tem?
SENHORA: A Policia Pacificadora agora ta oferecendo hidroginástica pra gente aqui no morro meu filho.
HOMEM1: ah é? Onde?
SENHORA: Na praça central, olha aqui. (mostra um panfleto). E não é só isso não, tem um monte de atividade, olha só, tem futebol de salão, danças folclóricas, alemão...
HOMEM1: (Sobressaltado com a palavra alemão que significa policia ) Alemão?!
SENHORA: É e balé também olha aqui, se vc quiser se matricular vc...
HOMEM1: Que porra é essa? Isso é polícia ou é clube?
SENHORA: E eles são tão preparados, olha aqui (mostra um panfleto) quem dá a aula de hidroginástica é o cabo Vasconcelos, formado em educação física na UFRJ com pós-graduação em percussão afro-cubana, gente que policia né?
HOMEM1: Ai, mãe, tu num ia visitar o Darlan lá na cadeia?
SENHORA: Eu não.
HOMEM1: Que isso mãe, o Darlan é teu filho. Sangue do teu sangue.
SENHORA: Ah, tenha dó, jaceilton.
HOMEM1: Tu num vai visitar ele pq mãe? Posso saber?
SENHORA1: Ah,meu filho, mó mico né? (Imita debochando o filho preso): Ai, eu num sabia que num pudia mais vender droga... eu não sabia... porra fala sério!
HOMEM1: Po mãe, mas como é que ele ia saber? O Darlan tava preso.
SENHORA1: Ah, é? Mas vc num tava. Vc não avisou a ele por que?
HOMEM1: Po mãe, eu nem sabia que a upp tinha chegado lá no Pavão.
SENHORA1: Vcs tem que ser mais ligados pô, o morro mudou. Sacou? O bagulho agora é outro. Agora vcs ficam aí dando mole pra cojaque... Eu é que não vou lá. Filho meu não é Mané não. Vou na hidro, Fui. (cantarola) Cabo Vasconcelos, já to innnnndo...!! (sai)
HOMEM1: Peraí! Mamãe. (mas ela já saiu – fala pros comparsas) Caramba agora até a minha mãe.
HOMEM3: Aí patrão, eu não queria falar não mas... eu bem vi a Dona Jurema outro dia dedurando o Ratazana no disque denúncia.
HOMEM1: Ai, rapaziada, pra mim chega valeu? Esses UPP aí bundão tão pensando o quê? Aqui não é a casa da mãe Joana não meu irmão. Aqui é a favela! Vamos lá nessa porra e vamos dar um exculacho nesse cabo Vasconcelos e vai ser agora. Vambora cambada. (NINGUÉM SE MEXE). Simbora porra! (NINGUÉM SE MEXE) Ih, qual foi?
HOMEM2: Ai, Chinelão, tu sabe que nós é irmão que nós ta junto contigo pro que for...
HOMEM3: Podes crer nos é parcero mermo e tamo contigo nessa luta mas é que esse cabo aí...
HOMEM1: Que que tem?
HOMEM2:... esse é o cabo é o da aula de caratê...
HOMEM1: Foda-se, mermão, eu sou sujeito homem, tem medo de cabo não. Que que há?
HOMEM3: Diz que o cara é faixa preta ta ligado?
HOMEM1: Po mesmo assim.
HOMEM3: Quarto Dan e o caralho.
HOMEM1: (cada vez menos convicto) mesmo assim.
HOMEM2: O cara é ninja meu irmão.
HOMEM1: (pensa melhor- tosse) a gente chama reforço então. Cadê aquele avião forte, que faz as entrega pra gente, o Bigorna?
HOMEM2: Então, isso que eu to querendo dizer, o Bigorna e o Machadão tão sendo os monitor dele nas aulas de caratê.
HOMEM1: Porra essa UPP ta sufocando geral! ta foda mermão, o políça chata! Tomá no cú! (fica andando agitado) Temo que fazer alguma coisa. Me dá uma branquinha aí o Chulé.
HOMEM3: Tem mais não patrão.
HOMEM1: Num to falando pra entrega não to falando pra consumo porra, vamo cheirar uma branquinha e vamos resolver essa parada é agora.
HOMEM3: Tem não chefia, acabou.
HOMEM1: Então vamos fumar um pra ver se a gente tem umas idéia.
HOMEM3: Num tem não patrão, acabou o bagulho geral.
HOMEM1: Então me dá um cigarro.
HOMEM3: Tem não. Tamo na lona.
HOMEM1: (tem uma idéia) Já sei! Vamos ser malandro, a gente não tem, mas a gente finge que tem. Vamos soltar fogos e fingir que chegou carregamento!
HOMEM2: Tá proibido. Fogos agora só no São João.
HOMEM1: Então vamos dar tiro pro alto, me dá um fuzil aí.
HOMEM2: Só sobrou essa faca. (dá uma faca de manteiga). (decepção)
HOMEM1: Os caras do governo pensaram em tudo, botaram uma polícia que mora no morro,sufocaro as droga, acabaro com os crime, eles pensaram em tudo mermo... Mas num pensaram na gente não? E a gente que é traficante a gente faz o quê? A gente faz o quÊ agora com essa pôrra de UPP? Fica jogando carta? Eu sou sujeito homem, porra, nascido e criado no morro, ralei pra caralho para chegar até aqui, pensa que foi fácil, maluco tudo quereno a minha cabeça, querendo ta no meu lugar. 20 anos no crime e agora querem me deixar sem emprego? Essa gente num tem coração não? Eu tenho talento pô. E eu só sei fazer isso. E agora? Como é que vai ser? Eu tenho 5 mulher para sustentar põxa... (eles ficam chateados pensando nessa “injustiça” – tempo).
HOMEM3: E se a gente chamasse a Comandante lá da UPP pra conversar?
HOMEM1: Ainda por cima botaram mulher no comando dessa porra, que é para humilhar mermo.
HOMEM2: Já sei, vamos dar uma prova de força pra mostrar que quem manda no morro ainda é a gente!
HOMEM1: Boa, Formiga! É isso que a gente precisa. É o seguinte. Vamos pegar aquele maluco magrinho que dedurou o meu irmão e vamos mandar ele pro microondas.
HOMEM3: Ai, chefia, ta ruim.
HOMEM1: Qual foi, o magrinho ta com proteção da UPP?
HOMEM3: não, é que o microondas virou uma padaria. Ordem da UPP.
HOMEM1: Como é que tu sabe?
HOMEM3: (sem graça) É... ah, eu fiquei sabendo...
HOMEM2: (dedura) Aí patrão, o Picadinho ta usando o bagulho da INTERNET sem fio lá na UPP.
HOMEM1: Qual foi Picadinho, tu ta virando Alemão também, ta se bandeando?
HOMEM3: Né não patrão. É que como a gente num ta podendo descer, daí eu achei que podia ser bom pra gente ispioná melhor os cara.
HOMEM1: Fica ligado hein Picadinho. (muda de assunto) Aí, vou lançar a parada. Nós vamos fazer uma letra de funk contando os podre todo da UPP...
HOMEM2: Mas eles não num fazem nada errado chefia.
HOMEM1: Foda-se vamo inventar então, vamos dizer que eles tão comendo criancinha, que tão roubando dentadura sei lá, vamo pixar os cara geral, daí a gente paga um MC pra tocar isso no baile no sábado. Sacou?
HOMEM3: Dá não. O cabo Djavan é que promove os bailes agora. Agora só toca se o cabo Djavan gostar.
HOMEM1: Isso é censura caralho!
HOMEM3: E ele só gosta de música educativa.
HOMEM1: Agora ele se fudeu que a rapaziada do funk vai detonar ele!
HOMEM2: (discorda)Ts Ts! A rapaziada aprovou as letra educativa geral. Tem gente passando no vestibular só por causa das letra educativa do cabo Djavan. (Canta trecho em ritmo de funk) : “2 mais 2 são 4, 3 mais 3 são 6 acertar a tabuada é tarefa de vocês!”
HOMEM1: Já to ficando puto com essa poliça Poliana! UPP – Puliça Poliana! Puta que o pariu!
HOMEM2: Calma Chefia.
HOMEM1: Calma é o Caralho. Chama a tua irmã aí pra me fazer uns cafuné.
HOMEM2: Então...(cheio de dedos) A Jucilene mandou te avisar que não pode mais fazer cafuné no patrão porque ela agora ta fazendo cafuné num outro aí.
HOMEM1: Como assim? Quem é esse cara?
HOMEM2: Então... A Jucilene entrou na hidroginástica também... e aí né...
SILÊNCIO CONSTRANGEDOR – ELA ESTÁ COM O CABO VASCONCELOS
HOMEM1: (tempo – muito puto) Até quando vai durar essa merda dessa UPP?
HOMEM3: Ah, pelo menos até 2016. Eles tão abrindo vaga na Academia de Policia chefia. Eles disseram que querem mais 3.500 policiais nas UPP até o final do ano.
HOMEM1: Tu viu isso quando?
HOMEM3: Hoje de manhã, lá na internet. As inscrições começam hoje.
HOMEM1: Hum. 3.500 policias só pras UPPS?
HOMEM2: (achando muita gente) Porra...!
HOMEM1: Vambora Cambada, borá! Chegou a hora de agir!
HOMEM2: Qual foi patrão?
HOMEM3: Vamos fazer o quê?
HOMEM1: Vamos se inscrever nessa porra dessa Academia de POliça e vai ser agora! Vamos ser UPP geral mermão! UPP desde criancinha! Bora! Bora!
(musica de morro – eles saem – fim)


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LENTES DO AMOR A CIDADE PELAS LENTES DOS LAMBE-LAMBES
Iphan faz levantamento para localizar fotógrafos de jardim; alguns ainda resistem em praças
O GLOBO – RIO – 14 DE MARÇO
Cristina Fagundes

Sugiro que tenha uma foto de máquina lambe-lambe no telão.
Música cândida, suave.
Senhora senta num banco de praça de um jardim do Rio. Senhor já está sentado num banco ao lado. Ele come pipoca com tranqüilidade. Ela olha em volta, olha o relógio, procura algo.
SENHORA: Oi, desculpa. É que me disseram que tem um fotógrafo que trabalha aqui nesse parque.
SENHOR: Um fotógrafo?
SENHORA: é. Um lambe-lambe. Aqueles fotógrafos antigos...
SENHOR: ah é? Quem te falou isso?
SENHORA: O pipoqueiro.
SENHOR: Ah, o Elias.
SENHORA: Você conhece ele?
SENHOR: Claro o Elias é meu amigo faz tempo.
SENHORA: Engraçado.
SENHOR: O quê?
SENHORA: Eu nunca tive um amigo pipoqueiro.
SENHOR: Pois devia ter. Essa pipoca aqui foi ele que me deu. Tá ótima, vc quer?
SENHORA: Não obrigada, ah, eu queria era encontrar esse lambe-lambe.
SENHOR: (levanta-se e caminha até o banco dela) Já encontrou. Prazer. Edgar.
SENHORA: Ué, é você?
SENHOR: A seu dispor.
SENHORA: (fica desconfiada) Mas cadê a sua máquina?
SENHOR: Tá lá na administração.
SENHORA: (mais desconfiada – um fotógrafo sem máquina?) ah...
SENHOR: È que tá na minha hora de almoço.
SENHORA: Sei... (tempo) Mas como é que as pessoas vão saber que você é fotógrafo se você não traz a máquina?
SENHOR: Quem vem aqui geralmente já me conhece.
SENHORA: Mas e se vier alguém assim desavisado que nem eu e aparecer bem na hora do almoço?
SENHOR: Ah, não vem não. Difícil. So aparece cliente antigo, ainda assim cada vez menos. As pessoas acham que nem existe mais lambe-lambe no Rio.
SENHORA: É mesmo. É verdade. Eu achava que nem tinha mais....mas ia ser uma pena né? Porque eu acho uma coisa assim tão romântica...
SENHOR: (ri) o que que é romântico?
SENHORA: Ah, tirar essas fotos nessa máquina antiga, desse jeito assim artesanal... porque que é chamam de lambe-lambe hein?
SENHOR: Ah, é porque a gente lambe o dedo e passa na chapa pra sentir de que lado ta e emulsão.
SENHORA: ah... lambe-lambe...
SENHORA: Mas então, a senhora vai querer fazer uma foto?
SENHORA: (fica desperta – séria) Ah, então. É que andei pensando e... como é que eu vou dizer isso? Bom, é que eu tenho um filho que ta preso. Ele é uma pessoa muito boa e tudo, mas aconteceu isso na vida dele e... enfim...
SENHOR: Poxa, que pena. Mas ele ainda vai ficar preso muito tempo?
SENHORA: Vai. Vai ficar preso a vida inteira. Mas ele é um menino muito bom.
SENHOR: Hum rum...
SENHORA: È que ele não teve sorte na vida mesmo. Ele não fez nada pra merecer isso.
SENHOR: Mas o que que aconteceu?
SENHORA: Ele matou o pai dele.
SENHOR: Matou o pai?!
SENHORA: Mas não fui eu que mandei não. Ele fez por conta própria. E eu até entendo o gesto dele mas eu achei desnecessário.
SENHOR: Ele matou o seu marido?
SENHORA: (Concorda com a cabeça) Dez facadas. Eu ainda falei pra ele: meu filho, pra que isso agora? Precisava isso tudo? Mas você sabe como é a juventude hoje em dia, eles acham que sabem tudo.
SENHOR: Isso aconteceu quando?
SENHORA: Ah, já faz 20 anos. Mas então. O meu menino vai passar a vida toda dele naquela caixa de cimento porque me salvou do pai dele. Então, depois de visitar o meu filho hoje de manhã, eu pensei com os meu botões e eu resolvi fazer uma coisa por ele. A partir de hoje eu vou tirar fotos dos jardins mais bonitos do Rio e vou mandar para ele. O meu filho ta preso, nunca mais na vida ele vai poder pisar num jardim, mas eu vou levar os jardins até ele. Todo dia o meu filho vai acordar rodeado de flores.
SENHOR: É um gesto bonito.
SENHORA: É. As pessoas quando pensam em prisão pensam que o pior de ta preso é não poder sair de lá. Não, o pior não é a prisão do corpo, o pior é a prisão do olhar. A pessoa quando é presa perde o direito de olhar o mundo. Nunca mais meu filho vai poder olhar um jardim, nunca mais o meu filho vai poder olhar o mundo... Eu demorei a me dar conta disso... só percebi hoje quando ele me perguntou de que cor tinha sido o por do sol ontem. (TEMPO) Então eu queria pedir para o senhor visitar esses jardins comigo e me ajudar a tirar essas fotos. Você pode fazer isso por mim? Eu pago.
SENHOR: Claro. Faço com o maior prazer. Eu conheço muitos jardins bonitos aqui no Rio... mas eu acho melhor a senhora conhecer o meu trabalho antes... olha aqui, eu tenho algumas fotos aqui comigo. (abre um álbum onde se vêem fotos de várias famílias –sugiro projeção das fotos no telão) . Olha essa aqui...
SENHORA: (vendo uma foto de familia) Nossa, que família bonita... deve ser bom ter uma família né? Eu não tenho ninguém... (se emociona). Desculpa.
SENHOR: (fica com pena e decide relevar um segredo) Olha, já que a gente ta se abrindo, eu vou contar uma coisa pra senhora. (faz suspense) Muitas das fotos que eu tiro de família não são de família.
SENHORA: como assim?
SENHOR: São fachada. Não são uma família de verdade.
SENHORA: Ué, são o que então?
SENHOR: São pessoas contratas.
SENHORA: Hã?...
SENHORA: Ás vezes é uma solteirona ou é um cara que veio de outro país e quer mostrar para os pais que ta bem, que conseguiu vencer na vida, formar uma família...
SENHORA: Então é tudo mentira?
SENHORA: é. Olha aqui, essa foto mesma, ta vendo essa mulher e essas crianças? São contratadas.
SENHORA: O quê?
SENHOR: Eu paguei.
SENHORA: Como assim?! Essa mulher não é a esposa dele?
SENHOR: Ela é a jardineira aqui do parque. A Suelly. E ele... ele é gay.
SENHORA: Ele é gay?
SENHOR: Agora, tá vendo esse homem aqui (mostrando outra foto)?
SENHORA: To, que que tem ele?
SENHOR: Olha bem.
SENHORA: Deixa eu botar o meu óculos... Meu Deus! É o pipoqueiro! Essa é a família dele?
SENHOR: Não, ele foi contratado pra ser o marido dessa mulher nessa foto.
SENHORA: Então ... ela não tem família?
SENHORA: Não, ela não tem tempo. Ela é uma alta executiva. (com seriedade) É triste dizer, mas hoje em dia, com essa correria, só quem tem família é funcionário público.
SENHORA: Meu deus, então é tudo armação! Mas porque essas pessoas fazem isso?
SENHOR: Ninguém quer a solidão. E um retrato da família na sala de estar sempre dá credibilidade.
SENHORA: É verdade! O meu médico tem uma foto dessa no consultório dele!
SENHOR: Viu só?
SENHORA: (se dando conta) E eu só confio nele por causa dessa foto. ..
SENHOR: Engraçado né? Mas é isso mesmo, o tempo vai passando e chega uma hora que o seu sucesso na vida começa a ser medido não mais pelo que você quer conquistar, mas pelo que você já conquistou. As pessoas começam a te medir pelo que você já fez, pelo que você já conseguiu... Aí, se você não conseguiu construir uma boa carreira, fazer uma família, comprar uma casa, então tá na hora de fazer uma fotografia. Essas pessoas me procuram pra isso, pra se livrarem dessa opressão. Eu uso a fotografia como um instrumento de libertação.
SENHORA: (com admiração) O senhor é um artista.
SENHOR: (digno) Obrigado.
SENHORA: Mas então todas essas famílias são falsas?
SENHOR: Não, as mais antigas são de famílias de verdade, olha essa aqui que bonita. É de verdade. (mostra)
SENHORA: Mas e vc? Não tem nenhuma foto aqui da sua família?
SENHOR: Não. Da minha família não.
SENHORA: Mas por quê?
SENHOR: (hesita, tímido)...Eu não tenho família...
SENHORA: Você não tem família?
SENHOR: (Sem graça) Eu passei a minha vida toda viajando pelo mundo para tirar fotos e o tempo foi passando...
SENHORA: Então você também é só?
SENHOR: Sou.
SENHORA: Ah, mas isso não vai ficar assim, não senhor. Vamos fazer o seguinte, antes da gente tirar as fotos dos jardins a gente vai dar um pulo na prisão então. Eu vou te apresentar pro meu filho e a gente vai fazer uma foto bem bonita com você.
SENHOR: O seu filho?
SENHORA: Ele e eu. Nós dois vamos tirar uma foto com você, assim quando você for mostrar seu trabalho para os seus clientes, o senhor vai poder mostrar também a sua família pra eles.
SENHOR: (tocado) Vocês fariam isso por mim?
SENHORA: Claro! O meu filho é um bom menino, ele exagerou nas facadas mas é um bom menino, você vai adorar conhecer. Mas agora me conta, onde é que tem um jardim bem bonito nessa cidade pra gente começar?
SENHOR: (LUZ VAI CAINDO – MÚSICA BONITA – A CENA ACABA COMO SE ELES FOSSEM CONVERSAR AINDA POR UM BOM TEMPO – a última frase já nem é pra se ouvir) Tem um parque lá em vargem grande... você vai ver que beleza... eu conheço o Rio com a palma da minha mão.../

fim



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Manchete PAIS DEIXAM FILHOS SOZINHOS PARA IR A FORRÓ
As cinco crianças, entre 1 e 9 anos foram encontradas por policiais
Jornal O Globo – O País – 08 de março de 2010
SAPATILHAS DE AÇO – DE CRISTINA FAGUNDES

MULHER: Você ta vendo? Eu falei pra vc dar o lexotan para elas antes de sair. Eu num falei?
HOMEM: Eu ia dar, eu juro que eu ia, só que eu não encontrei...
MULHER: Burro! Não sabe procurar nada! Agora a gente vai perder a guarda das nossas filhas! Ta vendo só o que você fez?
HOMEM: Mas eu não fiz nada!
MULHER: Exatamente. Se você tivesse dado o lexotan como a gente combinou elas iam ter ficado dormindo e ninguém ia descobrir que a gente foi pro forró...
HOMEM: ah ta, tudo eu. Tudo eu! E por que que sou sempre eu que tenho que dar lexotan pra elas? E vc que esqueceu elas lá na feira de São Cristovão?
MULHER: Eu? Quando?
HOMEM: No dia do Trio Forrozão.
MULHER: Ué, as crianças foram com a gente?
HOMEM: Acho que sim. Eram elas não eram?
MULHER: Ah Aloísio, como é que eu vou saber? Vc sabe muito bem que em forro eu só olho pra baixo, eu só olho pro pé das pessoas que é pra aprender os passos.
HOMEM: Ué mas eu também. Mas eu acho que a gente eram elas sim Gorete, que a gente até comprou uma sandalinha de couro pra mais velha...
MULHER: Que mais velha?
HOMEM: A Gonzagona.
MULHER: Quem?
HOMEM: Ih Gorete, deixa pra lá... olha a juíza aí.
ENTRA JUÍZA DE MENORES.
JUÍZA: Boa Tarde. Muito bem pelo que consta aqui no relatório vocês abandonaram as suas filhas para ir a um forró não é isso?
HOMEM: Abandonar, abandonar a gente não abandonou não...
MULHER: A gente esqueceu...
JUÍZA: Não foi o que disse a vizinha da casa em frente, olha aqui, de acordo com a senhora Aparecida Mexerica/
VIZINHA: (Surge evocando o depoimento prestado – é uma fofoqueira) Aqueles dois vivem largando as crianças pelos cantos para ir pro forró! Todo dia é isso. È forró, forró e forró!
JUÍZA: Eu devo informar aos dois que se ficar realmente comprovando o abandono de menores, que vocês vão perder a guarda das suas filhas.
MULHER: Não, pelo amor de deus Juíza! As nossas filhas não!
VIZINHA: È forro de segunda a segunda! No último São João eles esqueceram a menorzinha dentro de uma zabumba, a pobre teve que voltar a pé lá de Caruarú!
HOMEM: Excelência, a senhora não pode tirar as nossas filhas da gente!
VIZINHA: Eles nem sabem o nome das filhas! È só forró forró e forró!
JUÍZA: Dona Gorete, a senhora poderia me falar um pouco de suas filhas?
MULHER: Ah... (procura na mente) a Elba, adora um xote, é... e tem outra que ta aprendendo a falar... ela fica xaxa, xaxado, tão linda! Qual é o nome dessa Aloísio?
HOMEM: Nome? (começa a cantar a música do Fala Mansas) Escrevi seu nome na areia...
JUÍZA: Qual o nome dela?
HOMEM: ... o sangue que corre em mim sai da tua veia...
MULHER: (aflita- corta ele) fala, Aloísio, qual é mesmo o nome dela coração?
HOMEM: (canta) Oi Tum Tum, Bate coração, oi Tum coração pode bater...
JUÍZA: Vocês não sabem o nome dela?
HOMEM: (canta) Oi Tum Tum Bate Coração...
JUÍZA: Seu Aloísio pare de cantar e responda à minha pergunta. Como se chama a sua filha?
HOMEM: Oi Tum Tum Bate Coração.
JUÍZA: Oi?
HOMEM: (CORRIGE) Não, Oi Tum Tum Bate Coração.
MULHER: Mas a senhora pode chamar ela de Tum Tum também que ela atende.
JUÍZA: ... Hum, me parece que o forró tem uma importância realmente exrpessiva na vida de vocês.
HOMEM: (CANTA) Você endoideceu meu coração, endoideceu.../
JUÍZA: O que é isso agora?
HOMEM: É o nome da nossa filha do meio.
JUÍZA: Você endoideceu meu coração?
HOMEM: Isso.
JUÍZA: Hum... entendo... olha eu não vejo problemas em voces gostarem tanto assim de uma dança, porém desde que isso não se sobreponha às suas responsabilidades como pais. Segundo Aparecida Mexerica../
VIZINHA: Eles tacam lexotan nas meninas só pra ir no forró. É forró, forró e forró!
MULHER: Excelência, isso não é verdade, por que que a gente faria isso?
VIZINHA: E não é só isso não! Toda quarta-feira ele dá lexotan pra Gorete e vai sozinho pro forró!
MULHER: Que isso Aloísio! Você vai no forró sem mim?!
HOMEM: Desculpa Gorete mas eu preciso.
MULHER: Mas por quê Aloísio?
HOMEM: Eu tenho que treinar novos passos e com você não dá Gorete.
MULHER: Como assim treinar novos passos? Meus passos não te agradam mais?
HOMEM: Gorete, se eu não inovar a gente fica pra trás. E aí como é que vai ser nos festivais?
MULHER: Você dança xote com outras mulheres Aloísio?
HOMEM: Xote não Gorete, claro que não, é só forró,e daqueles bem rápidos. E sem bate-coxa. Xote coladinho é só com você minha flor.
MULHER: E xaxado?
HOMEM: Só com você.
JUÍZA: Não foi o que a sua vizinha disse. Consta aqui que/
VIZINHA: Outro dia eu bem vi ele dançando xote com a prima da Gorete.
MULHER: O quê? Você dançou xote com a Júlia?
VIZINHA: E ela tava com aquela sapatilha prateada da Gorete no pé que eu bem vi!
MULHER: Com a minha sapatilha de aço?!
VIZINHA: E fez até um furo no dedão esquerdo.
MULHER: Ela furou a minha sapatilha de aço?
MULHER: Pra você ver como eles dançaram...
MULHER: Filho da puta!! (torce o braço dele)
HOMEM: Não esse braço não. Esse é o braço da condução!
MULHER: Por isso mesmo!
JUÍZA: Ordem na casa! (ela solta ele)
HOMEM: Eu não ia fazer isso pretinha, eu juro que não ia, mas é que começou a tocar um forró no rádio e eu não agüentei...
VIZINHA: É forró, forró e forró!!!
MULHER: Viciado!!!
HOMEM: Não fala assim...
MULHER: Viciado sim! Viciado! Tarado! Você é o tarado do forró!!
VIZINHA: è forró, forró e forró!
MULHER: Você gosta mais do forró do que de mim! Não é? Fala pra mim, você gosta mais dele não é verdade? Fala!
HOMEM: São amores diferentes...
MULHER: Chega! Eu não quero mais isso pra mim... nos temos que parar com isso Aloísio. Esse vício ta acabando com a gente...
HOMEM: calma gorete...
MULHER: A gente não tem mais vida Aloísio.
VIZINHA: É forró! Forró! Forró!
MULHER: (divide a preocupação) Ás vezes eu me levanto de noite e fico dançando sozinha.
HOMEM: Isso é normal.
MULHER: durante 3 horas.
HOMEM: é...
MULHER: Nós deixamos nossos amigos todos para trás Aloísio, os nossos programas...
HOMEM: Também não é assim.
MULHER: Há quanto tempo a gente não vai num samba Aloísio? Numa micareta? Num pagode. Me diz?
VIZINHA: É forró! Forró! Forró!
MULHER: eu não agüento mais...Aloísio, a gente tem que parar com isso agora.
HOMEM: Mas parar por que?
MULHER: Porque eu to com o pé cheio de bolha!
HOMEM: Poxa mas logo agora? Eu acabei de aprender uma girada nova, em sentido anti-horário!
MULHER: Ai, me ensina?! (se dá conta que ta tentada e corta) Acabou Aloísio.
MULHER: Mas e o Festival de Itaúnas?
MULHER: O Festival de itaú... Acabou.
HOMEM: Mas e a matinê de hoje?
MULHER: A matinê?! Ai, a matin/ Acabou. Olha pra mim Aloísio, acabou. Acabou.
TEMPO – ELES SE ABRAÇAM EMOCIONADOS.
MULHER: Excelência, a gente vai parar. Nunca mais a gente vai dançar forró. Nem um passinho! Eu juro! E gente também nunca mais vai dar lexotan pras meninas. Nem dormonide nem Dramim. Nunca mais. A senhora tem a minha palavra.
HOMEM: É juíza. A gente ta fora do forró! A gente entendeu que não dá mais não. Ninguém aqui quer ser viciado não. Isso não é vida! Não é vida. A gente agora vai cuidar da nossa saúde e da nossa família que é isso que importa.
MULHER: É, agora nós vamos cuidar das nossas meninas.
TEMPO
JUIZA: Bom, eu to vendo que vocês estão dispostos a mudar então eu vou permitir que vocês continuem com a guarda das crianças. Mas vocês vão ter que ser fortes porque a qualquer sinal de fraqueza,de recaída nós vamos considerar você inaptos para manter uma família. Vocês entenderam bem? Bom, agora vocês podem ir, as suas filhas estão esperando por vocês na sala ao lado.
HOMEM: Ah, as meninas tão aí?
JUIZA: Sim, elas estão nessa salinha ao lado. Elas vão voltar pra casa com vocês.
MULHER: Graças a Deus!
JUIZA: Agora vocês podem ir buscá-las.
ELES LEVANTAM PRA IR MAS COMEÇA A TOCAR UM FORRO DELICIOSO.
HOMEM: Que isso?
JUÍZA: Forró, algum problema?
MULHER: (perturbada) Não, não, problema nenhum...
JUÍZA: Podem ir buscá-las.
Eles ficam tentados com a música e divididos olhando para sala onde a juíza aponta que as meninas estão.
JUIZA: Vocês não vão buscá-las?
HOMEM: Buscar?...
JUÍZA: Suas filhas estão esperando!
MULHER: ... As minhas filhas?...
JÚIZA: As suas filhas!
MULHER: (embriagada pela música) Que filhas Aloísio?
HOMEM: Que música meu amor! Olha só que música!
MULHER: To ouvindo, Aloísio, to ouvindo!
A DANÇA É MAIS FORTE QUE ELES, QUE SE DESCONTROLAM NUMA DANÇA FRENÉTICA – PODEM ATÉ ESTAR COM UMA ROUPA DE FORRÓ POR DENTRO E ABRIR A DE FORA, SEI LÁ, EXPLODEM NA ENTREGA AO FORRÓ)
VIZINHA: É forró! Forró e Forro! (luz vai caindo enquanto eles dançam freneticamente, música só cai depois já no escuro). Fim



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PORTA ABERTA
Homem assiste a televisão, mulher chega em casa. MULHER: Desculpa o atraso! Eu tive que ficar lá na loja até agora. A menina que ia me render só chegou agora.
HOMEM: São 9 horas de manhã!
MULHER: Eu sei, João, mas é que choveu demais, a menina só conseguiu chegar agora de manhã. Eu só pude largar agora.
HOMEM: Ô, sai da frente! (fala em relação à TV pois ela ta na frente da TV).
MULHER: Ah, desculpa. Vou preparar alguma coisa pra você comer.
HOMEM: (sempre olhando pra TV, sem olhar pra ela, mal-humorado) Não precisa.
MULHER: Eu faço rapidinho.
HOMEM: Eu já comi.
MULHER: Ué, você comeu o quê?
HOMEM: ...
MULHER: Você não quer saber como foi o meu primeiro dia de trabalho?
HOMEM: Que primeiro dia? Que pra mim já é o segundo porque você foi pra lá ontem. De manhã! È pra perguntar como é que foi ontem?
MULHER: Desculpa, João, foi o temporal, eu não podia sair de La enquanto o pessoal do outro turno não chegasse... tem que revezar, não pode largar assim. (puxa assunto) ih, tava tudo alagado, você tinha que ver. E eu tava morta de sono, achei que nem fosse agüentar, mas eu acho que eu fiz tudo direitinho porque/
HOMEM: Sai da frente. Ta atrapalhando. (a TV).
MULHER: ah, desculpa, a TV. (ela sai da frente) Então, viu? Você fala que eu não sei fazer nada, mas eles até me elogiaram o meu trabalho sabia? Disseram sabe o quê? Disseram que eu sou organizada.
HOMEM: É porque eles não viram como é que você deixou a pia aqui de casa antes de sair.
MULHER: ah, desculpa Joao mas é que eu tava tão nervosa, num queria atrasar logo no meu primeiro dia de trabalho.
HOMEM: Eu tive que lavar aquela merda toda sabia? E você sabe que eu não lavo louça! Sabe que eu não gosto de lavar louça.
MULHER: Mas João por que você fez isso? Eu disse que ia lavar quando eu voltasse...
HOMEM: ...
MULHER: Ah, João, foi tão bom lá...
HOMEM: Você gostou?
MULHER: Ah, gostei tanto.
HOMEM: Gostou do quê?
MULHER: Ah, não sei, gostei de tudo.
HOMEM: Como é que alguém pode gostar de trabalhar no caixa de uma lanchonete de posto de gasolina? Trabalho idiota.
MULHER: (um pouco ofendida) É o meu primeiro trabalho João. (tempo) Eu tava com medo de como ia ser. Mas eu achei legal.
HOMEM: Legal o quê? Ficar lá batendo preço de sanduíche? Pelo amor de deus Gisele! Isso é coisa pra débil mental. Fala Sério! Ô Gisele, põe uma coisa na sua cabeça. Sua hora passou, você não estudou porque não quis. Agora não faz o menor sentido você ficar quererendo trabalhar fora sem ter preparo nenhum. Sabe o que você vai conseguir? Só merda! Só subemprego que nem esse. É isso que você quer? Ficar de empregadinha de posto de gasolina?
MULHER: Mas eu posso começar assim devagarinho e ir crescendo...
HOMEM: Ah, ta, vai crescer, vai virar frentista! Cai na real Gisele. Você não sabe fazer nada. Tem gente que consegue tem gente que não. E ponto. Você não se preparou Gisele. Engoliu mosca. Você não estudou nada, não fez porra nenhuma, agora pelo menos ajuda na casa. E pára de encher o meu saco com essa ladainha!
MULHER: Eu não estudei porque eu tive que cuidar da nossa filha João.
HOMEM: Bem-feito! Quem mandou embarrigar? Devia ter se cuidado, isso sim.
MULHER: (tempo, ela tenta dialogar) João, eu já perdi muito tempo da minha vida...
HOMEM: Ih, vai começar de novo com a ladainha? Pelo amor de Deus!
MULHER: Eu preciso começar a trabalhar mesmo que seja do zero, não tem problema, eu só quero me sentir útil.
HOMEM: (debocha) ah, eu quero me sentir útil!
MULHER: É, João. Eu preciso sentir que eu sei fazer alguma coisa. Que eu posso fazer alguma coisa. Hoje lá no posto eu senti uma coisa diferente, sabia? Pela primeira vez em muito tempo eu senti que... ah, eu me senti crescendo.
HOMEM: Crescendo? Você devia era ta engordando comendo aquelas besteiras todas que tem lá. Tomou sorvete? Fala?
Encheu a pança de sorvete de novo não foi?
MULHER: Pára com isso, João, eu to falando sério. Ontem, lá no posto, eu aprendi várias coisas.
HOMEM: Aprendeu o quÊ? Aprendeu o quê? Não, me diz, em nome de Deus o qué que você pode ter aprendido no seu primeiro dia de empregadinha de posto?
MULHER: Eu vi muita coisa lá ontem. Tinha muita gente ilhada no posto por causa da tempestade. A água subiu tanto... tinha uns 35 carros parados lá no posto.
HOMEM: Ah ta, então você aprendeu que quando chove no Rio a rua alaga? Ó !!
MULHER: Não... não é isso João. Mas é que tinha tanta gente lá... e cada um com uma história diferente. João, tinha um vovô que tava todo molhado, olha ele tentou passar com o carro mas o carro morreu e ele teve que descer no meio da chuva, agora você imagina, com água até o joelho. Ele tava segurando um vaso de flores, ele ficou o tempo todo segurando aquele vaso. O tempo todo João. Eram flores tão lindas. Fiquei me perguntando o que ele ia fazer com elas. Pra quem será que ele ia dar hein?
HOMEM: Hum, e daí?
MULHER: Daí eu pensei em como deve ser bom ser amada que nem essa mulher que vai receber essas flores.
HOMEM: Vai ver que nem é mulher que é homem. Vai ver o vovô é gay.
MULHER: Depois eu fiquei lá olhando um monte de gente que tava indo pra um casamento. Todo mundo super arrumado e preso lá no posto. Sem poder sair de lá. As mulheres com aqueles vestidões, o cabelo todo arrumado e elas sentadinhas no degrau na porta da loja, esperando a chuva passar. Você precisava ver João. Fiquei com uma pena da noiva, ela deve ter passado o ano inteiro organizando a festa pra na hora acontecer essa tempestade e acabar com tudo.
HOMEM: Sorte do noivo, que escapou do casamento.
MULHER: Eu vi também uma mulher no celular contando pra amiga que matriculou o cachorro dela numa escola especial para cachorros. Uma escola pra cachorro, vc ta ouvindo João?
HOMEM: (FAZ sinal pra ela sair da frente).
MULHER: A escola tinha até natação João e treino em inglês pros cachorros! Uma fortuna, 580 reais a mensalidade! So que tem o seguinte, ela paga isso tudo pro cachorro lá dela mas ela negou na minha frente um sanduíche pra um menino que tava lá no posto que eu vi. O menino cheio de fome João e ela negou. Teve uma hora que ela mandou ele tirar a mão do carro dela para não sujar. Eu vi. Ninguém me contou não.
HOMEM: Tá, parabéns, agora dá pra sair da frente?
MULHER: E tinha um casal muito estranho. Eles tavam na mesinha do lado do caixa. Você acredita que eles ficaram sentados lá umas 4 horas por causa da chuva e nesse tempo todo eu não vi eles trocarem uma palavra João? Ela só ficava lendo uma revista o tempo e ele lá calado. Aí quando acabou ela leu tudo de novo, de trás pra frente. È incrível que um casal possa terminar assim... O silêncio deles era tão triste... me deu até um aperto na garganta... você não acha horrível quando as pessoas não tem mais nada pra dizer uma pra outra? Hein?
HOMEM:... (ele não responde, vê TV).
MULHER: Mas aí do nada apareceu um homem, alto, barbudo e veio até o caixa, parou e ficou me olhando. Me olhando, me olhando... Aí ele me perguntou. Você não ta me reconhecendo não? Fiquei la tentando me lembrar mas você sabe que eu sou péssima pra essas coisas.
HOMEM: Vc é péssima pra várias coisas.
MULHER: (respira fundo) Mas então... sabe quem ele era? O Marcelo, o Marcelo, o meu melhor amigo no tempo do colégio. Eu já te falei do Marcelo lembra? Então? Ele tá tão diferente. Tá barbudão (ri). Ele montou uma empresa de esportes radicais, esse negócio de fazer trilha, descer rio... Ele ta bem na vida.
HOMEM: E você falou o que pra ele? Que virou dona de casa?
MULHER: Ele me disse que era apaixonado por mim no colégio...
HOMEM: Apaixonado por você?!
MULHER: É. E que era apaixonado até hoje. (ri feliz) Sabe o que ele disse? Que eu não mudei nada, que eu continuo linda.
HOMEM:Tá, parabéns, então no seu primeiro dia de trabalho você também descobriu que os homens mentem.
MULHER: Não João, você não ta entendendo. Na verdade eu descobri muito mais do que isso. É... Na verdade eu descobri, com o velhinho, que eu to com vontade de ganhar flores, é eu quero ganhar flores... eu quero muito ganhar flores... eu não consigo passar nem mais um dia sem ganhar flores. Eu acho que eu não consigo passar nem mais um minuto sem ganhar flores.
HOMEM: Gisele dá pra sair da.../
MULHER: (CORTANDO ELE) Não, agora escuta. Você não queria saber o que é que eu aprendi lá ontem? Então, com a mulher do cachorro eu vi que eu não preciso conviver com gente idiota... aliás ninguém precisa, a gente convive é de bobo. Com os convidados do casamento eu descobri que um casamento pode acabar de repente... ou pior, pode ir acabando aos poucos, um pouquinho a cada dia, até ficar só o silêncio. Aquele silêncio do casal na mesinha... E teve o Marcelo também, tão bom ter reencontrado o Marcelo. Tão bom saber que tem gente assim que nem o Marcelo por aí né? Então,João, pra um primeiro dia de trabalho até que eu descobri muita coisa né? Bom, eu vou dormir porque eu to cansada e amanhã é meu segundo dia de trabalho e eu quero estar bem. Agora, eu vou te deixar com a sua TV, aliás eu vou te deixar João... Boa noite. (ela sai, ele fica pensativo, a t v ligada, mas dessa vez ele não olha a tv).
Fim.



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A NOVA MULHER
Música tocando. Casal sentado num sofá de uma sala se beijando e se agarrando. Começam a tirar a roupa. (é importante que a personagem feminina seja delicada e suave e não uma putona, senão não tem graça). RICK: Ah, vem cá delícia, vamos fazer um sexozinho gostoso, vamos?
NANDA: Pô, mas é a primeira vez que a gente sai, você não acha que pega mal?
RICK: Não ué, que que tem?
NANDA: Ah, sei lá é que tem homem que acha que dá de primeira é coisa de piranha. (TEMPO) Você acha isso?
RICK: Não, claro que não, a gente é adulto, qual o problema?
NANDA: Ai, que bom, que eu sempre dou de primeira. Como diz minha mãe: foda adiada é foda perdida!
RICK: (RI SEM GRAÇA) ah, é? Sua mãe fala isso?
NANDA: Fala. Minha mãe é muito sábia, sabe? Ela me dá muitos conselhos de vida.
RICK: Que engraçado.
NANDA: Mãe tem essa coisa de cuidá né? Toda mãe é assim. A mamãe sempre coloca uma camisinha nova na minha bolsa, quer ver? (procura) olha aqui. Num falei. Ela é tão boazinha, ela fica preocupada, olha só, é daquela resistente, boa pra fazer sexo anal, ó! Tá vendo, minha mãe me conhece.
RICK: Como assim?
NANDA: Ah, ela sabia que eu vou fazer anal com você.
RICK: Fazer sexo anal comigo? Olha! (ri sem graça) Mas como é que a sua mãe podia saber disso? A gente nem falou nisso.
NANDA: Ah porque ela é esperta. Ou então porque eu sempre faço isso de primeira.
RICK: ah é?... que coisa...
NANDA (PENSATIVA): Ou então deve ser porque ás vezes eu filmo e mando pra ela.
RICK: Você filma o quê?
NANDA: Ah, eu filmo o sexo em si. O todo. E uns closes também. Eu pego as dobrinhas sabe? Eu acho bonito. Tô até pensando em fazer uma exposição “Genitálias Cariocas”. Já tenho muito material. Eu coloco no youtube você quer ver?
RICK: Sua mãe vê esses vídeos?
NANDA: Vê ué, todo mundo vê, ta lá no pornotube! É só botar Fernanda molhada. Quer ver?
RICK: Não. Peraí. Você não acha estranho a sua mãe ficar vendo esses seus vídeos?
NANDA: Estranho? Não. Acho normal, toda mãe quer saber o que que a filha anda fazendo ué. E eu tenho estudado muito, eu to estudando pra concurso sabe? Daí eu nunca paro em casa aí eu resolvi filmar meus encontros pra ela poder me ver quando sentir saudade. Minha mãe é muito sozinha.
RICK: Ela é casada?
NANDA: Não. Ela tem uma historinhas lá com o porteiro mas é só sexo.
RICK: Ela sai com o porteiro?
NANDA: De vez em quando.
RICK: E ela acha isso bom?
NANDA: Ah, deve ser ótimo, porque o Juarez! Nossa! Muito bem dotado.
RICK: Como assim? Você já transou com o Juarez?
NANDA: Ah, não, mas o Juarez é muito bem dotado! Ele usa um uniforme justo que eu fico louca, que isso. É que eu ainda não tive uma chance mas quando eu pegar o Juarez de jeito...
RICK: Não vai ficar estranho depois não?
NANDA: Depois?
RICK: É. Se você sair com esse Juarez depois como é que vai ser? Você vai chegar em casa e dar de cara com ele na portaria, todo dia?
NANDA: Não . Vai ter vezes que eu vou chegar e ele vai ta com a minha mãe lá em casa. Eles andam transando muito. O Juarez parece um coelho! Tem que ver!
RICK: E você não se sente invadida com ele na tua casa?
NANDA: Ah, eu ando tão ocupada com o concurso, eu quero ser juíza sabe? Então eu nem ouço nada. E eu sou muito concentrada. Eu só acho chato quando a Carmem entra na jogada.
RICK: Carmem?
NANDA: É, a empregada. Ela grita muito,é espanhola. E aí quando a mamãe chama a Carmem pra participar fica difícil mesmo. Aí eu confesso que me atrapalha sim. Semana passada eu falei pra Carmem: Carmen eu não quero mais que você fique com a minha mãe quando ela já estiver com o Juarez, falei mesmo, porque senão vira bagunça sabe? Eu preciso estudar.
RICK: Sei. E essa Carmen, ela te obedece?
NANDA: Só na cama. Porque na mesa ela não me traz uma torrada. E vai pedir pra ela fritar um ovo? Não frita. Ela disse que ovo não é função dela.
RICK: Você não acha devia arrumar uma outra empregada, diante do que anda acontecendo?
NANDA: Acho, acho sim. Acho um absurdo esse comportamento. A Carmen não pode ficar sem fritar ovo e achar que é normal isso. Eu adoro ovo! Tem que superar essa aversão a ovo., gente! Mas deixa, deixa que a minha tia ta mandando uma menina lá do Norte que ela disse que é ótima! Cozinha que é uma maravilha e ainda faz um sexo oral fantástico. Ate minha avó elogiou. E olha que a minha avó é dificílima, não gosta de nada.
RICK: A sua avó...
NANDA: Minha avó é uma santa! Graças a Deus que eu tenho ela na minha vida! È muito sábia a vovó, não sei o que seria de mim sem ela. Vive me dando presente, olha só isso aqui que mimo.
RICK: que isso?
NANDA: Tesão de vaca. Não é incrível? Eu achei que nem existia mais! Tem coisa que só avó pra descobrir para gente! Sua avó também deve ser assim né? E eu servi um pouco disso no chá de panela da minha irmã, outro dia, ih, foi um arraso, você tinha que ver! A gente se divertiu tanto! Ai, que loucura! Aqui, ó (mostra uma marcas de unha na barriga) o que a minha prima me fez. Ai, ai, to acabada até hoje! Ai, ainda bem que a vovô me mandou esse hipoglós junto! Minha avó pensa em tudo!
RICK: Escuta, ta ficando tarde, acho que eu já vou indo...
NANDA: Ah, mas já? Sem nem transar?
RICK: é, é que eu lembrei que tenho que terminar um trabalho para amanhã...
NANDA: Mas a gente não vai nem transar?
RICK: Eu queria mas é que não vai dar...
NANDA: Que estranho né?
RICK: O quê?
NANDA: A gente se vê sem transar. (TEMPO) Posso então me marturbar?
RICK: Não vai dar mesmo, eu to cansado...
NANDA: Você só precisa assistir.
RICK: Escuta, ia ser muito interessante, mesmo, mas fica pra próxima. é que eu lembrei que eu tenho esse lance...
NANDA: É rapidinho. Eu consigo em 20 segundos.
RICK: Eu te ligo amanhã.
NANDA: Amanhã? Mas eu vou ta estudando amanhã... agora eu vou ficar pegada direto por causa do concurso. Eu quero ser juíza.
RICK: Pena. Fica pra uma outra vez.
NANDA: Ah, então ta, fazer o quê né? Você ficou com sono né? Eu não devia ter falado essa história do concurso. Eu não aprendo,mas tudo bem, a gente sai outro dia. Olha deixa só eu ver se o Juarez ta lá na portaria pra abrir a porta pra você. (liga) Alô Juarez? Ah, vc ta aí, né? Achei que você tivesse com a minha mãe. Escuta, tem um amigo meu descendo aí, fica aí e abre a porta pra ele hein? Não vai ficar se agarrando com o vigia que o meu amigo ta cansado hein? E não vai agarrar ele hein Juarez. Tá. Ta bom, tchau.
NANDA: Pronto. Já falei com ele. Olha, vamos fazer o seguinte? Me liga amanhã sim, me liga que mesmo se eu não puder ir, minha mãe vai com você. Leva minha mãe. Você vai adorar a minha mãe. Tchau. (vai até o interfone) Alõ Juarez, sou eu. Olha, depois que vc abrir a porta pra ele, dá uma subidinha aqui fazendo favor Juarez. Eu quero ver se esse uniforme é justo mesmo. (grita) Mamãe, Carmem, Mamãe, acorda que o Juarez ta subindo!
FIM.


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Vigilante liberta ex-mulher no Sul após mantê-la três dias como refém.
O País O Globo 16 de fevereiro de 2010

PSEUDOSEQUESTRO

Pequena sala. Mulher sentada numa cadeira. Homem com arma na mão, espiando pra fora pela janela assustado. Música tocando alto, sugiro um rock de jimmy hendrix ou algum blues charmoso. Depois de um tempo nisso ele corre e abaixa o som.

Mulher: (reclama) A música!

Homem: A gente ta cercado!

Mulher: A música! Aumenta a música!

Homem: Não dá. 3 dias com essa merda buzinando no meu ouvido, ah, tenha paciência.

Mulher: Ah, Valdir, aumenta só um pouquinho.

Homem: Já to ficando surdo com esse bagulho Mirtes. Pra que isso?

Mulher: Assim dá mais clima. Parece até seqüestro de filme. Agora coloca o capuz!

Homem: Quem sabe eu não devia te dar umas porradas pra ficar mais real ainda né?

Mulher: Ih, calma Valdir, você tá muito nervoso. Ó, vou botar uma mpb bem baixinho que é pra você ficar bem calminho meu amor. (coloca mpb – sugiro edu lobo ou joão bosco antigos)

Homem: Isso num vai dar certo. A polícia tá aí Mirtes.Tu num viu não? A casa tá cercada.

Mulher: Jura?

Homem: Caramba! Tem um maluco daqueles de preto pendurado lá na bananeira.

Mulher: Ih, vai matar a planta! Policia não tem sensibilidade. (Vai até a janela espiar.)

Homem: E agora? O que que a gente faz?

Mulher: A gente negocia Valdir.

Homem: Negociar com a polícia?

Mulher: É ué. A gente tem que negociar a minha libertação.

Homem: Isso é coisa de bandido.

Mulher: A gente negocia, daí você me solta, fala que foi um desespero seu, que foi por amor, mas que você tá arrependido.

Homem: Eles vão me mandar em cana Mirtes. Isso é seqüestro. É crime.

Mulher: Isso é amor! Quem nunca fez uma besteira por amor? Agora uma música bem romântica pra selar o nosso pacto! (bota um Lupicínio Rodrigues ou algo antigo)

Homem: Ai meu Deus, onde é que eu fui amarrar o meu bode? (ficam um tempo parados, ele deprê e assustado, ela feliz, se sentindo amada, manda beijo pra ele).

Policial: Atenção, aqui é a polícia.

Homem: É a polícia, abaixa a música!

Mulher: Ah, vai tirar o clima... polícia num entende de arte... (abaixa um pouco, a contragosto).

Policial: Atenção, a casa está toda cercada. Não adianta resistir. As ordens são para liberar a vítima. Repito: Liberar a vítima. Sua ex-mulher deverá deixar a casa pela porta da frente.

Homem: E agora? Tão achando que eu te seqüestrei mesmo.

Mulher: Ué, mas não foi isso que a gente combinou? Um seqüestro de amor?

Homem: No nosso combinado não tinha a polícia no meio não Mirtes. Era uma coisa pequena, um seqüestro só pros amigos!

Mulher: Mas Valdir, assim é que é bom, assim ninguém duvida que é de verdade!

Homem: Será que você não entende Mirtes, eu vou ser preso! Eu vou pra cadeia!

Mulher: Vai nada Valdir, tu num é bandido. Todo mundo sabe que tu num faz mal a uma mosca. (mexe no som entra uma notícia)

NOTÍCIA: E atenção, estamos falando aqui com a mãe do vigilante que mantem a ex-mulher em cativeiro já há 3 dias, o que a senhora tem a dizer sobre o comportamento do seu filho Dona Armênia?

DONA ARMÊNIA: Eu bem que achava ele bonzinho demais. Eu pensava: Tem caroço nesse angu. Aí! viu só? Meu filho virou bandido gente, e vai fazer o quê? Tem que prender, lugar de bandido é na cadeia!

NOTÍCIA: Obrigado Dona Armênia, logo voltaremos com mais notícias do vigilante

Homem: Meu deus, até a minha mãe! Quer saber? Eu vou lá fora agora mesmo e vou contar pra todo mundo que a gente combinou isso tudo, que esse seqüestro é uma armação!

Mulher: Você não pode fazer isso Valdir! Você me prometeu!

Homem: É isso aí! Essa história já foi longe demais, eu to fora! E toma essa merda, (dá a arma na mão dela) pra mim chega!

SILÊNCIO. ELE A OLHA NA EXPECTATIVA, SABE QUE VAI DECEPCIONÁ-LAS BASTANTE REVELANDO A ARMAÇÃO MAS NÃO VÊ OUTRA SAÍDA.
Ela fica refletindo, abalada, enquanto ouve a música.

Mulher: Espera!

Homem: O que foi meu amor?

Mulher: (vai até o som e coloca um tango – aponta a arma pra ele) Senta.

Homem: Que isso Mirtes?

Mulher: Senta. Eu não to brincando. (ele se senta, lentamente, espantado com a atitude dela). A gente não vai voltar atrás agora. A gente já foi longe demais pra voltar atrás.

Homem: Mas a gente nem saiu daqui e.../ (ela corta)

Mulher: Cala a boca e me escuta. A minha vida inteira eu tive que agüentar as pessoas me comparando com a minha irmã. Que ela era linda e eu.. eu não. (imita com desdém a voz dos outros) Oh, como a Maria Sheila é linda!! (entra A IRMÃ, UMA MULHER BEM GATA) Olha como ela é loira e alta e charmosa e ainda tem senso de humor (fala pro público, fria) Tem mulher que é tão bonita que até ofende.

Homem: Mas você também é bonitinha.

Mulher: (respira fundo, contrariada com a comparação e continua) Todo mundo sempre quis namorar a Maria Sheila. Até você, não é Valdir? E conseguiu, namorou com ela, por um mês.

Homem: (corrige) Um mês e um dia.

IRMÃ: ( surge em outro plano, corrigindo) Foram só 30 dias Valdir.

Homem: Mas é que valeu por um ano!

Mulher: (pra Valdir) Cala a boca!! Você não sabe (vai até a irmã, como se ela fosse uma boneca e a conduz até uma cadeira, criando uma lembrança) mas eu vi a hora em que ela acabou com você. Eu tava atrás da cortina da sala da vovó. Eu me lembro de cada detalhe.

(arma-se a cena, como se voltasse no tempo – algo simples – talvez os dois sentados)

IRMÃ: Valdir, eu gosto muito de você. Você é uma pessoa muito especial, mas... não vai dar mais. Me desculpa, mas eu tenho outros planos pra minha vida.

HOMEM: É?

IRMÃ: É. Eu recebi um convite pra fazer um filme em Hollywood...

HOMEM: Você vai fazer um filme Maria Sheila?

IRMÃ: Não sei ainda porque eu também fui convidada lecionar em Harvard..

HOMEM: Pra fazer o quê?

IRMÃ: Mas na verdade, eu acho que vou mesmo é pra África, vou ser voluntária da ONU, a Angelina Jolie me mandou um e-mail hoje me convidando para ir com ela.

HOMEM: Você vai pra África Maria Sheila!?

IRMÃ: Eu quero ser boa.

HOMEM: Mas você é boa! Você é muito boa! Você... Eu te amo Maria Sheila! Eu te amo! (se agarra nós pés dela)

IRMÃ: Valdir. Agora eu tenho que ir.

HOMEM: (triste) Tá...

IRMÃ: Solta o meu pé.

HOMEM: Ah desculpa. Mas como é que eu vou viver sem você?

IRMÃ: Taí. Por que você não namora a minha irmã?

HOMEM: A sua irmã? !

IRMÃ: É, ela gosta de você.

HOMEM: Depois de comer faisão eu lá vou querer comer coxinha?

IRMÃ: Ai, Valdir. Olha, eu tenho mesmo que ir. Tchau. (dá um beijinho na bochecha dele que ele quase desmaia).

(a cena volta ao presente)

MULHER: O resto da história a gente já conhece. Você tomou um porre por causa da Maria Sheila, eu tomei outro por sua causa, a gente acabou dormindo junto e eu engravidei da nossa filha. (ela coloca uma música bonita – tempo os dois se olhando) Todos esses anos eu tive que engolir as pessoas falando que você só casou comigo por causa da gravidez. Que eu dei o golpe da barriga. Mas que você sempre gostou foi da minha irmã. Pois bem. De hoje em diante a história vai ser outra: você na verdade sempre me amou, sempre foi louco de amor por mim até que eu decidi me separar de você. E aí, quando viu que ia ficar sem mim, você ficou tão desesperado, mas tão desesperado que me seqüestrou. Quem vai duvidar agora do seu amor por mim?

POLICIAL: Atenção, se você não liberar a vítima agora nós temos ordens de invadir o cativeiro. Repito: nós vamos invadir o cativeiro.

HOMEM: Meu amor, me escuta, olha, eu topei fazer esse seqüestro de mentirinha só pra você se sentir melhor, pra deixar pra trás de uma vez esse lance com a sua irmã, mas se a gente não explicar direitinho o que tá acontecendo eles vão achar que eu te seqüestrei mesmo.

MULHER: Mas você não entende? Esse seqüestro é perfeito pra mim. Você não vai dar pra trás. Não Valdir. Você me deve isso.

HOMEM: Mas eu vou ser preso!

MULHER: Foda-se.

HOMEM: Como é que é?

MULHER: Cansei de ser mal-amada Valdir. (vai até o som e coloca uma música romântica – imagino um Frank Sinatra ou algum desses clássicos do jazz.)

HOMEM: Mas eu te amo Mirtes.

MULHER: Mas ninguém sabe. Ninguém acredita. Quer dizer, ninguém acreditava até você me sequestrar, né?

HOMEM: Mas eu não te sequestr...

MULHER: (cortando ele)Essa música é em homenagem ao sequestro! (se dirige pra porta)

HOMEM: Peraí, onde é que você vai? A gente tem que explicar pra eles.. eles vão me..

MULHER: Me desculpa Valdir, mas uma mulher precisa ser amada. (larga a arma e sai – prefere o marido na cadeia aos comentários de ser pouco amada por ele.)

FIM

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